Por Adriana Prestes
Bióloga, responsável técnica por áreas de soltura e monitoramento de fauna silvestre na Serra da Mantiqueira e Vale do Paraíba (SP) e secretária executiva do Grupo de Estudo de Fauna Silvestre do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Serra da Mantiqueira
segundachance@faunanews.com.br
Amigo leitor, começo o ano de 2022 contando a história do Rubinho.
Um periquitão-maracanã (Psittacara leucophthalmus) foi entregue para a soltura em uma caixa de papelão. Na hora de descartar a caixa, encontramos um singelo bilhete que dizia:
“Srs. Biólogos,
O filhote já tem nome. É Rubinho. Ele adora tomar banho de sol e, de noite, gosta de ficar no colo até a hora de pra caminha.
Esperamos que seja feito o melhor pra ele.”
No final, dois coraçõezinhos desenhados e o nome das pessoas que cuidaram do Rubinho.
Para nós, até em então, o Rubinho não existia. Mas passou a existir após a leitura do bilhete.
É incrível o que a nossa espécie pode fazer. Quanta dedicação em função de uma outra espécie muito diferente da nossa!
A ação de soltura é sempre motivo de polêmica e parte do problema está sobre qual ponto de vista adotar: o do indivíduo ou o da espécie?
Espécies conseguem se readaptar ao ambiente silvestre desde que reintroduzidas no momento e no ambiente certos. Populações naturais podem ser revitalizadas com projetos adequados de soltura.
Mas o que dizer sobre os indivíduos? Em uma população, é razoável supor que tenhamos diversos perfis de indivíduos, tanto do ponto de vista comportamental quanto do ponto de vista de resistência a doenças. Um animal que é solto passa a ser submetido a um estresse muito maior do que em cativeiro, os riscos aumentam de forma exponencial e o destino de cada indivíduo passa a ser incerto.
Uma das formas com a qual a nossa espécie se relaciona com as outras é a individualização. Não vemos a espécie X, mas sim o Rubinho.
E as consequências disso?
Cada vez mais são comuns casos como o do Rubinho: animal silvestre “cai” no quintal de alguém ou é resgatado e é “criado” por humanos. Claro que com todo o amor do mundo. Para o animal, dependendo da espécie, o desfecho dessa “proteção integral” pode ser trágico, já que ele passa a viver de uma forma completamente artificial, muitas vezes desenvolvendo alterações comportamentais irreversíveis. Para as pessoas, essa relação também pode ser tóxica, já que é notável os inúmeros casos de “apego” ferrenho ao animal, sem que seja considerado, nem uma vez, o mal que possa estar causando, com, por exemplo, horários e alimentação inadequados à saúde do espécime.
Interessante é que, mesmo argumentando, algumas pessoas simplesmente ignoram a razão e a lógica, ainda que a manutenção do animal traga riscos ao próprio humano que “cuida” e aos moradores do entorno. É mesmo um comportamento irracional.
E a soltura? Rubinho poderá sobreviver?
Um dos pontos fundamentais para o sucesso de qualquer soltura é um bom protocolo de reabilitação, que vai muito além da condição clínica, já que envolve o comportamento e a capacidade de buscar alimento. Assim, cada animal destinado à soltura vai passando por testes e vai sendo avaliado sobre o progresso que poderá resultar no retorno à vida livre. Claro que existem espécies que oferecem poucos desafios para a ação de soltura. Outras são o oposto. Claro também que, novamente, é preciso considerar os indivíduos, já que apesar de todos os esforços nem todos os indivíduos serão aptos para a soltura.
Até o momento, Rubinho vai bem, passando nos testes e, aos poucos, deixando de ser o Rubinho…
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