Médica veterinária, mestranda em Saúde, Medicina Laboratorial e Tecnologia Forense pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e agente da Polícia Federal com especialização em Polícia Ambiental
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A principal causa de extinção das espécies silvestres é a perda de habitat em função do crescimento urbano, do desmatamento e das queimadas. Em seguida vem a captura predatória de animais. A consequência do desaparecimento dessas espécies é o desequilíbrio ecológico e o declínio dos ecossistemas, que tanto prejudicam a todos nós.
O quadro econômico desfavorável e a ineficiência da fiscalização e da repressão no contexto da grande biodiversidade existente em nosso meio ambiente, somados a leis ambientais brandas, acabam colaborando, de certo modo, para a prática nefasta da captura ilegal desses animais silvestres.
As aves, que constituem o grupo da fauna que mais sofre com esse crime, são encontradas em todos os biomas brasileiros, sendo a Amazônia aquele com o maior número de espécies.
A estrutura do tráfico de animais silvestres é formada por várias etapas distintas e articuladas. Na primeira, aparecem os capturadores, que, na maioria das vezes, são pessoas com baixo poder aquisitivo que moram próximas às áreas de mata. Em seguida, em função da necessidade de um local para armazenar esses animais, surgem os coletores, moradores locais que fornecem suas casas como depósitos. Na etapa seguinte, os transportadores são os responsáveis por receber esses animais dos moradores para levá-los aos centros urbanos, ou seja, aos locais com os maiores mercados consumidores.
É importante salientar que durante o transporte diversos desses animais morrem ou sofrem mutilação física, pois são levados amontoados, em condições precárias, como em caixas de papelão, em compartimentos apertados, privados de água e de comida por horas e horas, até a entrega no destino.
Ao chegar nos grandes centros, novo armazenamento ocorre em depósitos. Nesse momento, etapa urbana da estrutura criminosa, surge a figura do atacadista, que é quem comercializa os animais com alguns intermediários varejistas, tais como feirantes, donos de petshops e de criadouros ou ainda diretamente com o consumidor final. Não é raro, nos dias de hoje, que a venda se dê de forma virtual, com a utilização da internet.
Apesar da existência de toda essa estrutura que envolve a presença de tantas e diversas pessoas, com divisão de tarefas bem delimitadas, caracterizando uma verdadeira e típica organização de crime organizado, não existe, até hoje, em nossa legislação, a tipificação desse crime tão antigo quanto a chegada dos europeus em nosso continente. É surpreendente constatar que não houve, até os dias atuais, uma iniciativa legislativa que positivasse tal crime, que tanto tem afetado o nosso equilíbrio ambiental.
Cabe agora uma reflexão: toda essa estrutura do tráfico tem como ponto final o consumidor, sem o qual nenhuma etapa anterior existiria. É esse consumidor a base de toda a sustentação dessa cadeia. Acaba sendo ele o grande financiador e mantenedor do tráfico. Nesse sentido, mesmo que seja uma pessoa de bem, alguém que deseja apenas possuir um animalzinho de estimação, será que é razoável considerá-lo um receptador final de um produto obtido por meio de crime e, assim, sugerir que ele também responda criminalmente?
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