Caminhos para a liberdade de macacos-prego

Na coluna Segunda Chance, trazemos diversos assuntos relacionados a solturas e reintroduções. Explanamos sobre os grandes desafios que cercam o tema, as mudanças necessárias e, claro, as inspirações para não deixarmos morrer a esperança que habita em todos nós de ver tantos animais apreendidos ou resgatados tendo a oportunidade de retornar à natureza.

As translocações, termo usado pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) para se referir ao ato de mover um organismo de um local para a soltura em outro, tem um complexidade que está longe da trivialidade. Ao contrário, os desafios nesse trabalho de reabilitação, preparo e, posteriormente, adaptação dos animais são diversos. Além disso, muitas das ameaças que tiraram esses animais de seu hábitat natural persistem, como tráfico de animais silvestres, caça, redução e destruição de hábitats, acidentes na rede elétrica ou rodovias, doenças, entre outras, já que há muito mais a ser considerado.

Mas hoje quero mostrar esperança, motivar e apresentar caminhos que vêm sendo trilhados por outras instituições. Acredito que muitas vezes nos parece difícil a realização das solturas e aqui trago à tona a complexidade dos primatas, especificamente dos macacos-prego. Esbarramos em limitações e em várias dificuldades e talvez desacreditamos da possibilidade. Precisamos pensar na conservação desses animais e em como podemos aplicar estratégias para mudar a história de tantos indivíduos fadados ao cativeiro.

Já contei como o Instituto Pró-Silvestre (IPS) vem atuando na frente de reabilitação e soltura. Nesta segunda etapa, conversei com o veterinário Bruno Pessoa Lima, cofundador e presidente do IPS e com a bióloga e colaboradora externa do Instituto, Vitória Nunes, para conhecer mais sobre o trabalho com macacos-prego.

Tatiane Rech – Quantos macacos-prego, em média, o Instituto Pró-Silvestre recebe anualmente? Quais espécies de macacos-prego chegam ao Instituto Pró-Silvestre?

Bruno Pessoa Lima – O Instituto Pró-Silvestre, nesses três anos de atividade, tem recebido uma média de 15 macacos-prego por ano. Não há uma variação sazonal determinada, porém, observa-se que a demanda de entrega voluntária ou de apreensão dessa espécie atende a certos períodos, ou seja, se recebemos um macaco esta semana, possivelmente outros serão entregues no mesmo período. Depois há uma lacuna e, posteriormente, ocorre a chegada de mais indivíduos, seguindo esse mesmo fluxo. Geralmente recebemos animais da espécie Sapajus libidinosus.

Os desafios para a reabilitação são inúmeros, desde a chegada do animal até a soltura. Primeiro, temos a questão da avaliação da saúde. Muitos chegam desnutridos, com endo e ectoparasitas. Alguns com desvios de comportamento e com graus diferentes de humanização, pois recebemos macacos que eram manejados de todas as formas possíveis e impossíveis, desde o macaco que dormia com a pessoa que estava com a posse ilegal até o que ficava acorrentado no fundo do quintal.

Outro fator importante a mencionar é a ampla faixa etária dos indivíduos. Recebemos macacos filhotes, juvenis e adultos, além de que alguns também apresentam uma variabilidade de tempo em cativeiro. Portanto, são vários ajustes que devemos realizar durante o processo de reabilitação, não podendo ser utilizado um protótipo fechado de reabilitação para todos os grupos, até mesmo pela alta cognição que esses animais apresentam e pelas experiências vivenciadas em cativeiro anteriormente à chegada ao IPS. De modo geral, tenho observado que as nuances dos desafios na reabilitação de macacos-prego variam de acordo com os indivíduos a serem manejados.

Tatiane Rech – Quais são os principais critérios para determinar se um macaco-prego está apto para soltura? Quais exames e avaliações são realizados antes da soltura? Como os indivíduos são agrupados para a soltura?

