A educação ambiental é um ato político

E não sou eu quem está dizendo. Essa afirmação está presente no Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global (pode procurar no Google!) que, mais tarde, iria se tornar a Carta de Princípios da Rede Brasileira de Educação Ambiental, subsidiando também a Política e o Programa Nacional de Educação Ambiental do país. O documento foi escrito com a participação de educadores de vários lugares do mundo em 1992 durante a Cúpula da Terra, mais conhecida como a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada na cidade do Rio de Janeiro. O evento (o famoso Rio-92) reuniu chefes de Estado e representantes de 179 países e milhares de organizações civis e é considerado um dos mais importantes da história mundial ambiental. Sentiu o peso?

Então ela não nasceu para ser neutra. E sim ideológica.

Reconhecer a educação ambiental como um ato político e praticá-la com isso em mente é viabilizar inquietudes, instaurar perguntas e discussões (se acaloradas, melhor ainda) e promover a sementinha do senso crítico nas pessoas. É através do debater e endereçar os incômodos que a sociedade acha caminhos para se reorganizar, se reestruturar.

Chega de neutralidade

Eu explico: a afirmação “as árvores são importantes” é neutra e não é transformadora. Beira o senso comum. É uma informação de base e pode até servir de construção na educação ambiental formal de crianças. Mas por si só é vaga e pouco útil. Fala sobre muito e diz pouquíssimo. É neutra.

Pergunto: “todas as árvores são importantes? Existem árvores mais importantes que outras?”

E exemplifico: ano passado, visitei um município que sofre com queimadas intensas por motivos que se misturam e se retroalimentam: a) o avanço da agricultura de corte e queima e b) a elevação das temperaturas devido à supressão da vegetação nativa. Numa tentativa de lutar contra o calor e refrescarem suas ruas e casas, os moradores plantam o nin – ou neem – (Azadirachta indica), uma árvore exótica ao Brasil. O problema é que apesar de crescer rápido e “dar sombra”, tendo também propriedades medicinais e certa importância socioeconômica no Brasil, localmente o nin causa grandes prejuízos à flora e fauna nativas devido às suas propriedades tóxicas.

Ou seja, plantar nin é como sobrecarregar o próprio fígado tomando um remédio (sem receita) para uma dor nas costas causada pela cadeira de computador que continua a ser usada todos os dias.

Você está percebendo aonde eu quero chegar? Se as espécies de passeriformes locais não acham árvores nativas e não comem o nin, para onde irão os passarinhos e como a vegetação nativa poderá um dia se recuperar? Simplesmente não vai.

Nesse sentido, pense consigo: que tipo de diálogo devemos ter com a comunidade desse município? De que “todas as árvores importam”? E com o nosso país? De que “o comércio legal de animais silvestres é importante“? De “zoológicos são importantes“? De que “agrotóxicos são importantes”? De que “o desenvolvimento econômico do Brasil importa?” De que “todas as vidas importam”?

Alguém adivinha quem são aqueles que saem ganhando com a reprodução dessas afirmações generalizadas? Pois tenho certeza que não é o meio ambiente, nem os animais, nem os grupos étnico-raciais em estado de vulnerabilidade social.

É natural que existam discussões sensíveis e que nós, seres humanos, levemos algumas delas para o lado pessoal. Mas para isso, eu indicaria ler mais: nem tanto para se informar, mas para praticar interpretação de texto (e o senso crítico). Em nenhum momento eu disse que x ou y não importam. Mas é que certas opiniões formam uma cortina de fumaça sob a raiz do problema.

Importar é óbvio, não me acrescenta em nada e não vem ao caso. Educar não é e não pode ser só sobre isso. Precisamos ir além e fazer mais perguntas, enxergar microesferas, casos específicos e determinados grupos e funções e suas particularidades. Questionar e conversar mais.

A neutralidade não é capaz de formar cidadãos politizados que enxerguem a natureza sistêmica do que está por trás e por baixo do tapete da crise socioambiental.

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