
Por Carlos Eduardo Tavares da Costa
Biólogo, bacharel em Direito e agente de Polícia Federal
nalinhadefrente@faunanews.com.br
Vamos abordar um pouco sobre biopirataria, garimpo e seus reflexos econômicos e socioculturais.
Se levarmos em conta interesses minerais e farmacológicos, a Amazônia é, hoje, o maior espaço de disputa geopolítico no mundo. Já faz tempo que governos estrangeiros voltaram sua atenção para esse bioma. Inicialmente, o que chamou mais atenção foram certas características nas espécies animais de maior porte: beleza, cores, capacidade de vocalização. No tempo em que a ciência acadêmica dava seus primeiros e importantes passos.
Posteriormente, através do maior contato com povos autóctones, o conhecimento tradicional foi exposto para alienígenas, que se viram maravilhados. De um patrimônio genético até recentemente considerado como bem comum da humanidade, passamos para um sistema de propriedade intelectual, apoiado na noção de propriedade privada sobre coisas intangíveis. Organizações que até então tinham acesso gratuito a matérias primas e conhecimentos se depararam com normativas que, a partir dos anos 1990, reconheciam a soberania dos Estados nacionais em relação a seus recursos naturais.
O que era conseguido de maneira pacífica passou a ser tomado de forma coercitiva.
A abundância de novas substâncias. que de maneira dicotômica levavam a um mundo de conhecimentos e riquezas, agora precisavam de amparo legal e da transposição de uma série de obstáculos burocráticos para serem pesquisados e extraídos. As indústrias de biotecnologia – principalmente farmacêuticas –, posteriormente agregadas às indústrias alimentícia e de cosméticos, iniciaram uma covarde pressão econômica sobre os países que mantinham conservados seus ambientes naturais.
E agora, como adentrar nesses paraísos de substâncias e ganhos bilionários?
O plano estratégico não apresenta muitas variações: pode ser feito de maneira legal, extremamente burocrática, gerando corrupção para os altos escalões de governos desonestos, mas que dá um ar politicamente correto ao mundo globalista e ainda sobram encantos para seus “produtos naturais”. Pode ser feito, também, de forma escamoteada através de organizações financiadas direta ou indiretamente por empresas e governos que juram dedicação a causas nobres humanitárias, porém, ganhos econômicos são sua prioridade (daí o título da matéria). Ou finalmente pela força bruta, típico de ditaduras.
Em meio a esse pandemônio, tivemos genomas de comunidades mapeados por grandes corporações e princípios ativos patenteados por empresas americanas e europeias cujos resultados estão em produtos que, hoje, fazem parte do estoque de muitos armários de banheiros.
Do solo, claro, partiram para o subsolo. Quando reclamamos dos estragos feitos pela mineração legal e ilegal – lembrando que a flora e a fauna estão no mesmo “pacote” –, devemos ter a consciência de que nem sempre são empresas norueguesas que os produzem. Em boa parte do território amazônico, são os próprios índios que administram – direta ou indiretamente – os “negócios” em suas terras. A grande maioria dos crimes ambientais ocorre em terras públicas ou não escrituradas, daí a resistência de entes criminosos (principalmente os que promovem a cooptação desses grupos) à sua legalização. Até hoje, sequer se regulamentou os dois artigos constitucionais que tratam do assunto. Por experiência própria, em algumas operações na região, já me deparei com reservas indígenas fechadas com porteiras.
Notícias recentes – e não tão recentes (algumas datadas de 2005, 2010, 2011, 2013 e 2014) – dão conta de que indígenas localizados em pais vizinho teriam migrado para território amazônico brasileiro (caso dos Yanomamis e Warao) e estariam, além de desnutridos, apresentando quadro infeccioso. Grupos brasileiros têm acolhido seus irmãos de sangue e, assim, ficam expostos às mesmas enfermidades e à escassez decorrente. Sessenta por cento do território Yanomami encontra-se em país vizinho, cujo regime político e econômico promoveu grande instabilidade social. A mineração do ouro foi entregue a perigosos grupos armados, inclusive estatais, que expulsam mineradores e indígenas dos locais de interesse.
A riqueza mineral da região atrai garimpeiros desde a década de 1970 e essa atividade tem como fatores negativos a contaminação por mercúrio, desflorestamento e consequente perda de biodiversidade. Em uma região impactada pela presença de não indígenas, provocou, inicialmente, sedentalização em grupos seminômades. Da superexploração da terra, veio a falta de alimentos. O resultado de tudo isso? Fome, desnutrição e doenças em povos que, tradicionalmente, vivem do que a natureza lhes oferece e onde nada deveria faltar.
Temos, hoje, indígenas descaracterizados como tal e dependentes de migalhas oferecidas por aqueles que dizem que os querem salvar. Faltarão os tão procurados cogumelos yanomami usados pelos grandes chefs de cozinha europeus? Talvez alguma das cerca de 16 mil ONGs cadastradas pelo IBGE deem uma resposta; talvez os mesmos governos estrangeiros, que se negam ao aprofundamento da questão, queiram se manifestar o quanto determinados regimes políticos totalitários da região impactam a vida de povos indígenas; talvez a grande organização mundial de nações perceba que existem ligações entre interesses econômicos escusos com o que acontece em determinadas regiões do mundo.
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