
Graduada Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestra e doutoranda no Programa de Pós Graduação em Ecologia da mesma universidade, onde atua no Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF). É integrante da Rede Brasileira de Especialistas em Ecologia de Transportes (REET Brasil)
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Muitas vezes, abordamos nesta coluna sobre a necessidade de instalação de medidas para a redução dos impactos das estradas na fauna e sobre a importância de avaliarmos se as medidas estão cumprindo os objetivos para as quais foram propostas. Os desenhos amostrais mais usados para a avaliação de efetividade comparam isoladamente a região antes e depois da instalação das medidas ou apenas comparam trechos com medidas (impacto) e sem medidas (controle).
Entretanto, esses desenhos isoladamente podem omitir outros processos que estejam acontecendo ao mesmo tempo da avaliação e podem nos fornecer uma resposta equivocada quanto a efetividade da mitigação.
Por exemplo, queremos avaliar se houve redução das fatalidades de uma espécie em trechos antes e depois da instalação de medidas (um desenho antes e depois apenas). Imagine que nossa resposta foi que no período após a instalação quase não foram identificadas fatalidades nesses locais em que eram registradas muitas mortes antes. Podemos afirmar que a mitigação foi efetiva? Infelizmente, não. Isso porque pode ser que no período após a medida de mitigação ser instalada houve outro fator que influenciou essa resposta (como um verão muito seco) e em toda estrada morreram menos animais – não apenas nos locais com as medidas.
Por isso, uma das melhores alternativas para avaliar a efetividade de medidas mitigadoras são os desenhos amostrais BACI (do inglês before-after-control-impact, traduzido para antes-depois-controle-impacto), que avaliam a estrada antes e depois da instalação das medidas e avaliam trechos com e sem a presença das medidas (os trechos “impacto” e “controle”). Esse tipo de desenho amostral permite identificar com mais clareza se os resultados encontrados são decorrentes das medidas instaladas e não influenciados por outros fatores.
Atropelamentos no Canadá
Um trabalho realizado no Canadá avaliou a efetividade de cercas na redução de fatalidades de grandes ungulados (antiga denominação científica para mamíferos com cascos). Os pesquisadores realizaram o estudo em duas rodovias, em regiões diferentes e monitoraram o número de atropelamentos em quatro tipos de trechos: antes sem cerca; depois sem cerca; antes com cerca; depois com cerca. Nos trechos sem cerca, houve uma redução de 6% e 9% das fatalidades (em cada uma das regiões) na transição antes e depois, enquanto nos trechos com cerca a redução foi de quase 73% das fatalidades de ungulados em uma das regiões e de 96% na outra.
De um período para o outro houve redução no número de fatalidades, mesmo nos trechos onde não foram instaladas cercas, o que pode indicar que há outros fatores influenciando a redução de atropelamentos. Entretanto, quando olhamos para os trechos onde foram instaladas as cercas, podemos identificar que as cercas contribuíram para que a redução de fatalidades nos trechos onde elas foram instaladas fosse maior, demonstrando que as cercas estão sendo efetivas. A possibilidade de demonstrar que a redução de fatalidades é decorrente da instalação das cercas é a diferença em utilizar um desenho mais robusto (BACI, usado pelos pesquisadores) em vez de um mais simples (exemplo acima do desenho antes e depois apenas).
À medida que temos mais repetições, tanto espaciais (número de trechos) quanto temporais (número de amostragens no mesmo trecho), amostradas em um desenho BACI, também aumentamos nossa confiança nos resultados da avaliação, pois diminuímos a chance de outros fatores serem os responsáveis pela variação do número de fatalidades que estamos observando. Vale ressaltar que, obviamente, nem sempre é possível que apliquemos esse desenho ou tenhamos muitas réplicas. Mas é importante que ele seja a prioridade no planejamento do monitoramento da efetividade da medida de mitigação e que se busque um número de repetições adequado para responder nossa pergunta sobre a efetividade da mitigação.
Trabalhos com esse tipo de desenho amostral estão se tornando mais comuns e contribuem muito para a compreensão sobre a efetividade de medidas de mitigação. Além disso, quando não for possível implementar um desenho mais robusto, é importante estar ciente de que diferentes fatores podem estar influenciando as fatalidades, não apenas a presença de medidas de mitigação.
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