Por Cláudia Xavier
Bióloga, mestra em Zoologia pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e pelo Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e doutoranda em Zoologia (UFPA/MPEG). Trabalha no Laboratório de Aracnologia do Museu Emílio Goeldi
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Criar animais pode ser classificado como algo cultural da nossa espécie, seja para realizar algum trabalho para o ser humano ou para servir de companhia. Comumente, você pode encontrar cachorros, gatos, roedores e até aves como pets. Esse é um termo que vem da língua inglesa usado como sinônimo para “animal preferido”. Em português, usamos “animal de estimação”, que vem de estima, gostar, apreciar tal animal.
Apreciar. É bem verdade que o ser humano costuma ficar fascinado pelo exótico, pelo diferente. O homem é curioso, observador, porém, muitas vezes seu ego como espécie “superior” não o faz perceber que problemas estão sendo gerados e, com o passar do tempo, agravados devido a esse comportamento. Um desses graves problemas é o tráfico de animais silvestres.
O Brasil possui uma biodiversidade gigantesca. Seu tamanho continental é constituído de diversos biomas e abriga grande parte da maior floresta tropical úmida do nosso planeta: a Amazônica. Com uma legislação ambiental problemática e sem o devido incentivo governamental para que os órgãos competentes possam fazer seu trabalho de regulamentação e fiscalização de forma eficiente, o Brasil, infelizmente, configura-se como um grande fornecedor de animais silvestres para a biopirataria.
Não precisamos nos esforçar muito para encontrar, praticamente toda semana, notícias sobre animais silvestres apreendidos que foram coletados ilegalmente e que seriam vendidos dentro do país ou até exportados, dependendo do caso. São dezenas, centenas e até milhares. Aves de várias cores e tamanhos, sapos, lagartos, serpentes, macacos, felinos e… Artrópodes.
Apesar de causarem uma sensação de repulsa em muitas pessoas e não serem, de maneira geral, muito bem-vistos – afinal, não são considerados pelo público em geral como parte do que chamamos carinhosamente de “fofofauna” –, insetos e aracnídeos são cobiçados por mais pessoas do que você talvez imagine. São animais silenciosos, coloridos, diferentes. Lembra do fascínio pelo exótico do início do artigo?
Em se tratando de aracnídeos, aranhas-caranguejeiras (pertencentes à família Theraphosidae) são, possivelmente, as mais cobiçadas devido ao seu tamanho e pelo seu colorido (leia mais sobre o tráfico de aranhas-caranguejeiras no artigo “Aranhas-caranguejeiras: para uns, causam repulsa; para outros, são desejadas e traficadas“, publicado em 4 de novembro de 2020). No entanto, escorpiões e amblipígios também despertam bastante interesse das pessoas que têm por hobby criar esses animais como pets. Com o avanço da internet e ascensão das redes sociais, o comércio – ilegal – desses animais foi alavancado de forma que é até difícil mensurar.
Muitos começam no hobby vendo algo on-line, como canais no YouTube e grupos em redes sociais como o Facebook. Grande parte do conteúdo encontrado é de países do hemisfério Norte, onde é possível encontrar exemplares da fauna neotropical sendo vendidos até em pet shops. A pergunta é: como chegaram lá? A resposta parece um tanto óbvia.
O tráfico de aracnídeos (uma parte do gigante esquema de tráfico de animais silvestres) gera milhões de dólares todo ano. Isso porque compradores de diversas regiões do planeta se dispõem a pagar quantias bem altas por um único exemplar considerado raro ou que tenha um atributo diferente dos demais. Nesse cenário, não importa se a legislação do país de origem daquela espécie proíbe a captura, a exportação ou a manutenção de algum desses artrópodes em cativeiro. Também não importa se a espécie está ameaçada de extinção ou foi retirada de uma área de conservação. E importa menos ainda as condições em que esses animais serão alocados e enviados mundo afora. Assim como “hobbystas” estão dispostos a pagar muito em dinheiro por um exemplar, a criação ilegal de aracnídeos pode ser tão banalizada a ponto de se realizar um sorteio de uma caranguejeira no Instagram, como pude testemunhar neste ano de 2021. Tentei denunciar sem sucesso, pois as plataformas (ao que parece) não estão muito interessadas em banir esse tipo de postagem.
Uma questão importante a ser abordada é que o transporte da sua região de origem para outra pode se tornar perigoso. No caso da fuga de alguns animais contrabandeados, eles ou parasitas que eventualmente possam carregar podem se tornar um grande problema. Também é preciso estar atento às espécies peçonhentas, como alguns escorpiões e aranhas.
Estão listadas 36 espécies (alocadas em seis gêneros) de aranhas-caranguejeiras em perigo de extinção, segundo a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (Cites), assinada pelo Brasil em 1975. Porém, segundo uma pesquisa interessantíssima e bem recente conduzida pela Dra. Caroline Fukushima e pelo Dr. Pedro Cardoso (ambos do Museu Finlandês de História Natural, Universidade de Helsinque) esse número, na verdade, chega a 300 espécies de tarântulas (alocadas em 80 gêneros). Uma disparidade enorme que mostra o quão pouco sabemos sobre esse grande mercado.
Pode ser fácil considerar o tráfico de artrópodes como algo sem muita relevância. Afinal, por serem tão abundantes, que diferença faria comercializar alguns? Qual seria o real estrago? A resposta é a que os biólogos costumam dar para quase qualquer pergunta direcionada a eles: depende. É preciso levar em conta o tempo de vida dos animais, a frequência de reprodução, sua distribuição geográfica, entre outros. De fato, é preciso desenvolver novas ferramentas para fiscalizar esse tipo de comércio.
Quanto à conservação, devemos reunir todos que forem possíveis e não só os pesquisadores. Atualmente, as pessoas estão a poucos cliques de cometer um crime. É necessário entender como as conexões do tráfico funcionam, pois se trata de um problema multidimensional: não é só um problema para a biodiversidade, mas é também um problema econômico, social, de saúde pública e cultural. Portanto, é preciso ver a questão de todas as perspectivas para que seja possível encontrar novas e eficazes formas de solução.
Referências
– https://faunanews.com.br/2020/06/01/caranguejeiras-sao-apreendidas-em-aeroporto-de-campinas-sp-trafico-de-aranhas-esta-cada-vez-mais-comum/
– https://faunanews.com.br/2021/01/21/biologo-russo-e-flagrado-em-aeroporto-de-sp-embarcando-com-animais-brasileiros-ele-ja-foi-solto/
– Symposium on Wildlife Trade – Caroline Fukushima https://www.youtube.com/watch?v=9XlHoz0R2AQ
– https://www.nationalgeographicbrasil.com/animais/2019/10/contrabando-insetos-aranha-escorpiao-besouro-trafico-ilegal-animais-exoticos
– https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2021/03/03/carga-clandestina-com-dezenas-de-aracnideos-e-flagrada-em-belem-pronta-para-ser-embarcada-de-aviao.ghtml
– https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2019/07/25/pf-resgata-em-bh-mais-de-80-aranhas-de-diversas-partes-do-mundo-enviadas-pelos-correios.ghtml
– https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/noticias/2021/marco/receita-federal-apreende-34-especies-de-aracnideos-na-sede-dos-correios-em-belem-pa
– https://www.ibama.gov.br/cites-e-comercio-exterior/cites
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