Por Sibélia Zanon
Mongabay
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As mudanças climáticas já podem ser medidas no corpo de um passarinho. Na verdade, nos corpos de 77 espécies de aves, alvos do estudo publicado na revista Science na última sexta-feira, mesmo dia de conclusão da COP26, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas em Glasgow, na Escócia.
“Nossas descobertas mostram que a mudança climática causada pelo homem e, portanto, o estilo de vida individual das pessoas ao redor do mundo, se manifesta em algo tão fundamental como o tamanho do corpo e a forma dos pássaros na Amazônia intocada”, diz Vitek Jirinec, principal autor do estudo. “Esses resultados ressaltam a parte global na mudança climática”.
O biólogo, especialista em recursos naturais renováveis, explica que pássaros são eficientes indicadores de mudanças no meio ambiente: “Os mamíferos costumam ser noturnos e vivem abrigados, por exemplo em tocas. As aves estão expostas aos elementos. Adicionalmente, são relativamente fáceis de observar e medir.”
Pássaros apequenados
As quatro horas percorridas entre Manaus e o acampamento guardam quase sempre surpresas, como um tronco bloqueando a estrada rudimentar de terra. E lá descem os pesquisadores do veículo 4X4 para abrir o caminho.
A rotina de Bruna no Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF), um dos mais importantes projetos de longa duração com coleta e levantamento de dados na região amazônica, começa às 5 horas da manhã, quando ela e seus colegas levantam-se das redes e percorrem as trilhas previamente abertas até o interior da floresta primária.
Lá instalam outro tipo de rede, as redes de neblina: muito finas, com extensão de 12 metros cada, colocadas na posição vertical para a captura das aves. Os pesquisadores coletam o máximo de dados possível sobre cada pássaro: medem e pesam, avaliam idade, colocam uma anilha de identificação e devolvem o pássaro à liberdade.
“O projeto está anilhando há 40 anos e eu participei por quatro anos em diferentes estudos, avaliando vários aspectos relativos às aves”, conta Bruna Amaral, bióloga e mestranda em Ecologia pela Penn State University, na Pensilvânia, Estados Unidos. “Várias gerações de pesquisadores já trabalharam no projeto de pássaros e isso é muito difícil de se conseguir”, referindo-se à constância do PDBFF, iniciado em 1979 com participação do ambientalista Thomas Lovejoy.
Os dados coletados durante as quatro décadas do projeto foram base do estudo liderado por Vitek Jirinec, com participação de Bruna e outros pesquisadores. O alvo da análise foram 77 espécies de aves não migratórias que vivem no sub-bosque da floresta, ou seja, aves que se deslocam sobretudo nos dois metros mais próximos do chão.
A pesquisa concluiu que a massa média corporal de todas as espécies analisadas diminuiu desde 1980, sendo que 36 delas perderam quase 2% de seu peso corporal por década. Paralelamente, 61 das espécies apresentaram o encompridamento das asas.
“São 2% por década e parece tão pouco, mas na escala destes passarinhos é uma mudança muito grande e é uma mudança a longo prazo”, afirma Bruna. “Por mais que pareça pequena, ela é muito difícil de ser revertida.”
Para chegar a esses números, os pesquisadores se debruçaram sobre as massas corporais de quase 15 mil pássaros e o comprimento das asas de mais de 11 mil, todos capturados e depois soltos na mesma área de 43 quilômetros de floresta preservada.
O estudo estabeleceu ainda a relação entre a massa corporal e o comprimento das asas para compreender a condição geral das aves e sua aptidão para o voo. Asas mais longas em corpos mais leves significam menos energia gasta durante o voo. A conclusão foi de que as mudanças climáticas são as responsáveis pelas alterações genéticas impressas nos corpos das aves.
Clima pesado
Mesmo tratando-se de região de floresta primária, que não sofre pressões como o desmatamento, dados de 50 anos de análises climáticas reunidos no PDBFF mostraram que desde 1966 a temperatura aumentou em 1 grau centígrado na estação cheia, e em 1,6 graus centígrados na estação seca. Também o regime de chuvas sofreu alterações com as precipitações aumentando na cheia em 13%, e caindo na seca em 15%. Essas mudanças do clima incidem sobre a mesma área e o mesmo período em que as aves foram capturadas.
Aves tropicais são sensíveis a alterações do ambiente por não estarem acostumadas a mudanças de temperatura muito intensas, diferentemente das aves do Hemisfério Norte, habituadas ao inverno rigoroso. Para aliviar o calor tropical, elas usam a água como reguladora da temperatura corporal – os banhos nos igarapés nos finais de tarde não são só lazer, mas questão de saúde.
A mudança no regime das chuvas, com menor previsibilidade de precipitações, e a disponibilidade de alimentos impactada pelas mudanças climáticas contribuem para o estresse dos animais. Para carregar o peso das mudanças climáticas é preciso ser leve – parece ser essa a estratégia dos pássaros.
“Essa falta de conseguir predizer o quanto de recursos terão faz com que os pássaros tentem se salvar economizando o máximo”, explica Bruna. “Quando você não tem acesso ao recurso de uma forma previsível, a estratégia que você tem é minimizar a energia que gasta: comer menos, ficar menor, produzir menos calor.”
As mudanças climáticas impõem aos pássaros da América do Sul os maiores riscos de extinção. Eles precisam se adaptar rápido ou podem acabar vendo seu bando decrescer. Artigo publicado em outubro de 2020 já atribuía às mudanças climáticas a diminuição da população de diversas espécies de aves.
“O grande pulo do gato é ver como você transforma esse tipo de dado ou resultado em conservação, em política pública”, afirma Bruna. “A gente está acumulando muito conhecimento, mas não consegue fazer esse conhecimento ser aplicado em conservação na mesma proporção. Então, é um pouco frustrante”.
Analistas mostraram durante a COP 26 que os compromissos assumidos pelos países até o momento são insuficientes para manter o aquecimento global em 1,5 graus centígrados até 2100.