Por Kissila Frizzera Sperdutti¹ e Hudson Pinheiro²
¹Gaduanda em Jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) dedicada ao jornalismo científico e investigativo
²Biólogo e cientista do Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo (USP), desenvolve projetos de pesquisa e de extensão relacionados a diversidade e conservação de peixes em ambientes recifais, explorando ecossistemas remotos e profundos
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A pesca possui uma extrema importância social e econômica no Brasil, sendo realizada por milhares de pessoas de forma comercial e recreativa. Contudo, a atividade enfrenta conflitos locais, muitos deles provocados por atividades impactantes que afastam os peixes dos pesqueiros. Ocasionalmente, o conflito existente envolve a gestão ambiental, a mesma que trabalha pela conservação dos recursos naturais que os próprios pescadores tanto dependem.
A tradicional prática da pesca de sardinhas em Fernando de Noronha (PE), por exemplo, foi alvo recente de debates acalorados. As fortes ondulações no mar durante o verão dificultam a captura das sardinhas nos locais habituais, fazendo com que parte da comunidade pesqueira solicite que áreas protegidas pelo Parque Nacional Marinho sejam abertas à pesca. O pedido foi recentemente permitido, causando controvérsia sobre os precedentes de se pescar dentro dos limites de áreas de conservação de proteção integral, cujos objetivos são voltados ao turismo e à conservação da biodiversidade.
Com o objetivo de avaliar a pesca da sardinha em Fernando de Noronha, uma equipe de cientistas criou uma estratégia para estudar o caso aplicando uma nova forma de monitoramento, a partir da utilização de drones. Para o desenvolvimento da pesquisa, os drones utilizados realizaram diversos sobrevoos pelas zonas liberadas para a pesca, numa escala de aproximadamente cinco quilômetros quadrados. Como resultado, foram obtidas imagens inéditas dos tamanhos dos cardumes de sardinha, da dinâmica pesqueira e as características do leito marinho em porções mais rasas. Além disso, foram identificadas as áreas mais visadas pelos pescadores e os aspectos operacionais do esforço de pesca, auxiliando tanto a gestão do parque quanto a pesqueira. O nível de transparência do mar também influencia na captura das imagens, o que proporcionou resultados satisfatórios no estudo do arquipélago.
Segundo os cientistas, esse método de monitoramento oferece uma melhor percepção dos impactos gerados e a conciliação entre a conservação da biodiversidade e as demandas humanas. A sardinha é altamente utilizada como isca viva para a pesca de grandes peixes, mas ela não é essencial somente para a área comercial dos pescadores. Os ambientalistas ressaltam que ela é a base alimentar de diversos animais marinhos, como tubarões, golfinhos e aves. Dessa forma, num cenário de sobrepesca desse peixe, a consequência seria um desequilíbrio das espécies, o que traria prejuízos inclusive para o ecoturismo, uma vez que a biodiversidade do arquipélago é um dos principais atrativos para mergulhadores e turistas.
Apesar de o uso de drones em áreas marinhas protegidas ainda estar em estágio inicial no Brasil, a nova tecnologia possui benefícios quando comparada aos métodos tradicionais, que antes demandavam uma complexa logística e altos custos. “A utilização de drones em um novo método de monitoramento das atividades pesqueiras é uma opção versátil e econômica, tornando possível o melhoramento dos estudos pesqueiros e, principalmente, de áreas marinhas protegidas”, cita o líder da pesquisa, José Amorim Reis-Filho, pesquisador da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Uma expedição apoiada pelo Grupo Boticário de Proteção à Natureza foi realizada em outubro de 2019 e rendeu um artigo publicado na revista científica Fisheries Management and Ecology, intitulado “The challenges and opportunities of using small drones to monitor fishing activities in a Marine Protected Area”.
As áreas de conservação do ambiente marinho precisam de uma atenção especial por exigirem um manejo adequado, que merece ser adaptado conforme a realidade das comunidades envolvidas. Nesse sentido, os pesquisadores observam que o monitoramento com drones possibilita um manejo adaptativo, assimilando os momentos adequados para restrição ou liberação da pesca. “Registramos 89 atividades pesqueiras na área marinha e 75 pescadores costeiros nas praias”, acrescenta Reis-Filho. O pesquisador está na linha de frente de estudos mais aprofundados sobre a aplicabilidade dos drones no monitoramento pesqueiro em áreas marinhas, possibilitando que o método possa ser replicado em diferentes trechos da costa nacional e internacional.
Além do monitoramento da pesca de sardinhas, os drones são instrumentos potenciais na investigação da distribuição de animais de grande porte. No sudeste do Brasil, na região da foz do rio Doce, outro grupo de pesquisa avaliou o uso de drones para o monitoramento de tartarugas, aves marinhas, peixes grandes e pequenos cetáceos. O estudo, conduzido pela pesquisadora Amanda Giacomo e colaboradores da Universidade Federal do Espírito Santo, intitula-se “Using drones and ROV to assess the vulnerability of marine megafauna to the Fundão tailings dam colapse”, pulicado na revista Science of the Total Environment. O trabalho mostra uma alta importância da região para espécies ameaçadas de extinção, como a franciscana/toninha (Pontoporia blainvillei) e a tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea).
Estudos de monitoramento da megafauna possuem grande potencial para gerar dados ecológicos e para auxiliar na resolução de conflitos. Essa ferramenta tem sido testada em localidades onde existem conflitos entre tubarões e banhistas, por exemplo, visando a prevenção de possíveis interações. Esse método de monitoramento traz benefícios não só para o acompanhamento das diversas espécies que são visadas para a pesca, mas também na busca de soluções para conciliar o desenvolvimento sustentável das atividades humanas com a conservação biológica no ambiente marinho.
Referências
– Giacomo ABD, Barreto J, Teixeira JB, Oliveira L, Cajaíba L, Joyeux JC, Barcelos N, Martins AS (2021). Using drones and ROV to assess the vulnerability of marine megafauna to the Fundão tailings dam collapse. Science of the Total Environment 800: 149302.
– Reis-Filho JA, Joyeux JC, Pimentel CR, Teixeira JB, Macieira R, Garla RC, Mello T, Gasparini JL, Giarrizzo T, Rocha L, Pinheiro HT (2022). The challenges and opportunities of using small drones to monitor fishing activities in a marine protected area. Fisheries Management and Ecology: 29 (5): 745–752.
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