Bruno Pessoa Lima – Um dos principais critérios que norteiam essas solturas experimentais é a formação de um bando social. Sem essa formação, não realizamos a soltura. Porém, precisamos compreender e obter investimentos em aparatos tecnológicos de monitoramento para termos dados concretos da dispersão desses indivíduos no hábitat. Os animais, quando chegam, ficam em quarentena, são avaliados, recebem fármacos endo e ectoparasiticidas e são realizados exames hematológicos, bioquímicos e PCR para flavivírus e herpesvírus. Caso dê positivo para flavivírus, é pesquisado qual vírus pode estar sendo albergado no animal. Atualmente, o diagnóstico é feito para febre amarela, febre do oropouche e febre do mayaro. Há a necessidade de avançar na realização de mais testes moleculares para esses animais; no entanto, eles são bastante onerosos e é preciso obter financiamentos que possam custeá-los.

Como mencionado anteriormente, os macacos-prego somente são soltos após a formação dos bandos sociais. Antes de juntar os animais no grupo, eles são apresentados entre as grades durante certo período, até que se verifique a possibilidade de colocá-los juntos ao bando. Há indivíduos que instantaneamente já demonstram comportamento de aceitação ao grupo e vice-versa. Nos grupos em que realizamos as solturas experimentais, foram duas: a primeira com três indivíduos e a segunda com cinco. Em ambas, houve a presença de um macho adulto, uma fêmea adulta e o restante formado por juvenis. Na última soltura, houve um filhote nascido durante o processo de reabilitação, com aproximadamente oito meses de vida. Inclusive, foi observado que a interação entre os componentes do grupo aumentou após o nascimento do filhote, diminuindo o comportamento de estresse nos animais, uma vez que o filhote demandava energia dos integrantes do grupo.

Quanto ao critério de sobrevivência para terem mais chances de sucesso na reintrodução, destacamos alguns aspectos importantes. Um deles é o fortalecimento da musculatura, já que a maioria vem de maus-tratos, principalmente no quesito de ambientação, pois a maioria é mantida em gaiolas que limitam as movimentações ou são acorrentadas. Dessa forma, na reabilitação, precisam de enriquecimento ambiental para execução de movimentos que possibilitem esse fortalecimento. Outro aspecto importante a ser destacado na reabilitação é a apresentação de itens alimentares que eles encontrarão no hábitat ao serem soltos, tais como plantas nativas da região. Portanto, é necessário um espaço de tempo para essa transição alimentar, desde o reconhecimento daquele item como alimento até a forma de ingestão, como no caso dos frutos do pau-branco (Auxemma oncocalyx), preponderantes no bioma da Caatinga.

Tatiane Rech – Como é o processo de preparo dos macacos-prego para a soltura? Nos recintos de aclimatação, como são configurados e quanto tempo os animais passam neles?

Vitória Nunes – O enriquecimento ambiental e alimentar é de vital importância no processo de reabilitação e preparo desses indivíduos para a soltura, bem como para a formação de um grupo social estável. Para a formação deste grupo para a soltura, buscamos, junto aos tratadores e observadores, averiguar, através de observações e acompanhamento diário, a existência de um grau de interação positivo entre os indivíduos. Digo “positivo” para deixar claro que nem toda falta de conflito é um bom sinal: às vezes, os macacos apenas não estão tendo estímulo ou vontade de se socializar ou não estão interagindo o suficiente. Ou seja, buscamos a estabilidade de um grupo social não na inexistência de conflitos — o que é normal em qualquer convivência —, mas na capacidade de reconciliação. É preciso observar indivíduos não só fazendo catação ou cópulas, mas se sentindo confortáveis em realizar atividades comuns em proximidade, como durante a alimentação. Além disso, eu não poderia deixar de citar que é primordial que os indivíduos interajam mais entre si do que com tratadores ou observadores; enfim, com humanos.

É importante também citar que, concomitante à formação de um grupo social estável, esses são os fatores que poderão aumentar as chances de sucesso na reintrodução. Ou seja, toda soltura de macaco-prego, feita pelo IPS ou não, é experimental e depende de diversos fatores. Por exemplo, em uma de nossas solturas, um dos recintos de aclimatação do IPS possuía dimensões de três metros de largura, dois metros de altura e quatro metros de profundidade. Já em outra soltura, conseguimos patrocínio para a construção de um recinto com cinco metros de largura, três metros de altura e oito metros de profundidade. Em ambos os casos, o tamanho do grupo ocupante desses recintos era de no máximo cinco, ou seja, entre quatro a cinco macacos. É claro que, numa primeira impressão, o recinto maior parece sempre a melhor escolha, mas para afirmar isso com certeza seria preciso selecionar quais critérios serão prioritariamente avaliados, como a qualidade da interação social e o uso de espaço dos indivíduos que ocupavam aquele ambiente.

