Por Letícia Koproski
Veterinária com especialização em Clínica Médica e Cirúrgica de Animais Selvagens. É mestra e doutora em Engenharia Florestal com ênfase em Conservação da Natureza, além de pesquisadora do Instituto Brasileiro para a Medicina da Conservação – Tríade. Integra a REET Brasil
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Toneladas de produtos químicos perigosos são transportados diariamente por todos os modais (rodoviário, aéreo, ferroviário e aquaviário). Incidentes envolvendo o extravasamento desses compostos representam riscos para as saúdes humana, animal e ambiental e para a segurança pública.
Atualmente, a maioria dos incidentes é registrada no modal rodoviário. No entanto, devido ao elevado fluxo e capacidade de armazenamento de grandes embarcações, além de atividades de carregamento e de descarregamento associadas, o modal aquaviário e as áreas sob influência da atividade portuária apresentam elevado potencial de serem cenários de derramamentos de produtos químicos que podem atingir a fauna.
Incidentes com derramamento de petróleo a partir de embarcações são recorrentes. Casos emblemáticos envolvendo os impactos sobre a fauna já foram registrados. Como no histórico encalhe do navio Exxon Valdez, em 1989, que segundo as estimativas afetou diretamente mais de 260 mil aves e quase 3 mil lontras marinhas no Alasca; e na colisão do navio San Jorge na costa do Uruguai, em 1997, quando cerca de 4.500 lobos-marinhos foram diretamente atingidos por petróleo cru na região da ilha dos Lobos.
Adicionalmente ao reconhecimento do potencial de derramamentos a partir de grandes embarcações, vale salientar que a frequência da navegação e a fragilidade física e tecnológica de embarcações de pequeno e de médio portes dedicadas ao transporte de cargas, à pesca e ao turismo dentro do país também podem ser fontes de desastres com produtos perigosos em vias navegáveis marítimas, fluviais e lacustres.
Visto o universo de existência de milhões de produtos químicos, no qual 50 mil são utilizados em escala industrial e quatro mil são identificados como perigosos, derramamentos com essas substâncias devem ser alvo de ações de resposta (atendimento) e de monitoramento da fauna.
Nesse contexto, contribuindo para a segurança nos processos de manipulação, acondicionamento e transporte de produtos químicos, a Organização das Nações Unidas classifica esses materiais em nove classes, de acordo com os riscos predominantes que oferecem.
Com relação ao petróleo e seus derivados, a Administração Nacional Atmosférica e Oceânica dos EUA (NOAA), referência em incidentes com petróleo, segue a classificação dos compostos em cinco grupos, indo de compostos leves não persistentes, como a gasolina, até óleos pesados que afundam rapidamente. Essa categorização auxilia na identificação da toxicidade e persistência do óleo no ambiente. Ela também contribui com a determinação das espécies que podem ser mais afetadas e com o prognóstico dos efeitos sobre a fauna.
Em derramamentos, todas as espécies animais (de invertebrados a mamíferos) presentes nas áreas atingidas e adjacentes podem ser afetadas pelo evento, dependendo das características do produto, ambientais e da fauna. É importante salientar que o impacto sobre os animais não é simplesmente proporcional à quantidade de produto liberado. Quantidades menores de combustível refinado extravasados, próximos a áreas de elevada concentração de espécimes, podem ocasionar maior mortalidade do que quantidades maiores de combustível bruto derramados a quilômetros de áreas com baixa relevância para a fauna. Assim, a “resposta à fauna” deve ser acionada o mais rapidamente possível após a confirmação do incidente.
Da mesma forma que existe grande diversidade de espécies e de cenários que podem estar envolvidos nesses incidentes, a resposta à fauna também apresenta uma variedade de táticas e estratégias que podem ser desenvolvidas. Ela pode ser classificada em primária, secundária e terciária, sendo delineada de acordo com o impacto dos compostos e as atividades desenvolvidas para mitigação dos seus efeitos.
Na resposta primária, o objetivo é manter o contaminante afastado da fauna. Concomitantemente às atividades de controle do vazamento e de recolhimento do produto, são executadas atividades de monitoramento da fauna ocorrente na região afetada pelo incidente, além do recolhimento de carcaças de animais contaminados.
Na resposta secundária, o objetivo é manter a fauna afastada do contaminante. São realizadas atividades de afugentamento de fauna em risco iminente de contaminação. Em situações especiais, podem ser realizadas capturas preventivas de indivíduos ainda não atingidos, com a devida anuência dos órgãos ambientais competentes.
Na resposta terciária, o objetivo é realizar o atendimento dos animais contaminados diretamente afetados pelo incidente. Os indivíduos são submetidos ao processo de descontaminação e reabilitação, de acordo com as condições individuais de recuperação. Quanto mais rapidamente o animal impactado for capturado e submetido ao tratamento e à descontaminação, maiores as possibilidades de sobrevivência dos indivíduos.
No modal aquaviário, a resposta à fauna nos derramamentos de petróleo e derivados tiveram avanços consistentes que possibilitaram o estabelecimento de guias e protocolos para o atendimento da fauna nos últimos 30 anos. No Brasil, o Manual de Boas Práticas – Manejo de Fauna Atingida por Óleo, do Ibama (2018), representa um marco sobre o gerenciamento das atividades em nível nacional.
Recentemente, a Portaria nº 455, de 5 de outubro de 2021, que instituiu o Programa Nacional de Resgate de Fauna Silvestre: Resgate+, do Ministério do Meio Ambiente, fortaleceu o desenvolvimento de ações de resposta à fauna, pois fomenta ações de afugentamento, resgate e atendimento de emergência aos animais silvestres em situação de risco em todos os biomas brasileiros.
Os cenários de dispersão dos contaminantes no modal aquaviário influenciados por características do próprio produto, como densidade, viscosidade, volatilidade, e condições ambientais hidrológicas e meteorológicas aumentam os desafios para a resposta à fauna nesse ambiente. Assim, as ações devem ser operacionalmente estratégicas, logisticamente planejadas e cientificamente fundamentadas para responder aos desafios no atendimento dos animais, visando a sua sobrevivência, saúde, bem-estar e conservação, além da manutenção da saúde única.
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