Por Daniel Nogueira
Biólogo, especialista em Ecoturismo e analista ambiental do Ibama. É o responsável pelo Centro de Triagem de Animais Silvestre (Cetas) do Ibama localizado em Lorena (SP)
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No artigo “A falta de normas de operação para os centros de triagem e reabilitação de fauna“, publicado em 20 de outubro de 2021 nesta coluna, o colega do Centro de Triagem de Animais Silvestres Tangara, em Pernambuco, Yuri Marinho Valença, expos uma realidade que dificulta muito uma uniformização na construção e operação de centros de triagem e reabilitação de animais silvestres, os Cetras.
Realmente, não há uma determinação ou normatização nacional que orienta o estabelecimento das estruturas físicas dos centros de recepção e reabilitação de animais silvestres da forma como existem para outros empreendimentos de fauna, como zoológicos e criadouros comerciais.
Contudo, o Ibama, que opera 22 centros de recepção, triagem e destinação de fauna silvestre, denominados Cetas pela instituição, tem suas diretrizes e procedimentos de operacionalização dispostos pela Instrução Normativa Ibama n° 5, de 13 de maio de 2021. Convido o leitor interessado na proteção da fauna silvestre a fazer uma leitura dessa norma.
Existem alguns aspectos interessantes nesse instrumento normatizador que podem ser apontados.
Podemos começar pelo processo de produção conjunta dentro da instituição, o qual, durante anos, permitiu a técnicos de todos os Cetas do Ibama no Brasil e equipes técnicas das Superintendências Estaduais dessa instituição oferecerem suas manifestações e proposições quanto aos caminhos técnicos da normatização que estava sendo construída.
Também, sobre o mérito de discorrer sobre todo o processo de gestão dos Cetas, iniciando pelo estabelecimento da posição e importância desses centros dentro do Ibama e determinando que a sua ação passou a ser considerada serviço público relevante.
Além disso, a norma pondera sobre todo o processo prático que ocorre em um Cetas, iniciando pela recepção, a triagem, o manejo (manutenção e reabilitação) e a destinação dos animais silvestres.
Uma menção importante deve ser feita. No seu terceiro capítulo, a IN faz uma projeção das repercussões advindas das ações dos Cetras na destinação dos animais, as solturas. Nesse capítulo, a norma orienta sobre a parte do manejo de fauna que ocorre fora do próprio centro, principalmente nas áreas de soltura. As Áreas de Soltura de Animais Silvestres, denominadas pelo Ibama de Asas, são propriedades agregadas ao esforço dos Cetas em realizar a etapa final do processo que lhe cabe. É nesses locais e pelas pessoas relacionadas a eles que os animais devem retomar, com muito mais facilidade, correção técnica e sucesso, para a natureza.
É nesse capítulo que o Ibama reconhece formalmente os parceiros na reabilitação e posterior soltura dos animais que estiveram sob seus cuidados. Lá estão previstas as Asas Simples, locais cujas soltura são diretas, e a previsão de cadastro de Asas Reabilitadoras, que têm estrutura física e técnica para fazer a complementação. já na área de soltura, da reabilitação dos animais advindos dos Cetas.
E para finalizar, a IN tem a previsão inédita da figura do Reabilitador sem Asas (sem área de soltura), que é a pessoa ou instituição que pode ser cadastrada e reconhecida pela Ibama para ajudar a instituição nas ações de reabilitação dos animais para que sejam, posteriormente, encaminhados para soltura.
Embora essa instrução normativa tenha sido publicada em 2021, a iniciativa de normatização dos Cetas do Ibama não é novidade.
O processo de normatização técnica de destinação de animais já tinha sido formalizado com a polêmica Instrução Normativa n° 179, de 2008, que já foi revogada. Em 2014 o Ibama pública sua primeira Instrução Normativa de Cetas, a IN nº 23, que serviu de base para Normativa de 2021, muito discutida e aprimorada internamente na instituição.
Ambas normativas, a atualmente vigente n° 5/2021 e a revogada nº 23/2014, trouxeram no seu bojo toda a descrição do trabalho dentro dos Cetas, inclusive o estabelecimento de protocolos sanitários indicativos.
A Normativa Ibama n° 5/2021 traz orientações quanto ao funcionamento dos Cetas, com uma aplicação muito relacionada à prática e ao cotidiano de um centro. Isso porque ela foi construída em um processo participativo real e de base, ou seja, pelos próprios técnicos e gestores de Cetas e colegas das divisões técnicas do Ibama. Esse fato confere a essa norma, além do papel óbvio e principal de código formal, uma legitimidade prática, sendo uma fonte de informações para a ação cotidiana dos Cetas do Ibama. Estão lá na norma, dentro de seus artigos e anexos, orientações que funcionam quase como um guia prático, um manual técnico para se trabalhar em centro de triagem. Tudo dentro de uma aplicabilidade prática construída com base na experiência de décadas do Ibama em seus Cetas.
Embora seja uma norma interna do Ibama, está, sem dúvida, à disposição para ser seguida como parâmetro inicial ou até aperfeiçoada por outros órgãos ambientais.
Com os Cetas do Ibama funcionando e novas possibilidades de ações em parcerias, com número de recepção, triagem e destinação girando em torno de 80 mil animais por ano, o Ibama é uma das instituições que mais recebe, trata e destina fauna silvestre no mundo. Com muitos desafios, dificuldades e contradições a vencer, essa experiência ajuda o órgão a ser uma instituição patrimônio para o Brasil e para o nosso povo, na difícil tarefa de proteção da nossa fauna silvestre.
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