
Por Ingridi Camboim Franceschi
Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde é mestranda, sendo integrante do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF)
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A presença de rodovias pode reduzir a abundância de animais no entorno delas. Os motivos são diversos, dentre eles o impacto das colisões com veículos, perda de vegetação nativa, afugentamento por poluição sonora e/ou luminosa, entre outros. E como essa perda de indivíduos afeta as populações? Já falamos sobre isso em alguns casos específicos (artigos de março de 2017 e abril de 2018).
Alguns estudos demonstram que os atropelamentos nas rodovias são o impacto mais importante para redução na persistência das populações. Os animais com maior mobilidade, ou seja, que se deslocam bastante para forragear ou demarcar território, e apresentam baixa taxa reprodutiva, gerando poucos filhotes por gestações e gestações longas, são os mais afetados. Isso porque a mobilidade aumenta a interação com as estradas e, assim, as chances de colisão com os veículos. Já a baixa taxa reprodutiva dificulta compensar a geração de novos indivíduos na mesma medida em que ocorrem as perdas, especialmente quando envolve fêmeas.
O baixo número de indivíduos em uma população e as dificuldades de encontrar parceiros podem resultar em baixa diversidade genética, aumentando a chance de doenças. Se pensarmos em espécies ameaçadas de extinção o impacto pode ser mais severo.
Recentemente, um estudo quantificou os efeitos dos atropelamentos nas rodovias em mamíferos terrestres no mundo e as consequências na viabilidade das populações. Os autores estimaram que o risco de extinção de populações locais aumenta devido às fatalidades e identificaram quatro espécies de mamíferos mais vulneráveis. Duas delas ocorrem no Brasil e são ameaçadas de extinção no país, o lobo-guará (Chrysocyon brchyurus) e o gato-do-mato-pequeno (Leopardus tigrinus). Regiões onde esses animais ocorrem devem ter uma atenção maior no planejamento de construção ou pavimentação de rodovias, sendo necessário uma avaliação prévia do estado de conservação das populações dessas espécies e um trabalho para identificar as opções de medidas para evitar ou minimizar o impacto nelas.
Além da ameaça devido à perda de indivíduos gerada pelas colisões com veículos, a redução da vegetação nativa e da conectividade de habitat para a fauna ocasionada pelas rodovias também podem afetar a persistência das populações. As mudanças no uso e na cobertura da terra no entorno, com o desenvolvimento de outras atividades antrópicas, podem ter impactos negativos. Um estudo com onça-pintada (Panthera onca) no Brasil demonstrou que áreas naturais muito fragmentadas por estradas diminuem a densidade de indivíduos, diminuindo a persistência das populações por causa da baixa disponibilidade de habitat. Além disso, a presença humana em áreas remotas bem preservadas facilita a caça ilegal, o que é outro fator que reduz a abundância de animais e, consequentemente, as populações.
Uma alternativa para amenizar os impactos das rodovias nas populações silvestres são estratégias de mitigação, como passagens de fauna, de forma que permitam a conectividade das áreas naturais separadas pelas rodovias. Porém, avaliar a efetividade dessas medidas em escala populacional é complicado, pois precisamos acompanhar uma parte considerável de indivíduos ao longo do tempo e avaliar se a população não está em declínio, mantendo suas interações naturalmente. O ideal são avaliações controle-impacto-antes-depois da implementação das medidas, como foi realizado no estudo em Ontário, no Canada, investigando a efetividade de estruturas de passagem para repteis e anfíbios com método de captura e recaptura. Nesse estudo, os autores encontraram que as medidas reduziram as fatalidades e facilitaram a conectividade para uma porção relativamente significativa das populações.
O impacto nas populações silvestres pode resultar em consequências para toda comunidade. Por exemplo, a redução de indivíduos nas populações de predadores pode facilitar o aumento na quantidade de presas e desequilibrar toda a cadeia alimentar. Com isso, estudos investigando os impactos das rodovias sobre as populações são importantes, principalmente em regiões nas quais elas são ameaçadas por outros fatores, como a perda de vegetação natural. Além da identificação dos impactos nas populações, trabalhos buscando a avaliação da efetividade das medidas mitigadoras são cruciais para que, de fato, estejamos auxiliando na conservação dessas espécies.
Embora medidas de mitigação (após comprovada efetividade) possam minimizar os efeitos negativos das rodovias em populações animais, a medida mais importante a ser tomada é o planejamento rodoviário prévio. Novas estradas devem ser evitadas em regiões com alta biodiversidade para impedir as consequências dos impactos diretos e indiretos associados à presença dessas estruturas.
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