Graduada Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestra e doutoranda no Programa de Pós Graduação em Ecologia da mesma universidade, onde atua no Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF). É integrante da Rede Brasileira de Especialistas em Ecologia de Transportes (REET Brasil)
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Entre os problemas críticos das ferrovias em relação às colisões com animais estão a dificuldade dos maquinistas em frear os trens e a impossibilidade de desviarem. Embora nas rodovias essas condutas não sejam seguras para os usuários, os motoristas têm um controle maior do veículo do que os condutores de locomotivas. Dessa forma, o planejamento de medidas de mitigação é ainda mais crucial em ferrovias e para isso é importante entender como os animais se comportam na presença dos trens.
Um estudo publicado em julho de 2022 avaliou os fatores relacionados à resposta de fuga de duas espécies de ungulados (alce e corça) em ferrovias na Suécia. O trabalho utilizou câmeras instaladas na cabine do maquinista, que garantiram ampla visão dos trilhos e da região lateral, e quando os maquinistas avistavam um animal na área, iniciavam a gravação das câmeras. Os autores avaliaram o comportamento do animal ao detectar o trem e quais fatores podem afetar essa detecção, como a localização do animal (dentro dos trilhos, no gabarito e fora do gabarito); o horário do dia (noite, dia, amanhecer/anoitecer); o tipo de obstrução na via (curvatura, vegetação, terreno); a velocidade do trem e o uso de buzina.
Os resultados encontrados são muito legais! Os fatores analisados e a forma que eles influenciam as fugas variaram entre os alces e as corças. Vou explorar brevemente alguns pontos, mas vale a pena conferir o artigo para saber mais. A maioria dos indivíduos – das duas espécies – fugiram quando detectaram os trens. Ambas iniciam a fuga a uma distância de aproximadamente 80 metros, mas quando há utilização de buzina as corças conseguem iniciar a fuga a 120 metros de distância do trem. Um resultado muito curioso encontrado foi que as corças que estão fora do gabarito fogem para longe dos trens, mas os animais que estão no gabarito ou dentro dos trilhos fogem para os trilhos ou se deslocam ao longo deles, se mantendo em uma zona de risco de colisão.
Esse estudo é importante para refletirmos sobre o comportamento dos animais em relação aos trens. Embora tenham o intuito de fugir, os que fazem isso dentro dos trilhos seguem em perigo. Esse comportamento de deslocamento pela via é algo já relatado e em locais com a presença de neve, por exemplo, a via recebe manutenção e acaba sendo o melhor local para que os animais se desloquem. Mesmo que não tenhamos neve no Brasil, podemos pensar que há locais em que as ferrovias possam servir de via de deslocamento para a fauna. Nesse caso, para evitar colisões dos trens com os animais, precisamos evitar que os animais chegue até os trilhos.
Quando não houver a possibilidade de cercamento, é necessário que haja outros tipos de mitigação para evitar as colisões. Uma alternativa pode ser a utilização de avisos sonoros pelos maquinistas. Entretanto, é importante lembrar que, por mais que o aviso sonoro auxilie na fuga dos animais, eles precisam de algum estímulo que os façam sair dos trilhos. Além disso, o uso das buzinas está vinculado à detecção do animal pelo maquinista, o que pode ocorrer muito em cima do animal, não havendo tempo hábil para ele sair dos trilhos. Por isso, aliar o uso de buzinas com algum sistema de detecção de animais (o quanto antes possível) pode ser um caminho interessante para a redução das colisões. Essas opções precisam ser mais avaliadas para que possamos saber se são efetivas em reduzir colisões e assim serem propostas em planejamentos de mitigação.
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