A importância do trabalho em rede nas solturas da fauna

Esta coluna trata da possibilidade de uma segunda chance para animais da fauna silvestre brasileira que tenham sido alvo do tráfico ilegal, ou que tenham sofrido algum acidente ou problema que os tenham levado a um centro de triagem e reabilitação. Uma das formas de engajar os leitores com essa pauta tão importante (as solturas) é contar casos de sucesso de reintrodução de fauna, apontar os gargalos para o processo de reintrodução ou até mesmo contar casos que não deram certo, na tentativa de aprender com os insucessos. Já tratamos aqui de questões técnicas, legais e outros tantos aspectos ligados ao mundo das solturas e reintroduções de fauna.

Hoje vamos abordar uma questão muito importante: a do trabalho em rede como forma de potencializar as ações de proteção dos direitos da fauna silvestre em existir nos biomas de origem.

Mas, antes, um pouco de história…

As primeiras áreas de soltura

As áreas de soltura começaram como um projeto para soltar, principalmente, a avifauna apreendida decorrente do tráfico de animais. A ideia inicial era cadastrar áreas particulares com remanescentes florestais em que a soltura pudesse ocorrer sem mais demoras. O cadastramento era feito junto ao Ibama, através de uma manifestação de interesse, seguida de uma vistoria técnica, sem a obrigatoriedade de viveiros, comedores ou até mesmo sem responsáveis técnicos. Estamos falando do início dos anos 2000.  De lá para cá, muita coisa mudou.

Hoje a visão técnica é que áreas de soltura com viveiros de adaptação, comedores para suporte no momento pós-soltura, monitoramento pós-soltura e um responsável técnico têm mais instrumentos para garantir melhores chances de sobrevivência para os animais que forem soltos. Para outras espécies, que não da avifauna, as exigências são ainda maiores, com necessidade inclusive de recaptura de animais que porventura não se adaptem.

Soltura não é fácil não! Especialmente quando se considera a situação da absoluta falta de financiamento público para as ações. Mesmo projetos científicos de reintrodução de espécies ameaçadas lutam com a falta de recursos financeiros.

Mas nem tudo é problema no mundo das solturas.

Com o advento das redes sociais, cada pessoa no planeta ganhou a chance de estender em muito o alcance das suas ações, podendo projetar sua voz para o planeta todo.

Exagero?

Na verdade, exatamente por que as ações de soltura são um nicho de atuação com fauna silvestre, discutir sobre animais recolocados em liberdade se tornou um assunto de interesse. E não apenas entre o pessoal tradicionalmente ligado à conservação ambiental, mas para qualquer pessoa que queira conhecer mais sobre as histórias de superação e sucesso ou até mesmo histórias dramáticas sobre a soltura de um animal. Sobre isso, basta lembrar do cavalo Caramelo, aquele da enchente gaúcha, que foi notícia no mundo.

Mas voltemos ao trabalho em rede.

No começo, quando as primeiras áreas de soltura foram cadastradas, não havia a preocupação de comunicação entre os empreendimentos, até porque a ideia era chegar, soltar e ir embora. Entretanto, com o tempo, cada área de soltura começou a acumular histórias de sucesso, de insucesso e muitos e muitos questionamentos.

E como dar vazão a tudo isso?

Os órgãos públicos ligados ao licenciamento de áreas de soltura realizaram encontros técnicos para divulgação de experiências que resultaram até em publicações. Acontece que o público daqueles eventos, especialmente quando as áreas de soltura ainda eram poucas, era basicamente formado por técnicos ligados a zoológicos, veterinários e agentes públicos. E claro, como as solturas feitas por particulares estavam apenas começando, o sentimento era de que aquilo não ia dar certo! Imagina uma pessoa comum fazer soltura! Uma verdadeira loucura! Aliás, ainda tem profissionais ligados ao mundo acadêmico que tem a visão de que soltura de animal silvestre não deveria acontecer e que qualquer animal apreendido deveria ser simplesmente eutanasiado! Bem mais fácil falar isso do que fazer.

Mas ainda bem que tem gente comum que quis e quer assumir o desafio de promover solturas com critério técnico e ético!

Voltemos então à nossa rede.

Soltura sempre vai envolver pessoas comuns e dedicadas à conservação do meio ambiente. E, amigo leitor, só participando de uma soltura para sentir aquela sensação de quando se observa o bicho se distanciando da caixa de transporte em direção à liberdade! A sensação pede comemoração, ainda mais quando, depois de algum tempo, você descobre que soltura dá certo, com animais se reproduzindo e colonizando novas áreas onde antes não havia a espécie.

A sensação de soltar pede também um compartilhar, não somente aspectos técnicos, mas principalmente os sentimentos. Soltura é sempre um ato de superação, tanto para os animais como para quem viabiliza essa ação. Soltura aproxima as pessoas.

Troca de experiências

Assim, um simples grupo de WhatsApp vira uma ferramenta muito importante. Participo de um grupo assim, composto por membros ligados diretamente a ações de soltura. Ou seja, lá estão as pessoas que de fato soltam, que de fato fazem todo o trabalho que antecede uma soltura e que de fato pagam a conta.

Uma característica dos posts desse grupo são as imagens de soltura, de câmeras trap com dados de monitoramento das áreas e até de ninhos artificiais para potencializar os nascimentos de avifauna. Outro ponto de destaque é a preocupação com o reflorestamento, com a recomposição florestal e a proteção de mananciais. E por fim, a preocupação com a educação ambiental. Todos os integrantes do grupo tem atuação profissional em outras áreas e, mesmo assim, estão pessoalmente envolvidos em receber escolas, especialmente as públicas, e pessoas em geral que desejem acompanhar uma ação de soltura.

Todas as propriedades onde ocorrem as solturas são particulares, algumas até viraram reserva particular do patrimônio natural (RPPN) por conta das solturas. Ou seja, pela soltura, uma família abre mão do seu imóvel e o destina à conservação perpétua, em prol dos outros, que talvez nem conheçam o que seja o retorno de um animal silvestre à vida livre. Soltura não apenas é projeto de pesquisa ou projeto comercial; é projeto para a vida.

E você, já acompanhou alguma soltura de animal silvestre?

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