Por Carlos Eduardo Tavares da Costa
Biólogo, bacharel em Direito e agente de Polícia Federal
nalinhadefrente@faunanews.com.br
Tradicionalmente habitada por índios xoclengue, caingangue e guarani, a região catarinense localizada no Alto Vale do Itajaí começou a ser colonizada por descendentes de europeus – grande maioria de alemães – em 1920. Em 1926, foi criada a área indígena Ibirama-La Klãnõ, que abrange grande parte do território municipal de Ibirama e mais três municípios: Doutor Pedrinho, Itaiópolis e Vitor Meireles. A área em questão detém 37.018 hectares de mata nativa, em parte floresta ombrófila mista, com uma grande variedade de espécimes vegetais e da avifauna catarinense.
A população indígena tem, hoje, cerca de pouco mais de duas mil pessoas que vivem, oficialmente, de cestas básicas e outros alimentos fornecidos pela Funai e da venda de artesanatos. Durante vários anos, políticas públicas foram implementadas tentando introduzir, nessas comunidades, o cultivo de alimentos adaptados ao clima e às condições locais. Mandioca, mel e algumas variedades de frutas foram tentadas, além da criação de gado bovino e caprino, porém, sem sucesso.
Por volta de 2001, a delegacia da Polícia Federal em Itajaí acumulava grande número de denúncias que davam conta de desmatamentos para venda de madeira e de caça predatória visando a comercialização de animais silvestres no interior da demarcação. Tive a oportunidade de participar da equipe encarregada do levantamento de tais fatos, supostamente delituosos. A terra indígena em questão é dirigida por um estatuto interno, homologado nos anos 80, em que um cacique é eleito como líder.
Feitos os contatos iniciais, para que não houvesse conflitos, nossa equipe começou os trabalhos. Já sabíamos das más influências, puramente econômicas, exercidas por donos de madeireiras do entorno com interesses em determinados espécimes. De pronto, identificamos tratores e estoque de combustíveis para tais veículos. Trilhas e restos de desmatamentos foram encontrados com as mesmas características da maioria dos desmates ilegais por todo o país: salvaguardando as margens das estradas para que os “clarões” não sejam avistados.
Um número razoável de armadilhas para pássaros e pequenos mamíferos também foram relatadas. Destaco aqui uma sequência de raciocínio logico usado em qualquer processo investigativo: todas as casas de indígenas no interior da reserva são de alvenaria e edificações de madeira eram quase inexistentes, não justificando o grande número de árvores de espécies nativas de grande porte cortadas; na cultura dos povos locais não existe o habito de manter mamíferos e passeriformes em cativeiro; a inexistência de plantações e de monoculturas com médio e grande extensão não justificaria o uso de maquinário pesado e, consequentemente, de combustível fóssil estocado para seu uso; um grande número de eletrodomésticos modernos para a época, tais como televisões com telas grandes, vídeo cassetes, antenas parabólicas, aparelhos de ar condicionado e outros foram registrados na totalidade das residências.
Em decorrência das especificidades da legislação indígena e do grande número de conflitos com forças policiais estaduais e colonos, nosso relatório final foi encaminhado à Funai, em Curitiba, e ao Ministério Público, torcendo para que providências fossem tomadas.
Alguns anos depois, pudemos entender boa parte da razão dos conflitos existentes na região. Invasões de áreas pertencentes ao governo do estado de Santa Catarina com o objetivo de desmate, pois determinadas espécies vegetais, de interesse das madeireiras, já não eram encontradas nas terras indígenas; conflitos entre índios e colonos em razão de reivindicações das terras destes últimos por estarem mais bem preservadas e usadas como locais de abrigo das espécies passeriformes da região e, finalmente, prisões de pequenos traficantes de animais silvestres que acabavam por se alojar no entorno da reserva
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