Beleza na fotografia de aves: é hora de mudar seu conceito?

Em tempos em que a “beleza produzida” está tão em evidência, venho trazer uma reflexão sobre a beleza na fotografia de aves. Se a pessoa não se sente bonita, ela pode produzir sua beleza, com procedimentos estéticos, maquiagens, cirurgias e até “filtros embelezadores”, que padronizam como devem ser as pessoas. Pele sem rugas, muita cor, brilho e está tudo bem. Cada um faz o que quer com sua imagem, mesmo que pareça uma “propaganda enganosa”. Afinal de contas, o que importa é sentir-se bem e parte de um grupo regido por padrões de beleza.

O problema é extrapolar esses critérios de “beleza produzida” para a fotografia de aves na natureza. A beleza dessa atividade reside justamente em retratar as condições naturais para podemos colher as informações relevantes que estão no cenário e que nos permitem entender hábitos e comportamentos das espécies. É aí que reside todo o encantamento dos registros fotográficos de natureza.

Recentemente, circulou nas redes sociais a foto do ninho de um beija-flor-de-veste-preta que foi completamente alterado para produzir imagens simétricas, limpas e brilhantes (veja no alto da página). A situação ficou tão artificial que, infelizmente, foi incompatível com a sobrevivência de um dos filhotes. Esse fato gerou muita comoção e revolta por parte da maioria dos observadores de aves, que obviamente discordam de tamanha falta de respeito e empatia pela pequena família de beija-flores.

Mas afinal, qual deve ser a conduta dos observadores de aves nas áreas naturais e, principalmente, porque devem agir desta forma?

É proibido filmar ou fotografar ninhos?

Não. Os ninhos das aves frequentemente ficam extremamente escondidos e o registro e monitoramento deles podem trazer informações raras e até desconhecidas pela Ciência, como cor dos ovos, quantidade de filhotes, parasitismo, estrutura, materiais e número de ninhadas por ano. Por esse motivo, não se deve coibir a coleta de imagens de ninhos. No entanto, todo o processo de fotografia ou filmagem deve ser feito sem qualquer tipo de intervenção, mantendo uma distância do ninho que não interfira no comportamento das aves.

É fácil perceber quando as aves estão à vontade com a nossa presença porque elas agem normalmente com a alimentação dos filhotes e a proteção do ninho. Nesse ponto, cabe outra ressalva: nunca utilize cantos para atrair aves que estão nidificando. Essa técnica, chamada de playback, é muito utilizada na observação de aves e por vezes utilizada de forma totalmente equivocada, que causa malefícios para as aves.

Mas afinal, posso atrair as aves com seus cantos?

Sim. Quando a técnica do playback é utilizada da maneira correta, representa uma ferramenta indispensável para a identificação correta das espécies e enriquece muito as passarinhadas. No entanto, para não causar prejuízo às aves, a técnica deve ser aplicada da forma correta e pouco se comenta sobre como usá-la corretamente.

É muito simples: basta prestar atenção no modo como as aves se comunicam e procurar reproduzir a forma natural delas cantarem. Dessa forma, o som produzido artificialmente parecerá natural e não causará mal ou incômodo. Isso acontece porque na natureza é normal que outros indivíduos da mesma espécie cantem e é por esse motivo que, em tese, atrair pássaros artificialmente com seus cantos não causa malefícios.

O problema é que muitas pessoas usam a técnica de forma que difere muito da maneira como as aves cantam na natureza. As aves (de forma geral) não cantam em volume altíssimo, como é possível reproduzir nos aparelhos, e raramente repetem o mesmo canto de forma constante durante minutos. Usar o playback assim é incômodo e prejudicial, podendo tirar as aves de suas funções de alimentação, defesa de território e cuidados com os filhotes, principalmente na época de reprodução.

É documentado cientificamente que pássaros expostos ao playback em excesso perdem muito tempo respondendo a esses sons, gastando energia de forma inútil e ficando estressados. Isso pode resultar em ninhadas de menor tamanho e até abandono do ninho ou do território. Importante comentar que, dependendo da forma como é usado o playback, essa técnica pode afugentar a ave ao invés de atrai-la. Portanto, use com propriedade, respeito e responsabilidade.

Pratique a observação de aves essencial

A observação de aves em sua essência prevê a leitura das situações, o retrato de cenas que eternizam momentos verdadeiros, que retratam o ambiente natural das espécies, seus comportamentos e suas estratégias de camuflagem. Essa é a beleza da natureza, que vem carregada de informações reais, capazes de gerarem compreensão de situações e sensações que nos fazem sentir conectados com ela e com os animais.

Tudo que foge disso é produção, pasteurização, industrialização e embalagem para atender às demandas de artificialidade de quem precisa da embalagem bonita, já que o “recheio” é pobre.

Depois desses esclarecimentos acerca da beleza no contexto da observação e fotografia de aves em sua essência, que objetiva entender e retratar a verdade das cenas, será que você está praticando de forma ética e responsável? Para responder a essa pergunta não é necessário ler intermináveis diretrizes de um código de ética. Basta estar alinhado com o conceito de beleza natural.

Você que chegou até aqui na leitura comente no canal do Fauna News: o seu conceito de beleza de fotografia de aves aprecia retratar situações naturais ou a produção de imagens alinhadas com o conceito humano e artificial de beleza produzida? A resposta está diretamente relacionada a sua ética e responsabilidade na observação e fotografia de aves na natureza.

Agora eu faço outra pergunta: é hora de mudar seu conceito?

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