O Fauna News encerrou suas atividades. Confira as publicações de nosso acervo.

Até qualquer dia, a gente se vê por aí

O último artigo, para encerrar sem querer encerrar...

Elidiomar Ribeiro da Silva

Licenciado em Ciências Biológicas, mestre e doutor em Zoologia pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor do Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), sendo responsável pelo Laboratório de Entomologia Urbana e Cultural.
Entomólogo, tem carreira centrada no estudo da taxonomia das ordens Ephemeroptera, Hemiptera e Lepidoptera, sendo que recentemente vem se dedicando ao estudo da presença simbólica de animais nas manifestações culturais, a chamada zoologia cultural. Com mais de cem artigos científicos publicados, cerca de 200 trabalhos apresentados em congressos científicos, nove livros editados e sete capítulos de livros, orientou dez dissertações de mestrado e três teses de doutorado. É idealizador e editor do periódico A Bruxa, uma revista de biologia cultural, e do fanzine sobre ciência Homem-Leoa. É também o criador e organizador do Colóquio de Zoologia Cultural e da Mostra de Biologia Cultural.

21 de maio de 2025

FAUNA NEWS Até qualquer dia, a gente se vê por aí

Encerrar algo, por mais necessário ou inevitável que seja, costuma trazer uma carga de ambiguidade emocional. Encerrar um vínculo afetivo, por exemplo, exige coragem para confrontar a ausência que se instalará depois. Afinal, o costume cria raízes e, quando essas são cortadas, é como se nos fosse arrancado um pedaço do cotidiano e, eventualmente, da própria identidade.

Isso não se aplica somente às relações humanas. Terminar um texto, um artigo ou até uma conversa pode gerar insegurança. Muitos autores arrastam seus escritos por dias, não por falta de palavras, mas por não saber como colocá-las em ponto final. A conclusão é o lugar onde o pensamento precisa repousar e, para tal, muitas vezes deve-se aceitar a imperfeição como suficiente. Afinal, ninguém é perfeito.

Dentro dessa visão, há também os encerramentos silenciosos, como o fim de uma fase da vida, de um ciclo de estudos, de uma rotina. São despedidas que acontecem sem cerimônia, mas nem por isso são menos sentidas. O difícil de terminar algo não é apenas o término em si, mas a própria caminhada para ele, ainda mais quando se sabe a data do fim. Nesta altura do campeonato, todos já sabem que o Fauna News, de incríveis serviços prestados à defesa da biodiversidade brasileira, vai encerrar suas atividades. E quem ainda está por aqui já percebeu que não só estou com dificuldade em saber o que escrever, mas, principalmente, em como finalizar.

De minha parte, existe o receio natural de não ter dito tudo, de que algo importante tenha ficado de fora, esquecido, postergado. O bom e velho “deixa pra depois” ou, crianças conhecem bem essa, “na volta a gente compra”. Estou percebendo na carne e na ponta dos dedos que finais têm um peso simbólico por serem meio que portais entre o que foi e o que não será mais. Mais adiante retornarei a isso.

Fundado pelo incansável jornalista Dimas Marques, o portal Fauna News foi, é e sempre será uma das mais importantes plataformas jornalísticas brasileiras dedicadas à divulgação de informações e reflexões sobre a fauna silvestre e suas relações com a sociedade. O portal se destacou ao preencher uma lacuna na cobertura ambiental, oferecendo conteúdo especializado, crítico e acessível sobre tráfico de animais, atropelamentos de fauna, conservação, legislação e políticas públicas.

O Fauna News também foi reconhecido por sua atuação independente e educativa, sendo frequentemente utilizado como fonte por pesquisadores, jornalistas, ativistas e órgãos públicos. Entre suas principais conquistas, destaca-se a criação e divulgação de materiais que deram visibilidade nacional ao problema dos atropelamentos de animais silvestres nas estradas brasileiras — uma das principais causas de morte dos nossos bichos. O impacto do Fauna News vai além da informação: ele contribui para a formação de uma consciência crítica sobre as ameaças enfrentadas pela fauna brasileira, influenciando debates, projetos de lei e ações de proteção. Sua longevidade e relevância demonstram o papel essencial da comunicação ambiental especializada na defesa da biodiversidade.

