Por Elisângela de Albuquerque Sobreira Borovoski
Pós-doutora em Epidemiologia Experimental Aplicada às Zoonoses pela Universidade de São Paulo (USP). Mestra em Ecologia e Evolução e doutora em Animais Selvagens pela Universidade Estadual Paulista. Coordenadora de Fauna da Prefeitura de Anápolis (GO), presidente da Comissão de Animais Selvagens e Meio Ambiente do Conselho Regional de Medicina Veterinária de Goiás e membro da Comissão Nacional de Animais Selvagens do Conselho Federal de Medicina Veterinária
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Em um mundo em rápida mudança, com um número crescente de doenças emergentes que afetam a vida selvagem, animais domésticos e humanos, a necessidade e o interesse por investigações eficazes de saúde da vida selvagem, incluindo vigilância e pesquisa, são agora amplamente reconhecidos. A falta de esquemas de vigilância é frequentemente mencionada como causa de doenças emergentes. Em contraste, a vigilância da saúde da vida selvagem produz conhecimento que beneficia, pelo menos, três setores diferentes: a saúde animal, a saúde pública e a conservação.
No entanto, os métodos aplicáveis e os conhecimentos adquiridos a partir de estudos relacionados com a saúde dos animais domésticos só podem ser parcialmente extrapolados para a vida selvagem.
Existem seis recomendações para o monitoramento de doenças da vida selvagem:
– realizar monitoramento em animais domésticos e/ou humanos relevantes, além de investigações em animais selvagens;
– considerar informações básicas sobre a ecologia da população da vida selvagem;
– selecionar os hospedeiros de vida selvagem apropriados para monitoramento;
– selecionar métodos apropriados para diagnóstico e análise de tendências tempo/espaço;
– definir os parâmetros alvo para monitoramento e
– estabelecer um esforço de amostragem razoável e uma estratificação de amostragem adequada.
Além das recomendações mencionadas, há cinco outras necessidades das investigações de saúde da vida selvagem:
– comunicação e colaboração (dimensão humana, rede e publicação);
– uso de sinergias e abordagens de triangulação;
– investimentos de longo prazo;
– coleta sistemática de metadados, ou seja, informações sobre os animais amostrados, como idade, sexo e origem geográfica e
– harmonização de definições e métodos.
Participação e comunicação
Abordagens participativas, trabalho em rede e comunicação transdisciplinar são fatores-chave para uma vigilância eficiente da saúde da vida selvagem. Em primeiro lugar, os relatos de eventos de saúde incomuns e o envio de carcaças dependem, em grande parte, da conscientização da doença, interesses pessoais e boa vontade do público e dos profissionais de campo. Em segundo lugar, estudos direcionados que lidam com patógenos infecciosos geralmente requerem uma colaboração efetiva com os proprietários rurais, pois as carcaças dos animais mortos são uma fonte insubstituível de amostras.
Nesse contexto, os contatos humanos diretos são essenciais para um sistema de vigilância sustentável. Interações próximas com parceiros de campo e feedback regular devem ser parte integrante de qualquer projeto que exija amostras de vida selvagem. Compartilhar conhecimento é um processo bilateral em que todos os parceiros envolvidos dão e recebem. No entanto, à medida que novas tecnologias são desenvolvidas, os sistemas de software permitem um melhor armazenamento de dados e a eletrônica facilita a comunicação rápida, a dimensão humana das investigações de saúde da vida selvagem tende a ser negligenciada.
Por definição, a vigilância é realizada com o objetivo de fornecer dados úteis para o desenvolvimento de estratégias de gestão. O conhecimento obtido por meio de esforços de vigilância deve ser disponibilizado não apenas aos serviços locais, mas também à comunidade científica internacional. Para ser eficaz e abrangente, um programa de vigilância deve incluir vários componentes investigando diferentes aspectos de eventos de saúde que servem para complementar uns aos outros, como varredura e abordagens de vigilância direcionadas, investigação de surtos, arquivamento de amostras biológicas, estudos de campo e de laboratório, modelagem preditiva e avaliação de risco. Da mesma forma, para investigações direcionadas, uma abordagem de triangulação, como a combinação de pesquisas de anticorpos ou patógenos com investigações patológicas, ou de investigações laboratoriais ou de campo com questionários, pode ser útil para acessar uma quantidade satisfatória de dados e aumentar a confiabilidade dos resultados.
Diferentes métodos também podem atuar em sinergia: a presença nos campos para amostragem direcionada geralmente aumenta a conscientização sobre a doença em caçadores e guardas ambientais, que posteriormente podem enviar mais casos para vigilância de varredura; o feedback do laboratório para os campos na forma de relatórios sobre as carcaças investigadas incentivará os parceiros de campo a participar de futuras campanhas de amostragem; os esforços de ensino também contribuem para o sucesso da vigilância, aumentando o interesse dos parceiros de campo por questões de saúde; inversamente, os dados provenientes da vigilância são úteis para fins didáticos. No geral, as sinergias não apenas melhoram a eficiência do sistema, mas também permitem economizar recursos.
No geral, as pesquisas de saúde da vida selvagem estão associadas a inúmeros problemas potenciais. Essas preocupações não devem ser vistas como intransponíveis, mas é imperativo que sejam consideradas no desenho do estudo, na análise dos dados e na interpretação dos resultados. É especialmente importante lembrar que as investigações de saúde não começam no laboratório e sim no campo. E porque a vigilância é realizada com o objetivo de agir, os recursos e esforços não devem ser apenas alocados para a coleta de dados, mas devem incluir a análise de dados e disseminação de informações.
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