
Por Karlla Barbosa
Bióloga, observadora de aves, mestra em Conservação Ambiental e Sustentabilidade e doutora em Zoologia
observaçãodeaves@faunanews.com.br
Se eu pedir para você citar uma ave que é lembrada no Natal, muito provavelmente virá à mente uma das espécies mais consumidas nessa época: o peru. Porém minha proposta aqui é mais do que lembrar do peru de Natal e contar um pouco que essa época é também o momento de contribuir com o conhecimento e a conservação das espécies. E quem sabe escolher uma espécie brasileira para representar essa época.

Dentre todas as aves que são símbolos natalinos, o peru é a mais conhecida. Mas o motivo pelo qual o animal é lembrado não é tão agradável para ele. O peru foi servido pela primeira vez em 1621 como prato principal em uma ceia no Dia de Ação de Graças (comemorado cerca de um mês antes do Natal), nos Estados Unidos. Desde então, ele é consumido nessa data e todos os anos milhões de perus estão presentes nas mesas dos americanos. Inclusive, muitos são caçados, já que a caça dessas aves naquele país (onde ocorre na natureza) é autorizada em algumas épocas do ano respeitando uma regulamentação especial para cada Estado.
Além da motivação gastronômica, as aves também são lembradas no Natal quando observadores de aves fazem o Contagem de Aves no Natal ou Christmas Bird Count, como é conhecido na América do Norte. Essa contagem das aves é uma tradição que tem mais de 120 anos e ocorre em muitos países. Mas qual a história por trás dessa contagem?
Antes do século 20, muitas pessoas costumavam participar de uma tradição de férias conhecida como “caça lateral” (side hunt) do Natal. Vários caçadores tinham data marcada para se saírem mato adentro e começarem a caçada. Ganhava quem conseguisse a maior quantidade de animais mortos.
Já naquela época, observadores de aves e cientistas começaram a se preocupar com o declínio populacional de algumas espécies de aves. Então, em 1900, o ornitólogo Frank M. Chapman propôs uma nova tradição de férias: um censo de Natal das aves, em que as pessoas passariam a contar as aves ao invés de caçá-las. Foi no festejo daquele ano que tudo começou, com uma contagem feita por Chapman e mais 27 observadores de aves em locais como Toronto, Ontário e Califórnia.
Desde então, em todo mês de novembro, observadores de aves interessados em participar do evento podem se inscrever no site da Sociedade Audubon. O censo é realizado entre 14 de dezembro a 5 de janeiro e, atualmente, milhares de observadores de aves voluntários participam em diversas regiões das Américas. Um total de 56 censos de Natal foram realizadas nas Américas Central e do Sul durante a 115ª temporada – quatro no Brasil, 28 na Colômbia, oito na Costa Rica, seis no Equador. Em 2020, o Brasil não teve grande representatividade, apenas com alguns participantes no norte do país. Mas também estávamos num momento excepcional, então quem sabe aumentamos nossa participação!
Em 2013 foi a primeira vez que eu participei de uma contagem de Natal com a equipe do Instituto Patuxent, o órgão que regula, entre outras coisas, os registros de aves anilhadas e anilhadores dos Estados Unidos. Confesso que gostei muito, principalmente por ver tanta gente engajada nesse movimento. E também por saber que a Audubon e outras organizações usam os dados coletados dos censos para avaliar o status das populações de aves e orientar as ações de conservação.

Agora pense: se eu lhe pedisse para eleger uma ave que representasse, ao mesmo tempo, o Natal e a conservação das espécies, qual você escolheria?
Eu gosto de pensar no vermelho para o Natal. Então, poderia ser o guará, o príncipe ou uma arara-vermelha. Mas eu escolho o tiê-sangue (Ramphocelus bresilia), uma ave que, na minha opinião, já nasceu vestida para o Natal. Além disso, ela é especial, pois só ocorre na Mata Atlântica e por isso é também um símbolo do bioma. Essa ave chamativa pode ser observada até mesmo em áreas verdes próximas de centros urbanos, o que dá mais um motivo para minha escolha: ela representa a persistência das aves, mesmo nas regiões mais populosas do Brasil.
Então, qual a sua escolha?
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