A soltura de animais em vídeo

No mês passado, abordamos como a ação de soltura de animais silvestres ganha visibilidade com a criação e divulgação das imagens. Hoje, vamos entrevistar um craque no assunto: o diretor e produtor de cinema Galileu Garcia Júnior. Dentre suas várias obras relacionadas a natureza, ele foi o responsável pela filmagem da soltura de um de um lobo-guará.

O resultado foi o mini doc Urbano, nome que também dado ao animal pelo fato de ele ter sido resgatado em Guaianazes, na zona leste da cidade de São Paulo. Recuperado pelo Centro de Manejo e Conservação de Animais Silvestres (Cemacas) da prefeitura da capital paulista e pelo Instituto Libio, ele foi solto na fazenda Barreiro no município de Socorro (SP).

O Fauna News publicou, em julho do ano passado, um artigo relatando a soltura.

Adriana Prestes – Galileu, conte um pouco de sua trajetória profissional.

Galileu Garcia Júnior – Eu tenho realizado filmes de natureza há algum tempo, desde os anos 2000, tendo envolvimento com as várias atividades da produção, como montagem, roteiro e direção. Tem filmes meus de curta, média e longa metragens, como o Caminhos da Mantiqueira, de 2010, com mais de um milhão de visualizações. Fiz um filme sobre a construção de carros de boi na serra da Mantiqueira, em 2020, e participei várias vezes da ação Expedicionários da Saúde, sobre a montagem hospitais em locais de difícil acesso na Amazônia.

Adriana Prestes – O que é importante para filmar um documentário de natureza?

Galileu Garcia Júnior – Um ponto muito importante são os interlocutores. Quem vai narrar esse filme? Uma pessoa? Várias? Um animal? Um ponto geográfico? Nos meus filmes, não uso a figura do locutor porque isso conduz a história de forma artificial. Sempre gosto de usar pessoas locais, porque essas falas têm autenticidade. Quem mora no local, seus ancestrais, são os verdadeiros condutores da história.

Adriana Prestes – Fale um pouco sobre o formato das narrativas que você usa nos seus trabalhos.

Galileu Garcia Júnior – Gosto muito do formato road movie, com imagens de você se deslocando, as paradas em cada local, os detalhes do planejamento… É interessante porque muitas pessoas importantes para as histórias não saem bem em câmera, travam quando têm de falar. Aí cabe ao diretor remarcar a entrevista, usar o truque da câmara escondida ou filmar de longe com teleobjetiva, criando um ambiente relaxado e intimista, já que o importante é contar a história com a maior autenticidade possível.

Adriana Prestes – E as novas tecnologias para filmar?

Galileu Garcia Júnior – Uma dessas é o uso de drone. Esse veio para ficar. É fundamental para localizar e obter imagens plásticas. Ele virou um instrumento muito útil em um documentário.

Adriana Prestes – E as equipes para fazer um filme de natureza?

Galileu Garcia Júnior – Normalmente se trabalha com equipes reduzidas, porque com muita gente, você intimida as pessoas. Imagina, você entra na casa de uma pessoa humilde no meio da Amazônia… A pessoa não fala mais nada; perde toda a espontaneidade. Quando fizemos o doc dos Expedicionários da Saúde, foi incrível. A gente acompanhou todo o processo, a viagem, a chegada e montagem dos hospitais móveis e todos os procedimentos médicos de atendimento à população.

Retomando sobre a questão do tamanho da equipe, cinco ou seis pessoas usando câmeras híbridas, já que as câmeras de cinema são muito pesadas e demandam equipe maior, o que um documentário não precisa.

Adriana Prestes – Qual é a melhor técnica para filmar uma entrevista?

Galileu Garcia Júnior – Nas entrevistas, uso duas câmaras, assim não se perde nada que a pessoa fala. Gosto de filmar em plano aberto e em close, depois se fazem cortes, resumindo o que a pessoa falou e evidenciando o que você quer mostrar com o documentário.

Adriana Prestes – E sobre o trabalho da soltura do lobo Urbano. Como foi o processo?

Galileu Garcia Júnior – Tem tem uma versão de cerca de um minuto de filmagem, mostrando a soltura em uma fazenda de café, cadastrada como local de soltura. Fomos fazer o vídeo, que foi viabilizado pelos donos da propriedade, só que houve uma intercorrência…

Fomos documentar um lobo-guará que estava se recuperando no Cemacas e, chegando lá, ele estava em uma jaula. Documentamos o animal sendo colocado na caixa de transporte, entrando no transporte e colhemos depoimentos de vários biólogos que participaram do processo de recuperação de Urbano.

O lobo-guará havia sido encontrado em uma periferia da zona leste da cidade de São Paulo, em Guaianazes. Felizmente, ele entrou em um quintal, cujo portão estava aberto e o dono da casa, quando viu, trancou a porta do quintal e ligou para Prefeitura. O que foi ótimo, pois fizeram a remoção dele. O animal estava machucado, com queimaduras nas patas, mas se recuperou bem.

Estava tudo certo para filmarmos o animal sendo levado para a soltura, mas o pessoal do Instituto Pró-Carnívoros ligou dizendo que a coleira, o rádio-colar, que seria colocado no animal, estava com problema no GPS. O equipamento apresentava sinal intermitente e poderia ocorrer a perda de sinal, o que seria um risco para o acompanhamento de Urbano no pós soltura.

A soltura foi adiada por 60 dias e o lobo-guará e nós seguimos para a sede do Instituto Libio, que se prontificou a acolher o animal em um recinto, com possibilidade de treinamento de caça. Urbano recebia como alimentação um coelho a cada dois dias. Ele predava muito bem, ficou em observação e foram feitas coletas amostras de sangue assim que a coleira ficou ok – o equipamento havia sido enviado à Europa para conserto. A soltura foi novamente marcada e só então fomos buscar o animal para levá-lo à fazenda.

Adriana Prestes – O que você destaca, tecnicamente, como um desafio para esse tipo de filmagem?

Galileu Garcia Júnior – Quando fazemos esse tipo de filmagem, devemos aparecer o mínimo possível, pois são tantos os envolvidos… Tem também muita ansiedade, especialmente nas pessoas que recebem o animal. É muita gente querendo ajudar, no caso da soltura, e você tem de estar posicionado de tal forma que seja capaz de registrar um “plano geral”, mas que não esteja na trajetória da saída do animal.

No caso desse doc, os protagonistas, na versão que disponibilizei aqui, são os proprietários da fazenda onde o animal foi solto. Nesse trabalho usamos três câmeras diferentes.

Por causa da distância do Instituto Líbio à fazenda e de todo o processo que foi sedar o animal, colocá-lo na caixa e o transporte, chegamos na fazenda e já estava escurecendo. Foi um sufoco, pois se demorasse mais meia hora, a gente não iria filmar a soltura. Então foi um “corre”, mas deu tudo certo e eu fiquei muito satisfeito com o resultado.

Adriana Prestes – O que não pode faltar em documentário de natureza?

Galileu Garcia Júnior – Sempre utilizar planos mais abertos que fechados, equipamento full HD ou 4 K e, se é só para a internet, a gente segue trabalhando com full HD. Um pouco de slow motion, filmando a 60 quadros para ter um efeito de câmera mais lenta, nas cenas mais dramáticas, mas o vídeo deve ter cerca de um minuto para ser possível “viralizar”.

Adriana Prestes – E sobre o futuro?

Galileu Garcia Júnior – Penso em um projeto maior sobre soltura, quem sabe se através do próprio Fauna News. Um projeto envolvendo várias solturas… Isso daria uma série. Pode ser espetacular!

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