Desafios de passarinhar no papel

Penso que na vida temos várias paixões. Pelo menos eu tenho. As aves, sem dúvida, são uma dessas paixões. Sair e/ou viajar para observar aves só torna o “gostar” mais acentuado. Mas é algo que nem sempre consigo fazer por conta de meu trabalho.

É aí que entra uma outra paixão: o desenho, que me permite “passarinhar no papel” por horas a fio sem sair de casa, nos horários disponíveis.

O problema é que essa liberdade toda, de desenhar um pinguim-papua ou pinguim-gentoo (Pygoscelis papua), por exemplo – que nem é encontrado em território brasileiro, no conforto de minha casa em São Paulo, batendo uns 30°C -, tem seu preço. No meu caso é a aleatoriedade com a qual desenho; quase um “desenho quando dá”. E, com isso, perco “passarinhadas no papel” incríveis…

Daí entra em cena a função dos desafios, das mobilizações para passarinhar, desenhar, listar as aves observadas, dentre outras atividades. São propostas estimulantes que nos impulsionam a uma organização de tempo para colocar em prática algo que nos agrada demais.

No mês de janeiro, o Cornell Lab de Ornitologia lançou o desafio Bird Art Week 2024. Foram sete dias, entre 22 e 28 de janeiro, com “provocações” que uniam ciência e arte, estimulando não só a pesquisa sobre os artistas envolvidos, como também às aves.

O primeiro estímulo do desafio foi o “bailado das aves” (#birdballet), com um desenho que captasse os movimentos harmoniosos desses animais. Para esse dia, pelo meu atraso em começar, usei um trabalho que já tinha, retratando a dança do tecelão (Cacicus chrisopterus).

No segundo dia do Bird Art Week, o tema da vez foi o “ninho no capricho” (#neatnests) . Então, pensando na arte de tecer seu ninho, escolhi novamente o tecelão (Cacicus chrisopterus) e seu ninho elaboradíssimo, baseado em um registro que fiz no Pantanal em 2023 (imagens no alto).

Um olhar apurado para fotos que inspiram

Mas para os outros cinco dias do desafio, parti para a pesquisa de fotos inspiradoras relacionadas a cada um dos temas sugeridos: “aves de altitude” (#alpinebirds);  “comedoras de frutas”  (#fruiteatingbirds);  “aves do quintal” (#backyardbirds);  “retorno a partir da conservação” (#conservationcomeback); e “espetaculares aves marinhas” #SpectacularSeabirds. Para esse último, a ave pesquisada foi o pinguim. Descobri que existem 18 espécies de pinguim no mundo, cada um com sua distribuição geográfica, dimensões e características próprias.

Acabei escolhendo o pinguim-papua por conta da foto incrível de Júlia Finger, cientista brasileira e integrante da Rede OrnitoMulheres, postada em seu perfil no Instagram.

No Wikiaves, uma fonte inesgotável de fotos, informações sobre localização e dados das  espécies brasileiras, a busca por inspiração para desenhos ganha “ares acadêmicos”. De repente, me vi elaborando teorias sobre “por que não há registro no Wikiaves do maravilhoso sanhaço-frade (Stephanophorus diadematus), no Parque Nacional de Itatiaia (RJ), sendo que meu desenho se baseou na foto de Lindolfo Souto tirada lá?

Fiquei pensando no conceito de “registro líquido”, imediato, como o rápido caminhar de nossa humanidade para não sei onde, numa velocidade que nos rouba um bem tão precioso como o tempo. Assim como o exemplo do sanhaço-frade, podemos verificar um número maior de registros no Instagram e no Facebook do que no Wikiaves. E, com isso, o registro por localidade na lista da enciclopédia das aves se perde.

Esse pensamento me levou a outra ave escolhida. Dessa vez, uma espécie para representar o “retorno a partir da conservação”. Pensei na diferença entre reintrodução na natureza e o aumento por meio de trabalhos de conservação de uma população quase extinta e segui a sugestão de outra mulher, Erika Hingstz Zaher. Escolhi o falcão-peregrino (Falco peregrinus), desenhado a partir do registro da fotógrafa brasileira Aline Patricia Horikawa que está publicado no Wikiaves.

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