Por exemplo, um recinto mais alto é capaz de privilegiar o exercício da escalada e braquiação (forma de locomoção arborícola em que os primatas vão de galho em galho), fortalecendo a musculatura dos animais. Por outro lado, um recinto mais largo reproduz a amplitude de espaço que há “do lado de fora” e pode facilitar a simulação de comportamentos sociais que são naturais a populações e grupos de macacos-prego selvagens, como o de fissão-fusão, onde indivíduos se aglomeram e se separam várias vezes ao longo do dia para forragear.

Já na direção contrária, recintos de menores dimensões podem forçar e reforçar interações sociais no grupo a ser solto, potencializando a coesão social e reduzindo a probabilidade da dispersão e aparecimento posterior de indivíduos em ambientes antropogênicos ou construções domiciliares, como geralmente ocorre em solturas de macacos-prego, e isso é um problema

Além da dependência de recursos financeiros/patrocínio e escolha de critérios de avaliação para a construção de recintos de diferentes dimensões, gostaríamos de citar também outros fatores que são imprescindíveis, como a estrutura física do local onde o recinto será construído (por exemplo, características do terreno e particularidades do bioma). Idealmente, o ambiente interno do recinto de aclimatação (ou seja, o enriquecimento ambiental) deve buscar reproduzir o ambiente externo. Em resumo, não há literatura científica ou informações concretas sobre o que seria “o recinto ideal” para solturas de macacos-prego, mas acredito que estamos no caminho para descobrir.

Lembrando, claro, que o IPS atualmente trabalha apenas com espécies que ocorrem no Nordeste e vivem nos biomas da Caatinga e Mata Atlântica. Eu acredito que, frente à diversidade de características bióticas e abióticas de cada bioma deste nosso país, que é enorme, pode haver um “recinto ideal” diferente para cada estado do Brasil e cada iniciativa ambiental. Por exemplo, no clima seco da Caatinga, a depender da época do ano, é difícil encontrar uma fonte de água perene e abundante — e nessa situação, é indispensável pensar em uma logística de fornecimento de água para os indivíduos que não interfira na aclimatação. Em outros biomas, porém, talvez seja mais simples suprir essa demanda através da construção de um recinto que tenha acesso a uma fonte de água natural.

Além disso, o ideal é que a oferta da alimentação de “supermercado” (frutos que eles não vão encontrar facilmente naquele hábitat uma vez que forem soltos, como banana, manga, melancia, etc.) seja gradualmente substituída pela oferta de frutos locais. Porém, na Caatinga, como os frutos são drasticamente menos suculentos e calóricos, é preciso pensar em uma forma de compensar ou reforçar a alimentação deles durante esse processo para que a transição não seja muito brusca. Uma forma de fazer isso é através do oferecimento de sementes oleaginosas, como o amendoim, e até mesmo ração. Ademais, esse tipo de alimento tem outra grande vantagem: a sua longa duração em estoque, podendo ser utilizado também como uma forma de reforço nutricional pós-soltura.

Sobre o tempo de permanência no recinto de aclimatação, similar à questão das dimensões, não existem informações concretas sobre o que seria o intervalo ideal. Porém, a partir de nossas experiências acompanhando diariamente os macacos através de observações comportamentais, percebemos que o pico de estresse que eles sofrem durante a locomoção dos recintos de quarentena (ex-situ, por exemplo, no Centro de Triagem de Animais Silvestres do Ibama) para o recinto de aclimatação (in-situ, por exemplo, no local de soltura) leva semanas para passar. Numa primeira instância, ao chegar ao recinto de aclimatação, talvez pelo choque ou surpresa muito recente, tudo parece estar lindo e os macacos não demonstram comportamentos estereotipados (indicativos de estresse, por exemplo, auto-mutilação, movimento pendular). Muitas vezes, inclusive, até os macacos que têm personalidade mais nervosa e apresentam “estereotipias de estimação” quando estão na quarentena parecem milagrosamente “se curar” de uma hora para outra ao serem mudados de recinto. Porém, a verdade é que, com o passar dos primeiros dias, esses comportamentos não só voltam, como aparentam aumentar em intensidade e frequência, particularmente nos adultos.

