A “ressurreição” do lobo-terrível: um avanço científico ou um dilema ético?

O recente anúncio da empresa Colossal Biosciences sobre a suposta recriação de um animal de uma espécie totalmente extinta, o Aenocyon dirus, conhecido como “lobo-terrível”, trouxe à tona uma discussão complexa que transcende não apenas o campo da ficção científica, mas também o campo científico. Na verdade, essa ação “simples” envolve questões éticas, ecológicas e sociais. Embora apresentado como um marco revolucionário da biotecnologia, esse projeto revela contradições fundamentais entre o que é um discurso midiático e que é de fato uma representação da realidade científica – algo que faria escritores aclamados, como Michael Crichton (de Jurassic Park), ficarem perplexos. E claro, além de levantar preocupações sobre os limites da intervenção humana na natureza.

A empresa norte-americana afirma ter conseguido “desextinguir” o lobo-terrível, espécie que habitou as Américas até o final do Pleistoceno. O processo teria ocorrido através da edição genética de lobos-cinzentos (Canis lupus), que seria a espécie atual mais próxima, evolutivamente falando, dos “lobos-terríveis”. O processo envolveu a extração de trechos de DNA encontrados nos fósseis da espécie pré-histórica, além de modificações pontuais em 14 genes dos lobos-cinzentos, resultando em animais com características físicas semelhantes às do extinto predador, como a presença de pelagem branca e uma estrutura corporal mais robusta.

No entanto, é preciso lembrar que o DNA antigo utilizado está irremediavelmente degradado, inviabilizando uma reconstrução fiel da espécie original. O que foi criado, na verdade, é um híbrido geneticamente modificado e não uma verdadeira recriação do lobo-terrível. Essa distinção é crucial, porque revela um reducionismo biológico bastante preocupante: espécies não são meros conjuntos de características físicas, muito menos conjuntos e portadores ambulantes de alguns genes. Não à toa, toda e qualquer espécie (extinta ou atual) são produtos de milhões de anos de evolução, um processo contínuo que muitos esquecem de notar.

Toda e cada espécie é completamente única em comportamentos, dietas e interações ecológicas. E apenas no fundo disso estão as características genéticas e morfológicas que a compõem. Em termos de comparação simples, definir uma espécie por meia dúzia de genes ou apenas por uma característica morfológica é como definir um carro pelo seu chassi – inclusive, obrigada, B. Naegeli, pelo exemplo didático!

Assim, o lobo-terrível estava adaptado a um ecossistema radicalmente diferente do atual, onde caçava presas como mastodontes e preguiças-gigantes, animais que também estão completamente extintos. Recriar sua aparência física não significa reviver sua essência biológica, muito menos seu papel ecológico. Além disso, as diferenças genéticas entre lobos-terríveis e cinzentos, embora aparentemente pequenas em porcentagem, representam milhões de variações críticas que vão muito além das vinte edições genéticas realizadas pela Colossal Biosciences.

Riscos ecológicos de introdução de um predador na natureza

Os riscos ecológicos desse projeto são igualmente alarmantes. A introdução de um predador modificado em ecossistemas modernos, sem suas presas naturais e relações ecológicas originais, poderia causar desequilíbrios imprevisíveis. Enquanto isso, espécies atualmente ameaçadas, como o tigre-de-sumatra e o rinoceronte-negro, continuam à beira da extinção devido à perda de hábitat e às mudanças climáticas – um problema muito mais sério e preocupante. Essa distorção de prioridades revela uma contradição fundamental: enquanto recursos significativos são investidos em projetos sem função clara de “desextinção”, ações mais urgentes e eficazes de conservação são completamente negligenciadas.

Por fim, ainda pode-se ressaltar o aspecto ético desse experimento. A comunicação da Colossal Biosciences, que estampou um lobo branco na capa da revista Time com a manchete “voltou da extinção”, simplesmente é sensacionalismo. Ao apresentar os animais como “lobos-terríveis ressuscitados”, a empresa está enganando o público e criando expectativas irreais sobre o que a Ciência pode realmente alcançar. Essa narrativa distorcida não apenas banaliza o conceito de extinção, como também desvia a atenção de problemas ambientais urgentes, sugerindo erroneamente que a tecnologia pode consertar danos ecológicos que são irreversíveis.

Ética do cientista

A responsabilidade social dos cientistas nesse contexto torna-se um ponto central da discussão. Pesquisadores e empresas de biotecnologia têm o dever de comunicar suas descobertas com transparência, evitando exageros que possam distorcer a compreensão pública da Ciência. Além disso, é fundamental questionar quem realmente se beneficia com essas tecnologias. Quando projetos são liderados por empresas privadas com fins lucrativos, é necessário avaliar cuidadosamente seu valor ecológico real, além do potencial comercial.

O caso do lobo-terrível ilustra a necessidade urgente de estabelecer limites éticos claros para o avanço da biotecnologia. Enquanto a Colossal Biosciences celebra seus híbridos geneticamente modificados, o mundo real enfrenta uma crise de biodiversidade sem precedentes. A verdadeira lição que emerge desse experimento não está no feito tecnológico em si, mas no alerta ético que ele representa.

Nenhuma edição genética pode recuperar as complexas relações ecológicas perdidas com a extinção de uma espécie. A prevenção, através da conservação de hábitats e da proteção de espécies ameaçadas, continua sendo a abordagem mais eficaz e responsável. A vida selvagem não pode ser tratada como uma commodity, manipulada para fins comerciais ou espetaculares. O caso do lobo-terrível nos lembra que, por mais avançada que seja nossa capacidade de manipular a vida, a extinção – em seu sentido mais profundo e ecológico – continua sendo para sempre.

Para ler mais

• COLOSSAL BIOSCIENCES. World’s First De-Extinction: The Dire Wolf Project. 2025
• RAWLENCE, N. Ancient DNA and the Limits of De-Extinction. Journal of Paleogenetics, v.12, n.3, p.45-62, 2025.
• AUSTIN, J. Ethical Implications of Genetic Resurrection. Nature Biotechnology, v.43, p.112-118, 2025.
• INTERNATIONAL UNION FOR CONSERVATION OF NATURE (IUCN). The Red List of Threatened Species. 2025
• SCIENCE MAGAZINE. The Ethics of De-Extinction: A Special Report. 15 abril, 2025
• Scientific American: The Ecological Consequences of De-Extinction