![Cránio de animal queimado. Só restaram os ossos](https://faunanews.com.br/wp-content/uploads/2020/10/WhatsApp-Image-2020-10-13-at-23.30.50-2.jpeg)
Biólogo, mestre em Ecologia e agente de fiscalização ambiental do Ibama.
nalinhadefrente@faunanews.com.br
O Pantanal pegou fogo, mas não apenas ele. Também a Amazônia, o Cerrado e a Mata Atlântica estão em chamas. Entretanto o Pantanal, que possui alta densidade da biodiversidade brasileira, expôs nacionalmente o sofrimento e a morte dos animais.
Enquanto na Amazônia, no Cerrado e na Mata Atlântica, os animais morrem escondidos na mata, no Pantanal estavam ali, expostos em cadeia nacional – imprensa e redes sociais. À seca intensa se seguiram as chamas que atraíram a atenção do país para o bioma. Não pela primeira vez, se considerou a necessidade de socorro a animais queimados. Mas, pela primeira vez, a repercussão atraiu uma sinergia de voluntários e várias instituições para o socorro desses animais.
A onça-pintada com as patas queimadas se tornou uma imagem emblemática. Esse magnífico animal de força e agilidade ímpares, capaz de correr, escalar e nadar, não conseguiu fugir às chamas. Não apenas uma, mas várias onças foram vítimas. Anamaci foi o nome dado a uma das onças resgatadas e ela teve queimaduras tão graves que atingiram seus tendões. Sua situação incitou empatia ao sofrimento e chamou a atenção para outros animais também queimados. Alguns apenas as patas, vários com queimaduras por todo o corpo e inúmeros que não apresentavam apenas queimaduras, foram inteiramente queimados e morreram nas chamas.
Embora quente e intensa, as chamas de um incêndio florestal não matam imediatamente, ao menos não os animais maiores. Sim, é necessário que se saiba, que se fale e se repita, eles morreram queimados, mas não morreram imediatamente. Morreram lentamente sofrendo nas chamas.
![Jacaré morto em chão de terra esturricada](https://faunanews.com.br/wp-content/uploads/2020/10/WhatsApp-Image-2020-10-13-at-23.30.50-1024x576.jpeg)
Os animais que escaparam da seca intensa foram surpreendidos pela queimada no Pantanal. Os que escaparam do incêndio lutam para sobreviver à fome cinzenta, já que a vegetação e muitas das presas das quais se alimentavam foram destruídas pelo fogo. O ambiente cinza e desolado não oferece comida ou água para os sobreviventes.
Aqueles que ainda assim sobreviveram enfrentam agora o risco de atropelamento na Transpantaneira, onde carros circulam a mais de 100 km/h, embora a velocidade seja limitada à metade disso. Os animais têm transitado mais em decorrência da perda de seus habitat, da perda de marcação territorial ou pela busca de alimento e água. Essas situações, aliadas à irresponsabilidade de motoristas, os têm expostos mais aos atropelamentos. Sobreviveram à seca, ao incêndio e são mortos pela idiotice humana.
![Anta caída morta em mato](https://faunanews.com.br/wp-content/uploads/2020/10/WhatsApp-Image-2020-10-13-at-23.30.50-1-1024x576.jpeg)
O auxílio aos animais pode ser classificado em interferência direta e indireta. A interferência direta se traduz na captura, tratamento e, eventualmente, remoção do indivíduo. Como diretriz, determina-se a não interferência com o monitoramento de um espécime de interesse, verificando se sua condição física está progredindo ou deteriorando. Apenas em caso de deterioração deve-se considerar a possibilidade de intervenção direta por captura. Capturando-o, deve-se priorizar o tratamento no local, sendo a remoção e manutenção em cativeiro para o tratamento a última opção. Ou seja, prioriza-se a intervenção mínima. Após tratado, estando em condições, o animal deverá ser solto no mesmo local onde foi resgatado. Eventualmente, sob análise técnica, a translocação de espécimes pode ser considerada quando constatado que o ambiente no qual se encontra não lhe propiciará sobrevivência. Para qualquer intervenção é necessária a autorização do órgão ambiental.
A interferência indireta implica em suporte aos espécimes sobreviventes, propiciando aporte de água e alimentos. Mesmo essa ação, que não implica no manuseio dos animais, deve ser tecnicamente orientada. Quais alimentos podem ser ofertados, quantidade necessária ou possível por ponto de suporte, decisão de preencher o corixo (lagoa) ou colocar cocho com água… Todas essas questões devem ser analisadas e orientadas tecnicamente.
Não apenas os animais silvestres estão sofrendo. Também os domésticos foram atingidos pela seca e pelo fogo. Ambos, aliás, frutos minimamente da negligência humana. Todo o ano tem um período de seca no Pantanal e em diversas outras partes do Brasil, mas o que se observa na região é que a maioria dos pecuaristas prefere se arriscar a perder parte do rebanho do que a se preparar armazenando ração e feno para o período de seca. Assim, o gado sofre e, magro, atola em busca de água. Muitas vezes, morre.
![Bezerro com patas quemadas sendoa tendido](https://faunanews.com.br/wp-content/uploads/2020/10/WhatsApp-Image-2020-10-13-at-23.30.49-1024x576.jpeg)
Mas as perdas não parecem suficientes para que os pecuaristas se previnam para a próxima seca. Aparentemente o gado não sofre e morre o suficiente para ocasionar prejuízo financeiro. E, afinal, dinheiro vale mais do que vidas.
Então, a maior planície alagada do Brasil secou, depois pegou fogo e, a essas duas tragédias, segue-se a fome cinzenta. Os animais silvestres sofrem e morrem. Os animais domésticos sofrem e morrem. Mas os humanos vão bem, obrigado.
No Pantanal, nenhuma vida humana foi perdida pela seca ou pelo incêndio. A crise climática, o desmatamento na Amazônia, a seca extrema e as queimadas em si são oriundos ou resultantes da ação humana. Negá-los fica cada vez mais difícil. A onça com as patas queimadas é a imagem da natureza agonizante do Brasil. Soberana, mas sendo destruída. Ainda é tempo de acordar, pelo Pantanal, pela Amazônia, pelos animais e, porque não, pelas próprias pessoas – algumas perceberam que os animais do Pantanal são sua grande riqueza. A pousada, por mais aconchegante que seja, sem os animais, é apenas uma estrutura de concreto sem maior interesse para os turistas.
O texto reflete posição pessoal e não, necessariamente, institucional.
https://youtu.be/c9vM-tiEpE4
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