Em uma de nossas solturas, foi apenas após uma estadia de cerca de 15 dias no recinto de aclimatação que esses comportamentos começaram a abrandar, inclusive — e principalmente — nos indivíduos “com estereotipias de estimação”. É aí que percebemos, ao mesmo tempo, a importância da soltura branda com observações comportamentais pré/pós-soltura e a violência que é, para esses indivíduos, a soltura abrupta com apenas a abertura das gaiolas de transporte, que combina o pico de estresse da translocação com a habituação ao ambiente natural.

Tatiane Rech – Quantos grupos ou indivíduos já foram soltos? Como funciona o monitoramento pós-soltura? Quais são os maiores desafios enfrentados durante as solturas e o monitoramento?

Vitória Nunes – De 2022 para cá, o IPS fez duas solturas de macacos-prego. O nosso monitoramento envolve observações comportamentais durante a estadia dos animais no recinto de aclimatação e uso de armadilhas fotográficas (câmeras trap), mas, sobretudo, o monitoramento pós-soltura do IPS conta com o apoio da população local e é feito, em grande parte, através da ciência cidadã. Como eu disse na pergunta anterior, é importante aceitar que, se tratando de macacos-prego, toda soltura é experimental. Estamos todos, e aqui incluo todo e qualquer grupo e iniciativa que tem a coragem e a disposição de realizar esses procedimentos difíceis, com o objetivo de dar uma nova chance de vida a esses animais e acumular conhecimento, num processo de tentativa e erro. Considerando o meu trabalho anterior a este com IPS, eu já acompanhei, do começo “ao fim” e ao todo, seis solturas de macacos-prego. Todas elas foram completamente diferentes, mas uma coisa se repetiu e eu coloquei “ao fim” de propósito: pude perceber que uma soltura responsável de primatas dificilmente pode ser dada por terminada. Ela deve ser constantemente e para sempre monitorada por um único motivo: em todas as solturas de macacos-prego que eu acompanhei sempre houve um ou dois indivíduos que “voltaram”, isto é, se dispersaram dos outros do grupo solto e apareceram em rodovias, casas, cidades, tendo que ser recapturados.

Gostaria de aproveitar este espaço para acalmar o coração de todos que trabalham ou querem trabalhar com ou apenas se interessam por solturas de macacos-prego e dizer não podemos esperar que uma soltura de primatas seja fácil ou sequer parecida com uma soltura de passeriformes, por exemplo. E por conhecer bem a espécie eu digo: se tratando de macacos-prego, aliás, eu tenho grandes ressalvas sobre equiparar a soltura deles com a de outras espécies de macacos, como os bugios – que são mais lentos, na maior parte do tempo não fazem uso do chão (permanecem nas árvores) e tem hábito alimentar mais restrito. Pessoalmente (e profissionalmente), eu não acredito que ter um ou outro indivíduo “voltando”, ou seja, seguindo pessoas e aparecendo em cidades e ambientes domiciliares/antropogênicos, seja um sinal de que a soltura não deu certo ou de que a reabilitação não foi capaz de remover o imprinting do indivíduo que era “domesticado” por ter um histórico longo de criação ilegal como pet. E eu digo isso pensando nos vários parques estaduais e bosques urbanos do Brasil e até mesmo grandes metrópoles como o Rio de Janeiro, onde essa espécie interage e continua a interagir conosco e nossas construções (e nossos lixos). E nenhum desses macacos que roubam salgadinho na rua jamais foram pets. O que eu quero dizer com isso é que a soltura de macacos-prego exige conhecimento da espécie: inspirados neles próprios que fazem uso de pedras para quebrar sementes duras e finalmente alcançar o alimento, precisamos ter paciência e persistência. E é aqui que entra a questão de “fim” e do monitoramento participativo com os locais.

