
Por Cláudia Xavier
Bióloga, mestra em Zoologia (subárea Evolução) pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e pelo Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG). Trabalha no Laboratório de Aracnologia do Museu Emílio Goeldi e atua no Grupo de Estudos de Artrópodes da Amazônia – GEAA (Instagram e Facebook)
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Você provavelmente já viu algum exemplar desse gênero de aranhas no jardim da sua casa ou até mesmo em uma visita a um sítio no interior. Esses belíssimos artrópodes, donos de abdomens (a parte posterior do corpo) coloridos e cheios de espinhos, não passam despercebidos e chamam atenção onde quer que estejam. Para o público leigo, as cores chamativas e os espinhos podem indicar algum perigo, de se tratar de um animal peçonhento, mas não há com o que se preocupar: as aranhas-espinhentas do gênero Micrathena não são animais de importância médica.
Seu nome advém do adjetivo grego mikrí que significa “pequeno” e do nome da deusa Atena, deusa da sabedoria, da guerra, da justiça e das artes (adequado para esses aracnídeos que são verdadeiras obras de arte da natureza). Atena também era considerada protetora das cidades, dos arquitetos, dos ourives e dos tecelões. Fazendo jus ao nome, essas aranhas tecem suas teias orbiculares em matas e bosques, entre um metro e dois metros de altura acima do solo. É fácil avistá-las durante o dia, onde ficam bem no centro de suas teias esperando a aparição oportuna de uma presa para capturarem.
As aranhas desse gênero foram extensamente estudadas pelo aracnólogo alemão Herbert Walter Levi (1921-2014), curador da coleção de aracnologia na Universidade de Harvard. Das 112 espécies conhecidas atualmente para o gênero Micrathena, encontradas desde os Estados Unidos até a Argentina, 32 foram descritas por Levi, responsável por estudos muito importantes acerca da biodiversidade da família Araneidae – a terceira mais rica em espécies de aranhas e à qual o gênero pertence. Essas aranhas-espinhentas também são bastante utilizadas como modelos em estudos de ecologia, comportamento e história natural.
Nesse grupo é fácil diferenciar machos e fêmeas, visto que apresentam um notável dimorfismo sexual, isto é, quando o macho e a fêmea de uma espécie são diferentes externamente. As fêmeas costumam ser bem maiores, podendo ter até 2,5 vezes o tamanho dos machos. São elas as detentoras da beleza do gênero com seus abdomens coloridos – variando principalmente entre o branco, o amarelo e tons de vermelho, alternando com tons escuros – e os espinhos que causam tanto fascínio entre os observadores da natureza. Por outro lado, os machos de Micrathena têm o tamanho bem reduzido, geral mente com o abdômen mais liso, isto é, sem os chamativos espinhos e com cores mais discretas. Eles são raros de se encontrar, visto que não costumam fazer teias como as fêmeas.
Você, querido(a) leitor(a), poderia até pensar: “ah, então os machos são sem-graça”. Porém, mudaria de ideia ao ver as complexas estruturas em seus pedipalpos (segundo par de apêndices móveis e articulados na porção anterior do animal) modificados para a cópula. Aliás, essas estruturas que ajudam a diferenciar as espécies são de fundamental importância. De qualquer forma, devemos concordar que as fêmeas são bem mais fotogênicas.
Devido à dificuldade em encontrar machos, muitas espécies são conhecidas apenas pelas fêmeas e, a menos que sejam coletados juntos, costuma ser difícil associar machos e fêmeas da mesma espécie devido à grande diferença na aparência corporal, sendo necessário recorrer ao uso de sequências de DNA para fazer a associação correta.
Dentre o grupo, a diversidade de tamanhos e números de espinhos no abdômen de cada espécie varia bastante, podendo ser pequenos e numerosos, como em Micrathena ruschii (Mello-Leitão, 1945), encontrada na Mata Atlântica, ou extremamente compridos como em Micrathena cyanospina (Lucas. 1835), que habita a Amazônia brasileira e colombiana, ou ainda com quase nenhum espinho, como em Micrathena furcula (O. Pickard-Cambridge, 1890), encontrada desde a Guatemala até o Brasil. Há espinhos para todos os gostos. E para que todos esses espinhos, às vezes, enormes? Essa é uma pergunta que vem sendo feita há bastante tempo, porém ainda não se tem uma resposta conclusiva. A principal hipótese é que os espinhos são uma defesa contra predadores, como aves e vespas-caçadoras especializadas em aranhas.

Em 2017, a espécie Micrathena sagitatta (Walckenaer, 1841) ficou famosa entre os amantes da franquia japonesa Pokémon após o explorador da National Geographic Jonathan Kolby fotografar um exemplar dessa espécie em Honduras e comparar o abdômen amarelo com dois espinhos grandes também amarelos e com pontas pretas com o carismático personagem Pikachu em seu Twitter. Parafraseando aquela famosa música do grupo gaúcho Engenheiros do Hawaii, eu diria: Micrathena é pop.
No aplicativo de ciência cidadã iNaturalist, podemos encontrar mais de 10 mil observações de 96 espécies de Micrathena ao longo das Américas. Já que chegou ao final deste artigo, convido você a olhar esse belo álbum dessas aranhas-espinhentas que ilustra parte da fantástica diversidade desse gênero. Nesse período de quarentena, que tal dar uma olhada no seu jardim ou no seu quintal em busca de um desses fantásticos animais?
É possível que uma Micrathena esteja por perto. E se estiver, que tal registrar sua observação no iNaturalist e assim contribuir cada vez mais para uma Ciência acessível.
Referências
– World Spider Catalog (2021). World Spider Catalog. Version 21.5. Natural History Museum Bern, online at https://wsc.nmbe.ch, accessed on {03.jan.2021}. doi: 10.24436/2
– https://twitter.com/6eyes8legs/status/1292157615653490689
– Magalhaes, Ivan & H. Martins, Pedro & Nogueira, André & Santos, Adalberto. (2017). Finding hot singles: matching males to females in dimorphic spiders (Araneidae : Micrathena) using phylogenetic placement and DNA barcoding. Invertebrate Systematics. 31. 8-36. 10.1071/IS15062.
– Magalhaes, Ivan & Santos, Adalberto. (2012). Phylogenetic analysis of Micrathena and Chaetacis spiders (Araneae: Araneidae) reveals multiple origins of extreme sexual size dimorphism and long abdominal spines. Zoological Journal of the Linnean Society. 166. 10.1111/j.1096-3642.2012.00831.x.
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