Por Vera Maria Ferreira da Silva
Bióloga, mestre em Biologia de Água Doce e Pesca Interior e doutora em Mammalian Ecology and Reproduction pela Universidade de Cambridge (Inglaterra). É pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e coordena o Projeto Boto na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e o Projeto Mamíferos Aquáticos da Amazônia, da Associação dos Amigos do Peixe-boi (Ampa)
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Tenho escrito regularmente artigos para a coluna Aquáticos do Fauna News sobre os mamíferos aquáticos, sobre a Amazônia e suas grandes ameaças. Escrevi sobre os problemas gerados pelas modificações sofridas pela floresta, tais como a construção de hidrelétricas que afetam os mamíferos aquáticos e alteram os hábitats; a mineração ilegal do ouro na região assoreando e poluindo os rios e corpos d’água, além dos perigos do mercúrio nessas atividades e seus efeitos nocivos para todas as comunidades aquáticas na Amazônia, que incluem a fauna, a flora e a nós, humanos.
Desde 2019, acompanhamos o desmonte paulatino e a erosão das instituições responsáveis pela fiscalização e pelo controle das atividades humanas sobre o meio ambiente, na Amazônia e nos demais biomas no Brasil. Isso associado à autorização conivente e irresponsável do governo federal em ações ilegais que não só afetaram a floresta e sua fauna como um todo, mas também os povos originários, como mostrado na recente visita do presidente Lula à Roraima, e a todos aqueles que dependem do pescado e de outros produtos extraídos da natureza na Amazônia.
Desmatamento na Amazônia
Dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente (Imazon) publicados em 18 de janeiro de 2023 revelaram que somente em 2022 foram desmatados 10.573 km2 de floresta, equivalentes a três mil campos de futebol por dia. No apagar das luzes de 2022, dezembro foi o mês com o maior índice de desmatamento na região, com 287 km2 de floresta desmatada, 150% a mais do que o mesmo mês em 2021. Só no estado do Amazonas foram desmatados 2.574 km2, dos quais 746 km2 em unidades de conservação estaduais e 468 km2 em áreas federais, confirmando a falta de ações por parte dos governos para impedir esses resultados. A perda de biodiversidade, de riquezas naturais e de vidas humanas que esses números não mostram é imensa e, em grande parte, irrecuperáveis.
Vimos recentemente na mídia as consequências nefastas desse processo para as populações originais, como a dos Yanomami, no estado de Roraima. Grande parte é resultado das atividades ilegais de garimpo de ouro com a poluição do mercúrio ou azougue, afetando diretamente os peixes e seus consumidores, o desmatamento e a pesca, base da alimentação na região. Todas essas são ações predatórias ilegais e reguladas por leis que não foram respeitadas e cobradas, e cujas consequências negativas vão muito além do revelado pela mídia.
Como mencionei nos artigos de maio e de junho de 2022, na Amazônia, grande parte do mercúrio liberado no ambiente ao longo das últimas décadas foi devido à atividade de garimpo ilegal com seu uso em grande escala. No entanto, essa não é a única fonte antrópica desse metal no ambiente. Sabemos que o barramento dos rios, o desmatamento e as queimadas também são fontes importantes de mercúrio. A mobilização desse metal em barragens já foi registrada em diversas regiões do mundo, confirmando que o barramento de rios favorece tanto os processos de biotransformação do mercúrio como os de acúmulo e biomagnificação da cadeia alimentar. Ao ser transformado em compostos orgânicos, o mercúrio entra na cadeia trófica desde as plantas até os peixes e daqueles que utilizam o peixe como alimento.
O presidente Lula, em seus discursos, desde antes das eleições, vem repetindo que no seu governo pretende alcançar o desmatamento zero e eliminar das áreas indígenas e da região toda a atividade de garimpo ilegal do ouro. Se conseguirmos reduzir significativamente esses dois problemas gigantescos, já teremos obtido significativo resultado, cujos efeitos irão certamente refletir em todos os níveis na qualidade de vida na região Amazônica.
Soluções para problemas da Amazônia
Mas, para uma solução eficiente, a origem desses problemas também precisa ser revista e trabalhada. É preciso estabelecer programas de educação/conscientização ambiental de longo alcance junto a sociedade em geral e rever nossas prioridades e paradigmas quanto às questões ambientais. É inadmissível, depois de tudo que vimos acontecer no Brasil nos últimos quatro anos e com o volume de informações existentes sobre mudanças climáticas e a importância da Amazônia para manutenção do clima, ainda encontrar pessoas que não acreditam, não respeitam e não valorizam a floresta em pé por pura ignorância ou ganância.
Precisamos manter o bioma Amazônia com sua floresta para ajudar na redução da velocidade nas alterações climáticas e na manutenção da saúde do planeta, garantindo o fornecimento de água limpa, a conservação da fauna e uma vida saudável para as pessoas em geral.
Conservando a Amazônia, sua fauna e seus habitantes, o maior benefício será revertido para as populações humanas que usufruirão um planeta saudável, com ar e água limpos, rico em biodiversidade e com serviços ambientais de qualidade.
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