
Biólogo, mestre em Ecologia e agente de fiscalização ambiental do Ibama.
nalinhadefrente@faunanews.com.br
O Pantanal pegou fogo, mas não apenas ele. Também a Amazônia, o Cerrado e a Mata Atlântica estão em chamas. Entretanto o Pantanal, que possui alta densidade da biodiversidade brasileira, expôs nacionalmente o sofrimento e a morte dos animais.
Enquanto na Amazônia, no Cerrado e na Mata Atlântica, os animais morrem escondidos na mata, no Pantanal estavam ali, expostos em cadeia nacional – imprensa e redes sociais. À seca intensa se seguiram as chamas que atraíram a atenção do país para o bioma. Não pela primeira vez, se considerou a necessidade de socorro a animais queimados. Mas, pela primeira vez, a repercussão atraiu uma sinergia de voluntários e várias instituições para o socorro desses animais.
A onça-pintada com as patas queimadas se tornou uma imagem emblemática. Esse magnífico animal de força e agilidade ímpares, capaz de correr, escalar e nadar, não conseguiu fugir às chamas. Não apenas uma, mas várias onças foram vítimas. Anamaci foi o nome dado a uma das onças resgatadas e ela teve queimaduras tão graves que atingiram seus tendões. Sua situação incitou empatia ao sofrimento e chamou a atenção para outros animais também queimados. Alguns apenas as patas, vários com queimaduras por todo o corpo e inúmeros que não apresentavam apenas queimaduras, foram inteiramente queimados e morreram nas chamas.
Embora quente e intensa, as chamas de um incêndio florestal não matam imediatamente, ao menos não os animais maiores. Sim, é necessário que se saiba, que se fale e se repita, eles morreram queimados, mas não morreram imediatamente. Morreram lentamente sofrendo nas chamas.

Os animais que escaparam da seca intensa foram surpreendidos pela queimada no Pantanal. Os que escaparam do incêndio lutam para sobreviver à fome cinzenta, já que a vegetação e muitas das presas das quais se alimentavam foram destruídas pelo fogo. O ambiente cinza e desolado não oferece comida ou água para os sobreviventes.
Aqueles que ainda assim sobreviveram enfrentam agora o risco de atropelamento na Transpantaneira, onde carros circulam a mais de 100 km/h, embora a velocidade seja limitada à metade disso. Os animais têm transitado mais em decorrência da perda de seus habitat, da perda de marcação territorial ou pela busca de alimento e água. Essas situações, aliadas à irresponsabilidade de motoristas, os têm expostos mais aos atropelamentos. Sobreviveram à seca, ao incêndio e são mortos pela idiotice humana.

O auxílio aos animais pode ser classificado em interferência direta e indireta. A interferência direta se traduz na captura, tratamento e, eventualmente, remoção do indivíduo. Como diretriz, determina-se a não interferência com o monitoramento de um espécime de interesse, verificando se sua condição física está progredindo ou deteriorando. Apenas em caso de deterioração deve-se considerar a possibilidade de intervenção direta por captura. Capturando-o, deve-se priorizar o tratamento no local, sendo a remoção e manutenção em cativeiro para o tratamento a última opção. Ou seja, prioriza-se a intervenção mínima. Após tratado, estando em condições, o animal deverá ser solto no mesmo local onde foi resgatado. Eventualmente, sob análise técnica, a translocação de espécimes pode ser considerada quando constatado que o ambiente no qual se encontra não lhe propiciará sobrevivência. Para qualquer intervenção é necessária a autorização do órgão ambiental.
A interferência indireta implica em suporte aos espécimes sobreviventes, propiciando aporte de água e alimentos. Mesmo essa ação, que não implica no manuseio dos animais, deve ser tecnicamente orientada. Quais alimentos podem ser ofertados, quantidade necessária ou possível por ponto de suporte, decisão de preencher o corixo (lagoa) ou colocar cocho com água… Todas essas questões devem ser analisadas e orientadas tecnicamente.
Não apenas os animais silvestres estão sofrendo. Também os domésticos foram atingidos pela seca e pelo fogo. Ambos, aliás, frutos minimamente da negligência humana. Todo o ano tem um período de seca no Pantanal e em diversas outras partes do Brasil, mas o que se observa na região é que a maioria dos pecuaristas prefere se arriscar a perder parte do rebanho do que a se preparar armazenando ração e feno para o período de seca. Assim, o gado sofre e, magro, atola em busca de água. Muitas vezes, morre.

Mas as perdas não parecem suficientes para que os pecuaristas se previnam para a próxima seca. Aparentemente o gado não sofre e morre o suficiente para ocasionar prejuízo financeiro. E, afinal, dinheiro vale mais do que vidas.
Então, a maior planície alagada do Brasil secou, depois pegou fogo e, a essas duas tragédias, segue-se a fome cinzenta. Os animais silvestres sofrem e morrem. Os animais domésticos sofrem e morrem. Mas os humanos vão bem, obrigado.
No Pantanal, nenhuma vida humana foi perdida pela seca ou pelo incêndio. A crise climática, o desmatamento na Amazônia, a seca extrema e as queimadas em si são oriundos ou resultantes da ação humana. Negá-los fica cada vez mais difícil. A onça com as patas queimadas é a imagem da natureza agonizante do Brasil. Soberana, mas sendo destruída. Ainda é tempo de acordar, pelo Pantanal, pela Amazônia, pelos animais e, porque não, pelas próprias pessoas – algumas perceberam que os animais do Pantanal são sua grande riqueza. A pousada, por mais aconchegante que seja, sem os animais, é apenas uma estrutura de concreto sem maior interesse para os turistas.
O texto reflete posição pessoal e não, necessariamente, institucional.
https://youtu.be/c9vM-tiEpE4
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