Capivara com depressão

Bem-vindos a Banânia do Leste. Linda nação, repleta de belezas e recursos naturais, cuja legislação ambiental, baseada em legislações ambientais perfeitas, de países civilizados – aqueles que não pouparam esforços para desobedecê-las, acabando por destruir quase a totalidade de suas florestas primárias e, consequentemente, boa parte de sua fauna – tenta proteger, da melhor maneira possível, sua biodiversidade.

O governo de Banânia do Leste conta com o apoio de várias organizações não governamentais conhecidas como PONGs, que são “não governamentais”, mas recebem verbas de governos estrangeiros e trabalham para eles. Essas organizações não têm interesse em estudar ou apoiar pesquisas em botânica, zoologia, entomologia ou arqueologia e sua atenção está voltada para grupos humanos conhecidos como “botocudos”. Porém, não para todos os botocudos, apenas àqueles instalados em terras com recursos genéticos e minerais. Outros grupos, não enquadrados nestas exigências, sofrem com a fome e com doenças.

As PONGS gastam cerca de oitenta por cento de seus “pompudos” recursos, vindos do exterior, com folhas de pagamento. Os outros vinte por cento, por problemas no setor de contabilidade, ainda não descobrimos o destino nem tampouco os resultados (com exceção da compra de grandes extensões de cercas e placas com a inscrição: NÃO ULTRAPASSE). Outras categorias de PONGS são conhecidas como Organizações de Mendicância de Verbas Públicas, cujos objetivos são basicamente os mesmos de suas coirmãs. Os cidadãos de Banânia do Leste têm absoluta certeza de que as PONGS fazem um excelente trabalho, por isso aguardam, ansiosamente, seus relatórios. Afinal, o dinheiro está aí pra resolver problemas, não é mesmo?

Diferentemente dessa parte organizada de Banânia do Leste, temos uma outra região do país causando preocupações: o Oeste. Três organizações – agora sim, “governamentais”, pois recebem apoio de governos – estão estabelecendo fronteiras inexpugnáveis. São elas: o Pessoal da Coca Comandada (PCC), a Organização Red Pill e a Família Rica Feliz. Resolveram dividir o território do Oeste em “regiões administrativas”, açambarcando, inclusive, atribuições de serviços oficiais bananenses, que não conseguem mais acesso a esses territórios, pois colocariam as vidas de seus servidores em risco. Em algumas regiões já estão tendo que negociar uma entrada honrosa. Se continuar assim, terão, brevemente, que negociar uma saída honrosa.

As três organizações se sentem tão à vontade, que têm expandido seus negócios: passaram de simples comerciantes de pó de mármore, para mineração de pedras coloridas (extração legalmente escondida em meio à mata) e exploração de madeira da floresta (através de sociedades livremente forçadas com madeireiras).

Em meio a esses pequenos problemas, vive uma capivara chamada Thofú. Linda, exuberante, mas preocupada a ponto de sofrer de depressão. Vivia muito bem, dividindo o território com os botocudos; despreocupada e acostumada a ouvir, apenas, barulhos de festas com tambores e sons de outros animais. O tempo foi passando e Thofú foi obrigada a conviver com sons estranhos. Além das máquinas barulhentas que derrubam árvores, outros dispositivos, que emitem estampidos fortes e provocam mortes, foram surgindo.

Gente esquisita que não faz cocô no rio e usa boné com a aba pra trás surgiu e dividiu o território em “governanças”. Transportam pó de mármore, pedras coloridas e madeira pra lá e pra cá. Conhecedora do dialeto botocudo, Thofú também conhecia a língua dos homens brancos vestidos de verde – aqueles tolos que acham que se escondem no mato e ninguém percebe seu cheiro. Mas Thofú, ultimamente, tem percebido uma outra língua. Dizem alguns animais que habitam próximo à fronteira Oeste que se trata do espanholês, usado por pessoas vindas de democracias estranhas e que também atuam escondidos em florestas. Vários amigos de Thofú, após perderem os pais e lares, acabaram sendo presos e confinados em jaulas por crimes que não cometeram.

Thofú percebe que a velocidade de reação do governo bananense é semelhante à de um cágado para assuntos que não lhe interessam e mais rápido e eficiente que um candirú quando deseja prejudicar os infelizes nativos.

Estranho, também, tem sido o silêncio de conhecidos atores internacionais: Leonardo Jetboat e Galheta Polegar, que de tanto ativismo para proteção da região do Oeste, acabaram por se cansar e desistir, sem sequer voltar suas atenções para a extração de carvão da Germândia e de urânio no Canadeu.

Mas a legislação de Banânia do Leste está sendo aprimorada: será criado o usucapião para estrangeiros.

Agora deem licença que vou tomar meu remédio tarja preta.

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