
Por Adriana Prestes
Bióloga, responsável técnica por áreas de soltura e monitoramento de fauna silvestre na Serra da Mantiqueira e Vale do Paraíba (SP) e secretária executiva do Grupo de Estudo de Fauna Silvestre do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Serra da Mantiqueira
segundachance@faunanews.com.br
Cada vez é mais comum animais silvestres serem encaminhados para soltura tendo passado um longo período em companhia de seres humanos. É bem verdade que hoje em dia é muito difícil um espécime passar sem nunca encontrar seres humanos, mas a questão é se animais que se acostumaram às rotinas artificiais de alimentação e manejo, dependentes de humanos, poderão aprender a buscar alimento e se proteger sem auxílio.
O primeiro ponto a considerar é a espécie e os aspectos básicos de sua biologia. Como o grupo mais comum destinado à soltura é o das aves, qual família? Generalista ou especialista? Tem papo ou não? Conhecer a fundo espécie destinada ao retorno à vida livre é fundamental. O mais interessante é que mesmo espécies comuns guardam segredos que demandam atenção e observação, assim, é bom sempre olhar para a espécie como se fosse a primeira vez.
Obviamente, o animal tem que estar em ótima condição física e sanitária, mas ele também tem que ter a chance de fazer a transição entre a “antiga” vida e a “nova”. Isso significa que o indivíduo deve ter acesso a ambiente enriquecido e com vários tipos de desafios para que pouco a pouco possa aprender novas habilidades. Nesse sentido, viveiros grandes, com espaço para treino de voo, e a interação com outras espécies são fatores decisivos para que o animal tenha sucesso em sua nova vida.
Esses viveiros “adaptativos” devem, idealmente, estar em ambiente tranquilo, com pouca circulação de pessoas e apresentarem uma situação mista de proteção e exposição ao vento e à chuva. Nessa condição, a dieta natural com oferta de alimentos crus de várias qualidades é fator decisivo. Outro ponto crítico é a comida que o animal vai encontrar fora do viveiro e, nesse sentido, a estratégia mais comum é a oferta de alimentos do tipo que era consumido em cativeiro ser ofertado através de comedores instalados nas áreas externas do viveiro.
Mas muito mais pode ser feito pelas espécies que se pretende soltar.
Uma estratégia pouco utilizada é a recomposição florestal utilizando espécies de plantas forrageiras de crescimento rápido. Esse tipo de vegetação oferece alimento diretamente por sementes, flores e frutos, mas também atrai insetos e enriquece a teia alimentar disponível ao animal. Essas plantas também oferecem abrigo, assim, uma estratégia é criar um ambiente de transição ecológica entre o viveiro e o ambiente onde o animal será solto. Viveiros em áreas de soltura devem promover a volta a um modo de vida “selvagem”, por isso capim alto e vegetação abundantes são ideais para áreas internas e externas de viveiros em áreas de soltura.
Outra estratégia é a instalação de aberturas e que permanecem abertas nas partes mais altas dos viveiros de soltura. Dessa forma, o animal que tem boa condição de voo encontra mais facilmente a saída e se evitam os “eventos” de soltura, pois somente os animais aptos saem do viveiro e os que não estão aptos não são empurrados para fora em hora errada para eles.
Por fim, a estratégia mais importante é o uso correto do tempo, a favor do animal e não do cronograma, do plano ou da autorização. Cada espécie tem suas particularidades e cada animal é único. Assim como as pessoas, alguns aprendem rápido e outros não, mas garantindo as condições físicas de saúde, alimentação e estímulo, mesmo aqueles mais lentos ou os mais acostumados à presença humana acabam aprendendo e adotando a nova vida decorrente da soltura.
Paciência e dedicação são fundamentais para o reabilitador que trabalha com soltura. A visão que deve prevalecer é sempre tentar a soltura, desde que seja dada uma real oportunidade ao animal de buscar um novo equilíbrio em vida livre.
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