Por Rogério Bertani
Biólogo, mestre e doutor em Zoologia pela Universidade de São Paulo (USP). Especializado em aracnídeos, é pesquisador do Instituto Butantan
invertebrados@faunanews.com.br
Algumas espécies de aranhas conseguem viver em áreas urbanizadas e são comuns mesmo em pequenas áreas verdes das cidades. Uma das mais comuns é a aranha-prateada, do gênero Argiope, que tem 86 espécies distribuídas por todos os continentes, exceto a Antártica. A mais comum no Brasil é a Argiope argentata, que tem distribuição dos Estados Unidos à Argentina.
O nome da espécie vem da característica coloração prateada da região anterior do corpo (carapaça) e da parte anterior do abdome. A região posterior do abdome é amarela ou dourada e tem uma série de tubérculos (elevações). As pernas são marrom-amareladas com anéis escuros e brancos alternados. As fêmeas medem cerca de dois centímetros de corpo. Os machos são menores e às vezes podem ser encontrados na mesma teia da fêmea no período reprodutivo.
Essas aranhas são muito comuns em jardins, onde constroem teias orbiculares, geralmente fixadas em arbustos ou até mesmo em plantas ornamentais, como roseiras. Permanecem quase todo o tempo no centro da teia, com as pernas juntas aos pares, formando um “X” característico. Costumam tecer uma estrutura em zigue-zague próximo ao centro da teia, chamada de estabilimento, cuja função tem sido alvo de debates entre aracnólogos. Entre as prováveis funções, alguns sugerem que se trata de um reforço na teia. Outros dizem que seria camuflagem, já que muitas vezes o formato da aranha se confunde com a área ao redor da teia e com o estabilimento.
Algumas vezes esses estabilimentos estão dispostos como prolongamentos das pernas da aranha, fazendo-a parecer maior do que é e talvez fornecendo alguma proteção contra predadores. Como o estabilimento pode refletir luz ultravioleta, que é visível a insetos, uma outra função pode ser atrair essas presas para a teia, facilitando o trabalho de predação. Alguns pesquisadores sugerem ainda que se trate de proteção contra a luz ultravioleta do sol, já que essas aranhas permanecem durante o dia expostas à luz solar.
Uma outra possibilidade pode ser alertar animais maiores, como as aves, da presença da teia, fazendo com que elas desviem da teia e assim protegê-la do choque com o animal maior e a sua destruição. Ao ler sobre essa possível função do estabilimento e sabendo que milhões de aves morrem todos os anos ao se chocarem contra vidros de prédios, uma pessoa teve uma idei
a. Ela se associou a uma indústria para revestir vidros com um material que reflete a luz ultravioleta e fizeram testes que demonstraram que os pássaros desviam dos vidros que refletem essa luz.
Esse é um exemplo de como a pesquisa básica pode produzir informações que tenham aplicações na indústria. Nesse caso, pesquisas que tentaram entender o motivo pelo qual algumas aranhas colocam em suas teias uma determinada estrutura levaram a criação de um produto que pode ter grande valor comercial e ainda salvar a vida de milhões de aves.
As aranhas-prateadas também são modelos para se entender o comportamento animal e tentar responder a perguntas sobre instinto (o comportamento herdado, inato, padronizado), aprendizado (adquirido por experiência, raciocínio) e memória. Para isso, o saudoso professor Cesar Ades, do Departamento de Psicologia Experimental da Universidade de São Paulo, criava as Argiopes em caixas feitas de madeira e com dois vidros, anterior e posterior, para permitir a visualização das aranhas. Em alguns experimentos, deitava a caixa, obrigando a aranha, que constrói sua teia de forma vertical, a construí-la horizontalmente. Após um período de tentativas e erros, elas conseguiam construí-las. Em outros experimentos, colocava uma mosca na parte inferior da teia. Quando a aranha saia para capturar a presa, ele girava a caixa e verificava se a aranha conseguia voltar ao centro da teia e de que forma fazia isso.
Ao modificar o ambiente em que a aranha estava, em diversos experimentos, e observando o comportamento resultante, o professor Ades demonstrou que, além do comportamento inato de construir teias, elas podem aprender diante de situações novas. Ou seja, mesmo aranhas, invertebrados com sistema nervoso muito pequeno e simples, possuem comportamento muito complexo e há indicações de que podem aprender frente a situações novas.
As aranhas-prateadas são comuns em jardins. São predadoras de insetos voadores, colaborando com o equilíbrio ecológico e o controle de pragas e vetores de doenças. Constroem teias grandes, geométricas. São inofensivas, bonitas e fáceis de observar. Podem ser facilmente utilizadas em projetos de educação ambiental.
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