Pouquíssimas iniciativas, órgãos ambientais ou grupos de pesquisa conseguem ter ou obter recursos financeiros para o monitoramento de longo-prazo de uma espécie que não é ameaçada de extinção. A verdade é que conseguir pessoal e equipamento para acompanhar macacos-prego soltos é difícil por vários motivos: por exemplo, por terem alta cognição e hábito manipulativo-destrutivo, nem mesmo a estratégia de uso de rádio-colares é simples para os macacos-prego. É preciso ter colares ao mesmo tempo confortáveis, leves e super-resistentes, pois caso contrário ou os indivíduos ficam estressados com o aparato, o que atrapalha a reabilitação, ou os destroem facilmente, o que inviabiliza o monitoramento.

Outra questão é a de se procurar e seguir os indivíduos na natureza após a soltura compensa do ponto de vista do bem-estar dos macacos. Claro que há um conhecimento a ser adquirido a partir das observações comportamentais no pós-soltura: o grupo vai ficar junto? Eles estão encontrando alimento e forrageando bem? São perguntas que podem ser respondidas com a busca ativa. Por outro lado, é imprescindível lembrar: um animal de cativeiro, por mais longa que tenha sido sua estadia e por mais que tenha imprinting da vida passada como pet ou o quanto “conheça” a pessoa x ou y que o observou por meses, não está habituado a ser seguido. É tão simples quanto se colocar no lugar deles: imagine o que você sentiria se alguém, do nada, transportasse você de um lugar e de uma gaiola – que você já conhecia – para outro e lá abrisse as portas. A situação já é estranha por si só, mas imagine como seria se assim que você começasse a andar a pessoa imediatamente passasse a seguir e a correr atrás de você? Mesmo que a busca ativa se iniciasse semanas após a soltura, nada garante que isso não possa afetar a adaptação dos macacos recém soltos; aliás, é muito provável: já acompanhei um caso em que o macaco passou a seguir o observador de volta à cidade.

Nesse sentido, o IPS vem, aos poucos, aperfeiçoando soluções socioambientais de maior custo-benefício. Para isso, nos apoiamos em algo simples: na empatia. No monitoramento pós-soltura, nossa preparação se inicia antes mesmo da translocação dos indivíduos até o recinto de aclimatação e nessa parte inicial a gente não trabalha com os macacos, e sim com as pessoas. Nessa nossa operação, os macacos-prego, encarados como “espécie problema” por muitos, viram espécie “guarda-chuva”: deixam de ser “culpa” e viram “desculpa” para uma grande ação ambiental que irá espalhar muitas sementes ambientalistas, criar redes de contato entre/com os locais e beneficiar o macro a partir da atuação numa microrregião.

Tatiane Rech – Você pode detalhar como é feito esse trabalho?

Vitória Nunes – O trabalho envolve três etapas. Na primeira, fazemos o contato com os stakeholders do município mais próximo ao local que irá receber o recinto de aclimatação, como o Corpo de Bombeiros, Polícia Militar Ambiental e Secretaria de Meio Ambiente. Essa fase é vital para o desenvolvimento das próximas, pois não só apresentamos o nosso projeto e pincelamos um pouco sobre de onde vem e quem são os animais que irão ser soltos como avisamos àqueles que irão ser a linha de frente na resolução de problemas em caso de retorno de algum dos macacos.

Numa segunda fase, concomitante à translocação dos macacos e posicionamento das armadilhas fotográficas em torno do recinto, realizamos educação ambiental nas escolas, associações e domicílios do entorno da área próxima ao recinto de aclimatação. As palestras e distribuição de cartilhas discorrem sobre a importância da fauna silvestre em geral na natureza e visam a mitigação da caça/captura e uso irresponsável do fogo na agricultura, bem como uma breve capacitação sobre como reconhecer comportamentos básicos dos macacos-prego e o porquê deles não serem pets. A circunferência da área alcançada é de mais ou menos 10km em torno do ponto principal (local do recinto) e nos permite descobrir qual a percepção/relação das pessoas em relação a natureza e a fauna local (inclusive com populações selvagens da espécie em questão, se for o caso), distribuir placas educativas e números de telefone pra contato e informar a todos sobre como proceder caso algum dos macacos se aproxime.  Para mim está é uma das fases mais importantes por ser um sinal de grande responsabilidade.

