Por Kamila Bandeira
Bióloga com mestrado em Zoologia pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É doutoranda no mesmo programa, além de pesquisadora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Suas pesquisas estão focadas em Paleontologia de vertebrados
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Os crocodiliformes são um grupo de arcosauros que inclui os crocodilos, jacarés e outros parentes próximos atuais, assim como muitas espécies extintas. Durante a Era Mesozóica (entre 230-66 milhões de anos atrás), e a primeira metade da Era Cenozóica (66 milhões de anos atrás até os dias atuais), os crocodiliformes eram muito mais diversos do que são agora. Uma ampla diversidade de linhagens terrestres e semiaquáticas dominava diversos ambientes terrestres e, claro, apresentava uma grande disparidade de tamanhos. E é dentro do grupo de crocodiliformes que existe uma outra linhagem bastante diversificada, especialmente aqui no Brasil, chamada Notosuchia.
A Notosuchia, por sua vez, é uma subordem de crocodiliformes totalmente terrestres, que apresentavam uma série de modificações em seus dentes e que, por sua vez, refletem diferentes hábitos alimentares, incluindo espécies herbívoras, onívoras e hipercarnivoros terrestres. É exatamente dentro dessa subordem que se encontra uma nova espécie de crocodiliforme brasileiro, chamado Coronelsuchus civali.
O Coronelsuchus foi nomeado a partir de dois esqueletos fósseis incompletos, que exibem ossos do crânio e pós-crânio, que foram encontrados nas rochas da Formação Araçatuba, no distrito de Coronel Goulart – dai vem seu nome. Esse distrito se localiza no município de Álvares Machado, sudoeste de São Paulo, e é um dos primeiros fósseis de vertebrados para essa região. As rochas da Formação Araçatuba, por sua vez, são datadas em cerca de 90 milhões de anos – idade geológica conhecida como Turoniano. É importante ressaltar que essa formação é uma das unidades geológicas de uma sequência sedimentar mais ampla denominada Grupo Bauru, que no Brasil aflora nas regiões centro-oeste de São Paulo, norte do Paraná, sudeste do Mato Grosso do Sul, sul de Minas e sul de Goiás.
Além disso, a Formação Araçatuba é interpretada como um complexo de lagos continentais e nela já foram encontrados fósseis de alguns invertebrados, peixes e tartarugas. O Coronelsuchus então entra em cena como um possível predador para esse ambiente ainda pouco conhecido. A nova espécie também apresenta características únicas em seus dentes: eles eram implantados de forma oblíqua na fileira dentária, e exibiam uma série de tubérculos e serrilhas em suas coroas dentárias. Isso corrobora com as informações de uma dieta variada e é possível que ele, pequeno crocodiliforme, se alimentasse de carcaças, e, às vezes, de animais mais duros, como moluscos e até restos de tartarugas.
O Coronelsuchus também ajudou a melhorar o entendimento das relações de parentesco entre vários notossúquios (parentes dos crocodilos e jacarés de hoje em dia, que andavam em terra firme, tinham patas abaixo do corpo e dentes especializados) brasileiros, auxiliando a delimitar um novo clado (grupo de espécies com um ancestral comum exclusivo), chamado de Sphagesauria (ilustração do alto do artigo).
Esse novo clado se mostrou o mais diverso dentro da subordem Notosuchia e inclui espécies onívoras de pequeno a grande tamanhos. Esse novo estudo também recuperou muitas espécies brasileiras reunidas por apresentarem características comuns com o Coronelsuchus civali. E, somando-se a isso, a nova espécie foi revelada como um membro basal (“primitivo”) quando comparado com os demais parentes, trazendo informações importantes sobre a evolução desses animais em particular.
Por fim, o estudo foi realizado por um time de pesquisadores da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), em parceria com pesquisadores do Museus Nacional (MN/UFRJ) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Ele publicado na revista científica Anais da Academia Brasileira de Ciências.
Referência
– PINHEIRO AEP, SOUZA LG, BANDEIRA KLN, BRUM AS, PEREIRA PVLGC, CASTRO LOR, RAMOS RRC & SIMBRAS FM. 2021. The first notosuchian crocodyliform from the Araçatuba Formation (Bauru Group, Paraná Basin), and diversification of sphagesaurians. An Acad Bras Cienc 93: e20201591. DOI 10.1590/0001-3765202120201591.
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