Casal que há mais de 30 anos viaja até os lugares mais remotos do Brasil para fotografar a natureza. São adeptos da ciência cidadã, ou seja, do registro e fornecimento de dados e informações para a geração de conhecimento científico
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No final dos anos 80, conhecemos a cidade de Vinhedo, uma cidadezinha paulista muito aconchegante, próxima à capital e com ares do interior. Na época, com cerca de 30 mil habitantes e com muitos sítios de plantações de uva que justificavam plenamente seu nome. Estávamos procurando um lugar para dividir a vida entre a louca cidade de São Paulo e o sossego do Interior, onde nossas crianças pudessem brincar nas ruas de terra e ter uma infância mais saudável. Tudo isso nos levou a comprar uma pequena casa em um loteamento próximo à cidade.
O loteamento era uma antiga fazenda de criação de gado, com plantação de café e árvores frutíferas. Essa antiga propriedade tinha sido desmembrada em lotes, com solo muito degradado e arenoso e o verde da natureza era quase que inexistente. As crianças saiam e brincavam o tempo todo nas ruas e, quando voltavam para casa, ou estavam com a roupa e corpo cobertos por poeira e terra ou estavam cobertos pela lama, quando chovia.
Com o passar dos anos, os moradores investiram em jardinagem para deixar suas casas mais agradáveis e a administração do condomínio também investiu em paisagismo e no plantio de árvores, criando de forma não planejada pequenos corredores de vegetação. As nascentes d’água que abastecem os lagos do condomínio também foram protegidas pelo aumento do verde. Esse aumento da vegetação do local foi descrito em um trabalho de pós-graduação da Universidade de São Paulo, publicado em 2015, onde consta que em 1978 a cobertura arbórea no condomínio era de apenas 2,7%, evoluindo para 12,9% em 1994 e para 15,5% em 2012. Temos convicção que atualmente essa taxa é bem maior, mas não temos dados atualizados.
Como observadores de aves atentos, fomos percebendo que, com o aumento da vegetação, também estava ocorrendo o aumento de espécies de aves que visitavam o condomínio, o que nos motivou a fazer passarinhadas em nosso pequeno quintal e nas ruas próximas de nossa casa.
Durante anos, fomos fazendo o registro fotográfico das espécies no condomínio e sempre era uma vitória e uma alegria quando conseguíamos uma nova para o local – um lifer. Há seis meses, resolvemos compilar e contar as espécies registradas no local e nos surpreendemos com mais de 100 já fotografadas – hoje temos 115.
Por se tratar de um condomínio residencial – não são chácaras -, é surpreendente para nós a quantidade de 115 espécies de aves em um espaço tão pequeno. Acreditamos que isso esteja diretamente relacionado ao crescente aumento da vegetação no local e à oferta de água do lago.
Muitos foram os registros que nos encheram de alegria. Só para dar uma ideia, fotografamos a coruja-orelhuda, a figuinha de-rabo-castanho, saíra-de-chapéu-preto e o petrim no fundo do nosso quintal e a corujinha-do-mato, o picapauzinho-verde-carijó e a maracanã-pequena em frente de nossa garagem. Ah, sem esquecer de mencionar o tuju que todo ano sobrevoa o nosso quintal ao entardecer e os bem-te-vis que frequentam diariamente nosso gramado e nos brindam com seus topetes amarelos abertos.
Registramos também uma preciosidade: o gavião-pombo-pequeno, ave rara, endêmica da Mata Atlântica e ameaçada de extinção em todos os Estados de ocorrência. Esse registro foi motivo de uma matéria no site Terra da Gente do portal G1.
São também muitas as visitas anuais para nidificação: bandos de gaturamo-rei, que permanecem pelo menos por três meses, saí-andorinha, tesourinha, garibaldi, dentre outros. Algumas outras espécies param no condomínio para descanso e alimentação, algumas no processo migratório – guaracava-grande, príncipe, talha-mar, irerê, tapicuru.
Também foi uma grande emoção registrar a águia-pescadora no lago do condomínio, que aqui permaneceu por um mês dando seu espetáculo na captura das tilápias para sua alimentação.
Nesse ano, tivemos a ideia de criar uma página no Facebook, Aves do Vista Alegre, para compartilhar com nossos vizinhos a diversidade e a beleza das aves que temos pertinho de nós. Nessa página, publicamos única e exclusivamente fotos que realizamos dentro do condomínio.
Pudemos observar que essa diversidade de espécies não era percebida pelos moradores. Com a criação da página, muitos têm se interessado e compartilhado conosco suas experiencias e avistamentos. Está sendo muito gratificante ver o envolvimento das pessoas.
Esperamos que essa iniciativa também motive outras pessoas a observarem e registrarem os pássaros de seu bairro. Com certeza, vão se surpreender com a quantidade de espécies que habitam bem pertinho de você.
A famosa frase, “conhecer para preservar” é uma verdade absoluta.
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