Por Karlla Barbosa
Bióloga, especialista em Tecnologias Ambientais, mestre em Conservação Ambiental e Sustentabilidade e doutoranda em Zoologia. É coordenadora de projetos na SAVE Brasil, principalmente no Projeto Cidadão Cientista
observaçãodeaves@faunanews.com.br
Quem nunca fez uma coleção, ainda que de forma bem modesta? As coleções podem ser dos mais variados objetos e propósitos, sendo as mais populares as de selos, miniaturas, postais, latinhas, carrinhos, moedas ou notas antigas, figurinhas, revistas em quadrinhos, livros, dedais, chaveiros… A lista de objetos que as pessoas colecionam pode ser tão extensa quanto as razões que as levam a começarem e manterem suas coleções.
Colecionar é uma maneira interessante de guardar lembranças e revivê-las sempre que queremos, seja os bons momentos que vivenciamos em algum lugar e até mesmo em determinado período da nossa vida. O hábito de colecionar quando criança tem suas vantagens e nos ensina a organizar, encontrar lógicas e zelar pelos objetos colecionados. Funciona também como uma forma de se abrir para relações interpessoais. Segundo psiquiatras, colecionar é ainda uma atividade que proporciona uma higiene mental. Felizmente, é algo absolutamente normal.
Então, por que não colecionarmos as espécies de aves que observamos?
Uma tendência da observação de aves no Brasil é a de colecionar registros, fotos e sons de aves. Os famosos lifers, espécies que são observadas ou fotografadas pela primeira vez, proporcionando uma sensação de missão cumprida ou objetivo alcançado. Os eventos Big Year e Big Day são ainda formados no propósito de fazer uma coleção pontual, onde os participantes têm o objetivo de alcançar o maior número de espécies de aves em um ano ou um único dia. Existem ainda aqueles observadores que preferem completar seus “álbuns de figurinhas” com fotos das espécies e quanto mais melhor. E o limite para completar esse álbum é toda a riqueza de espécies de um lugar, pais e do mundo afora!
Mas o que a observação de aves tem de importante para o conhecimento científico das espécies?
Bom, quando fazemos uma lista de espécies ou aumentamos nosso álbum de figurinhas com fotos ou sons das aves, nós podemos também contribuir com a Ciência. O que chamamos de ciência cidadã ou ciência colaborativa é quando as pessoas não-cientistas coletam informações que contribuem para o conhecimento científico. Imagine um país como o Brasil, com dimensões continentais, quanto anos levaria para um pesquisador coletar informações em diferentes regiões para conseguir saber, por exemplo, qual a distribuição de uma espécie? Porém, se todos nós postamos nossas listas e/ou fotos e sons das aves de uma localidade em sites colaborativos, formamos juntos um banco de dados riquíssimo para a Ciência.
Ainda que pareça que uma única informação pontual não seja significativa, ela irá se juntar com outras centenas que podem contribuir para o conhecimento das espécies. Essas informações podem ajudar no entendimento de onde as espécies estão, se migram, quando migram e para onde migram; o que comem, qual tipo de habitat preferem, entre outras coisas. Existem bons exemplos de pesquisas que foram feitas com dados das passarinhadas!
Fotos e sons puderam contribuir, por exemplo, no artigo de Dornas e colaboradores (2012) para conhecer registros importantes e inéditos de aves para uma região de ecótono (transição entre dois tipos de vegetação) Amazônia/Cerrado no centro norte do estado do Tocantins. Alguns registros das espécies que eles estudaram só foram possíveis por estarem disponíveis em plataforma de ciência cidadã. Ou seja, os pesquisadores contaram com a ajuda de observadores de aves para conhecer as espécies de uma região do país e mostrar o potencial da região com as novas descobertas ornitológicas.
Uma informação que tem crescido cada vez mais nas plataformas são fotos de aves com alterações na coloração da plumagem, como o cianismo, albinismo ou melanismo que podem ser observadas nas imagens registradas. Outras ocorrências como cruzamento entre espécies diferentes, o hibridismo, também já foram observados através de fotos nessas plataformas. Ou mesmo deformidades nos bicos das aves que antes não eram tão mencionadas pela ciência agora são possíveis de encontrar um grande banco de dados sobre essas deformidades. Muitos desses estudos foram apresentados em reportagens ou artigos que podem ser acessadas abaixo.
Outra área do conhecimento que tem crescido muito com a observação de aves é a ecologia urbana. Nosso conhecimento sobre as espécies urbanas ainda é muito raso, mas fotos e listas com comentários podem ajudar muito! Nas áreas urbanas, as espécies estão ainda mais próximas de nós. Seja nas áreas verdes ou mesmo da janela de sua casa, essa pode ser uma oportunidade para você também contribuir para a Ciência.
Cito aqui como exemplo o caso do gavião-de-cauda-curta que fez seu ninho a menos de cinco quilômetros do centro da cidade e que os autores do artigo que descreve o ninho confirmam a dieta da espécie baseada em fotos do Wikiaves. Aproveito, inclusive, para dar uma dica aqui para assistirem à explicação do pesquisador Daniel Perrella de como inserir ninhos na sua passarinhada.
https://youtu.be/7p5zD7vu13c
Eu citei aqui apenas alguns exemplos de trabalhos científicos publicados em revistas brasileiras, mas temos muito conteúdo sendo produzido com as informações provenientes dos observadores de aves. É um conteúdo que tem alcance não só no Brasil, mas internacionalmente, que conta muito sobre nossas aves com base em dados de ciência cidadã.
Por fim, minhas dicas são:
– observe as aves, pois essa é uma prática que relaxa e pode contribuir para o conhecimento da nossa biodiversidade;
– ainda que você já tenha completado sua coleção de espécies, aumente o potencial dela com fotos da mesma espécie em diferentes lugares, tempos e comportamentos. Ah, e não esqueça das espécies comuns;
– compartilhe sua lista de espécies em plataformas de ciência cidadã como eBird e, se possível, sempre coloque informações sobre as espécies que observou (está com ninho?, quantos filhotes?, quanto machos e quantas fêmeas?, etc.); e
– respeite as aves evitando playback abusivo com muitas repetições ou próximo de ninhos.
Se você respeitar as aves, elas estarão sempre lá para nos presentearem com sua presença.
– Matéria sobre periquitões-maracanãs com cianismo
– Matéria de aves com deformidade no bico
– Artigo sobre espécies híbridas
– Artigo sobre gavião-da-cauda-curta em um parque urbano de São Paulo
– Artigo sobre a migração através de dados de ciência cidadã
– Leia outros artigos da coluna OBSERVAÇÃO DE AVES
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
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