
Por Ingridi Camboim Franceschi
Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde é mestranda, sendo integrante do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF)
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Existem diversas estratégias para evitar/reduzir as taxas de fatalidades resultantes das colisões entre a fauna e veículos em rodovias. Dentre as mais conhecidas estão as passagens inferiores, que permitem uma conexão por baixo da estrada para os animais atravessarem, as passagens aéreas ou superiores, que facilitam a conexão do dossel das árvores para a fauna arborícola e as cercas nas margens das estradas/ferrovias, que impedem os animais de cruzarem essas infraestruturas.
Entre as cercas, existem diversas modalidades, tipos e adaptações para cada caso específico e isso depende do grupo ou espécie-alvo e da área foco de mitigação. Recentemente, pesquisadores têm testado o uso de cercas virtuais em rodovias. Sim, virtuais, pois não existe uma barreira física impedindo os animais de cruzarem a estrada como as cercas convencionais. Mas como funciona isso?
A cerca virtual é composta de sensores que ficam às margens das estradas, intercalando o lado da via e com distância de 25 m um do outro. A cerca é ativada pelas luzes dos faróis dos veículos quando eles se aproximam do trecho com o dispositivo. A cerca virtual então emite luzes e sons com o intuito de alertar o comportamento dos animais e impedir que eles cruzem a estrada no momento em que o veículo está passando.

Alguns detalhes sobre o dispositivo: o sensor é capaz de detectar um veículo a até 300 m de distância, o alerta luminoso é óptico bicolor (amarelo e azul) e o alerta sonoro é representativo de sons naturais. Mais detalhes e informações sobre essa ferramenta no site da Wildlife Safety Solutions.
Esse equipamento vem sendo testado na Austrália, em diferentes estradas. Um estudo demonstrou que as taxas de fatalidades reduziram entre 21 % e 57%, dependendo da espécie. Em uma outra rodovia e avaliando outras espécies, uma pesquisa encontrou uma redução superior a 50% da taxa de fatalidades.
Um trabalho publicado este ano divulgou um estudo que monitorou a efetividade dessas cercas virtuais em um trecho de estrada de 1,5 km na Austrália em relação às fatalidades envolvendo wombats ou vombates (Vombatus ursinus), uma espécie de marsupial que só ocorre lá. Os pesquisadores monitoraram as fatalidades antes e depois da instalação das cercas virtuais ao longo da estrada. Entretanto, diferente dos demais trabalhos, esse último não encontrou uma redução significativa nas taxas de mortalidades após a instalação das cercas virtuais. Porém, eles discutem que talvez a velocidade máxima e a velocidade registrada dos veículos na via são uma questão importante a ser incorporada na mitigação em conjunto com as cercas virtuais, pois sabemos que acima de determinadas velocidades o tempo de reação do motorista não é suficiente para evitar a colisão.
Neste mesmo estudo, os pesquisadores chamam a atenção para a espécie-foco que se deseja mitigar. Eles avaliaram um animal noturno, programando o funcionamento das cercas virtuais apenas para a noite. Assim, ela não reduziria as colisões de espécies diurnas, sendo necessária uma alternativa em conjunto para a mitigação das fatalidades. Entretanto, as cercas também poderiam ser programadas para períodos do dia que sejam de interesse para a mitigação, pois apesar de possuir o modo original noturno, elas apresentam uma chave manual de configuração para o período diurno. Outra consideração importante desse trabalho é a importância de avaliar o comportamento dos animais diante a ação da cerca virtual, sugerindo o uso de armadilhas fotográficas para obter registros que auxiliariam a compreender como os animais respondem.
Essa nova tecnologia tende a ser muito promissora para auxiliar na redução das colisões veículos-fauna. As cercas virtuais tendem a afastar os animais apenas quando algum veículo está passando na rodovia e permitindo a livre circulação nos demais momentos. Além disso, o dispositivo é recarregado por energia solar e apresenta baixo custo de manutenção. Contudo, são necessários mais estudos avaliando a sua efetividade, as reações de diferentes animais diante a ativação da cerca, diferentes extensões de cercas e combinações com outras medidas (por exemplo, redutores de velocidade dos veículos). Ainda é preciso avaliar se esse distúrbio não afugenta os animais da área, quais os tipos de impactos indiretos podem ser gerados para indivíduos de espécies não terrestres (por exemplo as aves, que apresentam uma maior senilidade sonora), e se, com o tempo, os animais não se acostumam com as cercas virtuais, passando a ignorar a barreira e cruzando a estrada. Muitas perguntas surgem com o uso desse dispositivo e que ainda não foram respondidas, mas felizmente estamos dando mais um passo na inovação e aprendizado de estratégias de mitigação nas rodovias (e quem sabe em ferrovias, o que precisa também ser avaliado).
https://www.youtube.com/watch?v=eEPcPDYvLFw
Cerca virtual da Wildlife Safety Solutions em rodovia australiana – Vídeo: Marie Wynan
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