Esse papel era completamente desconhecido para mim, ao menos até o dia 18 de abril de 2020, em pleno período ainda inicial do evento pandêmico mais drástico dos últimos cem anos. Data em que, alta madrugada, recebi um e-mail do editor-chefe do Fauna News, que, após um “textão” (como ele próprio definiu), continha o seguinte convite: “… Contei tudo isso (peço desculpas pelo textão), para convidá-lo a participar da coluna sobre invertebrados. A ideia é levar para o público leigo informações sobre insetos, aracnídeos e outros invertebrados terrestres (os aquáticos ficam na coluna que teremos sobre fauna de água doce e marinha). A importância desses animais para o equilíbrio dos ecossistemas é pouco divulgada, ficando a população com a sensação de que eles são pragas. Ultimamente, a questão envolvendo as abelhas tem chamado a atenção, mas, creio, que só.”

Embora em meados de abril as madrugadas paulistanas eventualmente baixem bem a temperatura, o Dimas não deve ter sentido frio, pois ele estava coberto de razão: a visão que as pessoas têm acerca dos insetos está longe de ser boa. Não obstante, embora ciente da importância da causa, confesso que relutei em aceitar a empreitada por receio de não dar conta. Afinal, além de representar uma coisa nova para mim, tempo não é exatamente um item que sobra na minha rotina corrida. Usei a filosofia do “Tá com medo? Vai com medo mesmo” e… estou aqui. Decisão super acertada, pois o que eu aprendo com os craques do time Fauna News não está no gibi. E continuarei aprendendo, pois vou seguir essa galera boa nas redes sociais sem a menor dúvida.

Conforme consta no trecho do e-mail do Dimas reproduzido acima, a coluna Invertebrados é dedicada à divulgação científica e à valorização da biodiversidade de artrópodes, mais especificamente aracnídeos e insetos, grupos frequentemente negligenciados nas discussões ambientais. Com uma abordagem acessível e informativa, tentamos ao longo desse tempo explorar temas como taxonomia, ecologia, cultura popular e conservação desses animais. Às renomadas aracnólogas Cláudia Xavier e Kimberly Marta coube a tarefa de escrever sobre aranhas, escorpiões e aparentados, ao passo que os insetos ficaram sob minha batuta. De minha parte lá se vão 61 textos, um a cada mês desde maio de 2020, em que o aprendizado maior coube a mim. Creio ter valorizado a biodiversidade entomológica brasileira, dentro de uma igualmente diversa variedade de temas, e, assim sendo, me sinto à vontade para convidar à leitura desses textos.

Mas, como disse lá no início, estou tentando aqui me equilibrar entre a impressão de ter feito um trabalho correto, pela supra mencionada diversidade de temas abordados, e o medo de ter esquecido algo. Na verdade, nem digo que esqueci e sim que faltou tempo para desenvolver alguns assuntos. Embora não seja um escritor organizado e nem de muito planejamento prévio, eu já tinha alguns temas futuros em mente. Vou aqui revelar alguns deles, fica como homenagem a insetos e pessoas que admiro.

Sobre insetos, recentemente aqui no Fauna News [1] foi divulgada uma reportagem acerca de um besouro (ordem Coleoptera) cujo macho só foi descoberto mais de 20 anos após a descrição da espécie. Isso me lembrou um caso não tão notório, mas igualmente interessante. Em 1955 [2] foram descritas ninfas de uma espécie não nomeada do gênero Caenis (ordem Ephemeroptera, família Caenidae). Em 1969 a espécie foi formalmente descrita e batizada como Caenis cuniana, a partir de fêmeas adultas e ninfas, tendo sido detectada a ocorrência de reprodução partenogenética [3], ou seja, sem a presença de machos. Esses últimos permaneceram desconhecidos até que eu encontrei e descrevi, em 1993, um único exemplar [4], procedente de um brejo temporário entre dunas em ambiente de restinga no município fluminense de Maricá. Ou seja, 24 anos após a descrição formal da espécie e 38 anos após a descrição da ninfa.

