
Por Daniel Nogueira
Biólogo, especialista em Ecoturismo e analista ambiental do Ibama. É o responsável pelo Centro de Triagem de Animais Silvestre (Cetas) do Ibama localizado em Lorena
universocetras@faunanews.com.br
O que queremos agora é fazer uma pequena reflexão sobre o processo de reabilitação, item tão importante no trabalho dos centros de triagem e de reabilitação de animais silvestres (Cetas/Cras/Cetras).
Iniciamos fazendo uma pequena avaliação histórica nas normativas federais que abordavam esse assunto. A definição formal do processo de reabilitação aparece na antiga Instrução Normativa Ibama n° 179, de 25 de junho de 2008, da seguinte forma (artigo 2°, inciso VI):
“(…) Reabilitação: Ação planejada que visa a preparação e treinamento de animais que serão reintegrados ao ambiente natural ou cativeiro (…).”
E quase com a mesma redação, a definição está na Instrução Normativa do Ibama n° 23, de 31 de dezembro de 2014 (artigo 2° inciso XI), excluindo do texto o termo “cativeiro”, tornando-a mais adequada no sentido prático, já que no trabalho dos centros, a reabilitação sempre visa o processo de destinação do animal para a soltura.
Portanto, advindas da definição formal, o processo de reabilitação pode ser resumido aqui como as ações que ajudam na preparação dos animais manejados para o retorno à natureza.
Proponho, então, que qualquer atividade planejada que possa ser realizada com os animais manejados por um Cetras que os prepara melhor para a vida livre é uma atividade de reabilitação. Contudo, não vamos nos ater aqui a um estudo mais detalhado das inúmeras atividades e técnicas de reabilitação, pois este assunto seria demasiado extenso para que se pretende este artigo. Quero apenas, neste exercício de reflexão, tentar perpassar a ideia da reabilitação nas ações de um centro.

O pressuposto da necessidade de reabilitação se confunde com a realidade dos animais recebidos pelos centros de triagem e de reabilitação. O cativeiro ilegal, acidentes, ferimentos, todas essas condições inadequadas geram potenciais situações de necessidade de reabilitação. A avaliação inicial do animal aliada a (rara) informação de sua história pregressa orientam a escolha do que deva ser feito a partir do recebimento, ou seja, a triagem.
A pergunta mais importante vai ser feita no começo da triagem e respondida durante a estada do animal no Cetras: qual é a possível destinação que esse animal poderá ter ou, mais simplesmente, esse animal poderá ser solto?
Se a resposta for sim, o processo de reabilitação deve ser iniciado. Essa reabilitação pode ser física, quando se foca em uma recuperação física do animal, como o fortalecimento da musculatura envolvida nas atividades de voo das aves, de longe a mais típica realizada em Cetras. Também pode ser fisiológica, quando o animal deve se recuperar de algum aspecto fisiológico que atrapalhe ou restrinja (não impeça) a chance de sobrevida em ambientes naturais, como os cuidados quanto à desnutrição, desidratação ou no tratamento de uma doença infecciosa. Também pode ser comportamental, quando se pretende desenvolver ou, na maioria das vezes, reativar ou reavivar os comportamentos corretos ou adequados para os animais de vida livre, como exemplo, o comportamento de fuga de predadores.
Não podemos esquecer, também, que a máxima “muito ajuda quem não atrapalha” também pode ser aplicada no trabalho dos Cetras. O que poderíamos chamar, talvez, de reabilitação passiva, que é aquela que está mais envolvida com o que não se faz, do que com o que se faz. Por exemplo, o correto acondicionamento de uma ave, evitando colocá-la em uma gaiola ou viveiro que danifique suas penas de voo, a diminuição de estímulos de humanização, evitando ao máximo em contribuir com a interdependência desses animais em relação às pessoas, ou o simples aceleramento dos trâmites burocráticos para uma célere destinação para “todos” animais que já tenham condições de soltura.
Mas essa ajuda para a vida livre (reabilitação) pode e deve ser estendida para além das ações realizadas nas dependências dos Cetras.
As áreas de soltura com equipe técnica e/ou estrutura de viveiros de aclimatação podem e têm realizado um excelente trabalho na reabilitação dos animais, no processo de soltura denominado soft release (soltura branda). Seguindo o encadeamento, é importante ressaltar que a reabilitação, ou seja, a nossa ajuda para os animais que vão para soltura não termina com a soltura propriamente dita.
As diferentes situações de entrada dos animais nos Cetras também proporcionam diferentes condições ou estados de reabilitação. O processo de reabilitação é variável e depende de muitos fatores que ocorrem em todo o procedimento. Dessa forma, a reabilitação também estará relacionada com as características da área de soltura escolhida. Por exemplo, a soltura de animais que apresentam condições prévias de maior humanização deve ser priorizada em áreas mais adequadas para os receberem, assim como para o caso de animais mais raros ou visados pelo tráfico.
A suplementação alimentar, ou seja, o alimento que se oferece aos animais soltos, embora não necessariamente e diretamente relacionada com a nutrição natural e com itens do próprio local, é uma das situações que se relaciona à reabilitação pós soltura. Para o animal, tendo a sua nutrição garantida no período imediato pós soltura, pode significar aquela força que ele precisa para enfrentar esse momento do renascimento à vida em liberdade.

E não para por aí. O próprio monitoramento pós soltura, embora de maneira indireta, pode trazer informações importantes capazes de contribuir para melhores decisões de solturas.
Enfim, a lógica da reabilitação, como já dito, perpassa todo o trabalho dos Cetras.
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