Por Mariane Rodrigues Biz Silva
Bióloga, especialista em Sustentabilidade e mestra em Ecologia. É sócia-diretora na ProHabitat Assessoria Ambiental, organizadora do AeroFauna (encontro sobre Risco de Fauna no Brasil) e integrante da Diretoria Nacional da REET Brasil
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Em março de 2021, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) revogou o Regulamento Brasileiro da Aviação Civil nº 164 (RBAC 164): Gerenciamento do Risco da Fauna (GRF) nos Aeródromos Públicos, de maio de 2014. E no mesmo dia foi aprovada a 6ª emenda do RBAC nº 153: Aeródromos – Operação, Manutenção e Resposta à Emergência. Isso quer dizer que a importância da gestão do risco de colisões entre a fauna e as aeronaves diminuiu?
A resposta é “não”. O que aconteceu foi a consolidação do entendimento sobre o posicionamento do tema da fauna em relação ao Sistema de Gerenciamento da Segurança Operacional (SGSO), que integra o gerenciamento de risco dentro dos conceitos de gestão, de maneira a garantir proativamente a segurança operacional. O SGSO enfatiza que a gestão da segurança é um processo fundamental a ser considerado de forma equivalente a outros aspectos da gestão empresarial.
Segundo a Anac, agora, está mais claro que o risco de fauna deve ser tratado no âmbito do SGSO como um perigo específico, sendo avaliado seu risco frente às operações aéreas e ações mitigadoras que se fizerem necessárias. Na esfera do SGSO, será monitorada a efetividade dos controles de risco à segurança operacional, busca de melhoria contínua e promoção da segurança.
Nesse discurso, o foco na vida das pessoas está bem evidente. Mas e o bem-estar da fauna, como fica? Bem, quando falamos sobre a interação de animais com as aeronaves, quase sempre nos referimos às consequências das colisões para a operação dos veículos voadores e não aos animais que são feridos ou mortos. Também, considerando o escopo de atuação da Anac, o objetivo da agência é garantir que as pessoas viajem em segurança e não a fauna. De qualquer forma, podemos dizer que os regulamentos também beneficiam os animais, já que visam reduzir o número de incidentes e acidentes decorrentes das colisões.
Afinal, o que mudou então?
Várias exigências permaneceram inalteradas em relação ao RBAC 164, mas houve alterações relevantes, entre elas: (1) mudança nos critérios de aplicabilidade da obrigação em realizar a Identificação do Perigo da Fauna (IPF) e o Programa de Gerenciamento do Risco da Fauna (PGRF); (2) inserção dos Procedimentos Básicos de Gerenciamento do Risco da Fauna; e, (3) prazo de submissão da IPF e do PGRF à Anac.
Antes de continuarmos, vamos adicionar uma explicação rápida para que todos entendam o que significa cada um dos principais documentos solicitados pela agência reguladora da aviação. A IPF é um estudo preliminar, no qual são identificadas as espécies que provocam risco às operações aéreas, o que as atrai e definidas as medidas a serem adotadas para a mitigação do risco de colisões. Os resultados devem proporcionar as bases científicas para o desenvolvimento do PGRF. Esse último é um programa de natureza operacional, que estabelece os procedimentos a serem incorporados à rotina do aeroporto, com a finalidade de reduzir progressivamente o risco de colisões entre aeronaves e animais.
No regulamento anterior, os principais critérios de enquadramento para a obrigação em assegurar a realização da IPF e PGRF eram para os operadores de aeródromos com Certificado Operacional de Aeroportos (previsto no RBAC 139) e voos regulares, independentemente do número de voos. Na nova regra, os critérios se tornaram mais complexos e buscam considerar a realidade de movimentação, econômica e técnica dos diferentes tipos de aeródromos. Agora, apenas os aeroportos Classe III e IV, representados por 29 empreendimentos de maior porte, devem assegurar a realização de uma IPF e de um PGRF. Com isso, houve uma redução de, aproximadamente, 70% no número de aeródromos brasileiros que mandatoriamente devem elaborar IPF e PGRF.
Contudo, a Anac especifica que os Classes I e II, de menor porte, também podem desenvolver IPF e PGRF, se for constatada a necessidade pelo operador ou pela agência reguladora. Além disso, todos os outros empreendimentos, independentemente do seu porte, devem estabelecer os Procedimentos Básicos de Gerenciamento de Risco de Fauna (Instrução Suplementar (IS) nº 153.501-001), entre eles: controle de focos de atração de fauna, manutenção das áreas verdes e do sistema de drenagem, cercamento/barreiras adequados, vistorias periódicas, identificação das espécies, ações mitigadoras a serem adotadas e informações a respeito de técnicas de manejo permitidas. Destaca-se que apesar de chamados “básicos”, os aeródromos continuarão demandando consultas aos especialistas do tema para satisfatória elaboração e aplicação.
Como a IPF é considerada a etapa inicial do gerenciamento de risco de fauna e embasa a elaboração do PGRF, a Anac também fez uma alteração lógica no processo de submissão. As regras anteriores estabeleciam que os dois documentos deveriam ser submetidos para validação concomitantemente. Com isso, caso alguma inconformidade fosse identificada na IPF, os dois documentos tinham que ser substituídos e reavaliados, demandando mais tempo tanto para a Anac quanto para o operador de aeródromo. Agora, a IPF deve ser submetida primeiro e, após sua validação, há um prazo de três meses para apresentação do PGRF à agência.
Portanto, a 6ª emenda do RBAC 153 não trouxe novidades disruptivas para o gerenciamento de risco de fauna no Brasil. As atualizações se referem, principalmente, à consolidação da incorporação do tema no contexto do operacional do aeroporto (SGSO), aplicabilidade, melhorias na redação e na objetividade das regras. Ainda, talvez o novo regulamento resolva alguns problemas anteriores identificados pela Anac de baixa efetividade da IPF e do PGRF para operadores aeroportuários de pequeno porte.
Em relação à gestão de risco e o bem-estar dos animais, de forma geral, mesmo sem uma IPF e um PGRF, os procedimentos básicos, exigidos a todos os aeródromos, são os mesmos previstos no antigo regulamento. Assim, considerando que todos os aeroportos irão aplicá-los adequadamente e que a agência conseguirá acompanhar as ações, os procedimentos básicos podem ser suficientes para mitigar as colisões entre a fauna e as aeronaves no Brasil.
Para saber mais e obter os regulamentos e instruções suplementares, a Anac disponibiliza uma página sobre o tema.
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