E em uma terceira e “última” fase, concomitante ao processo de abertura do recinto, sempre em parceria com o órgão ambiental Ibama, providenciamos uma capacitação de resgate e manejo de animais silvestres para o Corpo de Bombeiros e também uma oficina de formação de brigadistas anti-incêndio florestal, dessa vez por parte do Corpo de Bombeiros, para a comunidade local.

E o meu uso de aspas em “última” se encontra com a questão que citei acima: solturas de primatas, principalmente de macacos-prego, não têm fim. Na verdade, elas começam mesmo é no momento da abertura do recinto. A partir dessa data, as câmeras trap são checadas semanalmente e o contato com a população local via WhatsApp é mantido constantemente. É aqui que a gente recebe informações de pessoas que viram ou apenas ouviram os macacos vocalizando e vai marcando os pontos no GPS e criando um mapa de distribuição e deslocamento com os relatos. Estamos percebendo que essa é uma estratégia efetiva, não invasiva, de baixo-custo e alto benefício.

Tatiane Rech – Nas áreas de soltura onde os macacos-prego são soltos, existe algum tipo de monitoramento contínuo da fauna local?

Vitória Nunes – Como eu citei anteriormente, no IPS a nossa soltura de macacos-prego trata a espécie como um “guarda-chuva”, visando uma operação socioambiental bem maior do que apenas a reintrodução ou fortalecimento populacional. Nesse sentido, outras espécies da fauna local também são contempladas de forma contínua não só através do monitoramento via armadilhas fotográficas como por nossas atividades de educação ambiental, incentivo a comportamentos ambientalistas, estabelecimento de uma melhor articulação entre órgãos locais ou pela formação da brigada anti-incêndio (o interior do Ceará sofre muito com queimadas e desertificação).

Em todas as nossas idas e vindas junto aos órgãos ambientais, acontecerem fiscalizações ambientais com resgate/apreensão de animais ilegais e combate direto ao tráfico e outros crimes, e também solturas de outras espécies, como pequenos mamíferos, répteis e passeriformes para fortalecimento populacional. Neste sentido, mitigamos os possíveis impactos ambientais, como maior taxa de predação, que a soltura destes primatas de médio-porte pode ter na fauna local de outra forma, que talvez, como se trata de áreas que já são impactadas por ameaças antropogênicas como queimadas, agricultura intensiva e caça, seja muito mais eficiente.

Tatiane Rech – Como os leitores podem contribuir para as ações de reabilitação e soltura do Instituto Pró-Silvestre?

Bruno Pessoa Lima – Numa esfera regional, toda vez que realizamos as solturas dos macacos-prego é feito um mega planejamento de educação ambiental com a sociedade que vive nas proximidades da área de soltura e sempre os colocamos como nossos “guardiões da natureza”. Essa ajuda e engajamento são extremamente fundamentais. Na esfera das políticas públicas, temos que ter a sensibilização das secretarias locais, como as de Educação e Meio Ambiente, assim como das prefeituras, para que eles possam realizar a continuidade do trabalho que executamos no período de expedição, ou seja, deixamos uma semente que necessita ser regada pela comunidade local e pelos órgãos públicos. Além disso, um fator importante para que possamos atender de forma mais completa e termos dados científicos robustos é a doação e/ou patrocínio de valores que possam dar subsídios para abranger mais exames veterinários diagnósticos no pré-soltura e potencializar o monitoramento com equipamentos mais tecnológicos dos quais possamos ter mais informações sobre a dispersão desses indivíduos na natureza no pós-soltura.

Vitória F. Nunes – De forma geral, o público pode contribuir para as ações de reabilitação e soltura do Instituto enaltecendo o trabalho do IPS e participando no aumento da visibilidade de nossas atividades relacionadas à fauna e ao meio ambiente. Como, por exemplo, nos seguindo nas redes sociais, compartilhando as nossas postagens e até mesmo contribuindo com valores via Pix.

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