Um outro texto que estava nos meus planos para escrever aqui também diz respeito à uma espécie de Ephemeroptera, Callibaetis guttatus, da família Baetidae, de ocorrência no mesmo local de Caenis cuniana [5]. Ambas coabitam o brejo-canal de Itaipuaçu, o mesmo mencionado no parágrafo acima, onde são submetidas a condições extremas, posto que o alagado pode secar totalmente em determinadas épocas do ano, o que constitui um desafio adaptativo para espécies com fases aquáticas. Além disso, a localidade, a Área de Proteção Ambiental de Maricá (ou simplesmente Restinga de Maricá), é extremamente seca, especialmente durante o dia. Acontece que os efemerópteros são particularmente sensíveis com relação à perda de água por evaporação e o peculiar estágio intermediário entre as ninfas aquáticas e os adultos sexualmente desenvolvidos, chamado subimago, é uma possível resposta a tal problema. Especificamente com relação à Callibaetis guttatus, na Restinga de Maricá os subimagos alados saem da água já à noite, mais tarde que a maioria das outras espécies de Callibaetis, e a última troca de exoesqueleto, a que resulta na formação dos adultos maduros sexualmente, acontece ainda de madrugada, antes do calor do sol. Com isso, a fase de subimago, que é particularmente sensível à dessecação, fica restrita à noite, com temperaturas mais amenas.

Além desses temas, pretendia futuramente falar sobre as ordens Strepsiptera, diminutos insetos com fêmeas vermiformes, ectoparasitas em outros artrópodes, e machos alados, e Embioptera, insetos que produzem teia a partir de glândulas localizadas nas pernas anteriores, o que os faz mais parecidos com o personagem Homem-Aranha do que os próprios aracnídeos. Por falar em super-herói, ficou faltando-me aqui falar de alguns laboratórios e grupos de pesquisa que prestam relevantes trabalhos à entomologia brasileira. Dentre outros, os próximos que seriam abordados são o Laboratório de Collembola, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro; o Museu de Entomologia da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro; o Laboratório de Estudo de Dípteros da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e o Museu de Entomologia da Universidade Federal de Viçosa (MG).

E aqui estou eu com dificuldades de terminar… Até porque eu não queria terminar. Bom, para quem quiser me achar, como meu nome é incomum, é só buscar nas redes sociais que eu logo apareço. Além disso, como sou editor-adjunto da revista A Bruxa [6], volta e meia tem texto meu por lá. O mais recente é um livro sobre seres folclóricos com inspiração em animais [7]. Ah, tem insetos, mas não muitos.

Quero, por fim, deixar meu mais sincero agradecimento a todos os citados nesses meus textos, especialmente os que me deram entrevista, cederam fotografias ou esclareceram dúvidas. Este espaço, onde quer que esteja, será sempre de vocês. Representando todo esse povo, agradeço nominalmente à minha mulher, Luci Boa Nova Coelho, que me instruiu em assuntos relacionados ao folclore e, principalmente, às cigarrinhas (família Cicadellidae) e aos percevejos-de-renda (família Tingidae), ambos da ordem Hemiptera.

Agradeço penhoradamente à toda equipe do Fauna News, verdadeiros heróis da resistência ambiental. Especialmente Williany B. Souza e Isabella Baroni, que devem ter sofrido para dar acabamento, respectivamente, a meus áudios e textos. E, é claro, Dimas. O cara. O capitão do time. Nosso camisa dez. Tipo um Professor Charles Xavier da defesa da biodiversidade, e que conseguiu reunir um grupo diferente, mutante, diversificado e plural, mas unido em prol da mesma causa. Cada um desses heróis mutantes vai partir agora para algumas aventuras solo, mas com a certeza de que nos encontraremos muitas vezes pelas trincheiras do bom combate. Pois essa é uma guerra que não podemos perder. Não vamos perder.

Até qualquer dia. A gente se vê por aí.

Referências

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Sobre o autor / Elidiomar Ribeiro da Silva

Licenciado em Ciências Biológicas, mestre e doutor em Zoologia pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor do Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), sendo responsável pelo Laboratório de Entomologia Urbana e Cultural. Entomólogo, tem carreira centrada no estudo da taxonomia das ordens Ephemeroptera, Hemiptera […]