Entre certezas e surpresas: saiba quais aves você pode esperar avistar em um local

Um dos maiores encantos da observação de aves é a sua natural imprevisibilidade. Aquela adrenalina de esperar por surpresas a cada voo é contagiante. Apesar disso, é muito bom ter uma boa ideia do que esperar ou não, para alinhar as expectativas e também para facilitar a identificação das espécies de aves.

Para iniciantes, uma dúvida comum é: como saber quais espécies de pássaros podem ser vistas em um determinado lugar? Felizmente, existem conceitos, métodos e ferramentas que ajudam a prever as aves prováveis em uma região, tornando a experiência mais enriquecedora.

O primeiro conceito, que é bastante contraintuitivo, é responder a pergunta: se as aves estão livres para voar, por que é praticamente impossível encontrar, por exemplo, um tangará (Chiroxiphia caudata) na cidade, mesmo quando a espécie é da região? Acontece que a maior parte das espécies de aves têm hábitos e preferências ecológicas altamente especializadas. Isso significa que certos tipos de ambiente, como florestas, campos, áreas urbanas ou zonas úmidas, atraem diferentes grupos de espécies. O tangará é uma espécie essencialmente florestal e, por esse motivo, é quase impossível encontrá-lo pousado no muro de sua casa se ela estiver um pouco distante de uma mata.

Conhecer a vegetação local ajuda na identificação

Conhecer a vegetação local, assim como as flores e frutos da estação, fornece pistas valiosas sobre quais aves podem estar presentes em uma área. Muitas espécies, por exemplo, são facilmente atraídas pelos frutos das palmeiras, como o jerivá (Syagrus romanzoffiana) e do palmito-juçara (Euterpe edulis). O jerivá é uma espécie de palmeira comum nos sítios e cidades e atrai muitos periquitos, tiribas, papagaios e maracanãs; já a juçara é uma palmeira de locais mais sombreados e florestados, atraindo assim espécies como pavó (Pyroderus scutatus) e o tucano-de-bico-verde (Ramphastos dicolorus), que pode ser observado com certa facilidade, por exemplo, no Jardim Botânico de São Paulo – que apesar de estar dentro de uma enorme cidade, a capital paulista, conserva uma floresta com muitas juçaras. No último dia 18 de maio, os tucanos-de-bico-verde encantaram os visitantes do Avistar, a maior feira de observação de aves do Brasil, com sua presença inusitada e linda por natureza.

Essas considerações norteiam nossas expectativas, mas são bastante subjetivas e exigem grande conhecimento ecológico das aves e da paisagem.

Felizmente, existem formas mais acessíveis e objetivas de prever quais aves podem ser observadas em uma localidade. Uma delas é a consulta dos avistamentos anteriores documentados para a região. Esses registros podem ser facilmente obtidos em sites como o Wikiaves e o eBird (Laboratório de Ornitologia da Universidade de Cornell), que são plataformas de Ciência colaborativa que você pode participar também. Esses sites reúnem de forma simples e organizada dados compartilhados por usuários de todo país, permitindo visualizar listas de espécies comuns em cada local e época do ano. É uma verdadeira mina de ouro para quem está começando.

Outra opção muito interessante são os guias de campo regionais, que também são excelentes aliados na tarefa de prever o que encontrar. Eles oferecem informações sobre distribuição geográfica, diferenças entre espécies parecidas, preferências de hábitat e épocas de ocorrência, facilitando a identificação e a expectativa realista do que encontrar. O problema é que não há guias de campo para a maior parte das localidades de nosso imenso país. Um guia muito útil é o Guia Fotográfico AVES – Estado de São Paulo, do autor Edson Endrigo.

Além disso, redes sociais e grupos e clubes de observadores de aves (COAs) são maneiras de obter informações atualizadas e locais. Participar de comunidades no WhatsApp, Facebook ou Telegram permite trocar dicas com observadores experientes, receber relatos recentes, compartilhar dúvidas e experiências e se atualizar sobre avistamentos interessantes perto de você.

Outro aspecto importante é considerar a sazonalidade das aves. Algumas espécies são migratórias e só aparecem em determinadas épocas do ano. Nesse sentido, conhecer a lista brasileira de aves migratórias e procurar informações específicas sobre os registros delas na sua região são primordiais para prever o que encontrar ou não de acordo com a época do ano – muitas aves migratórias são abundantes em determinadas épocas e simplesmente ausentes em outras. No aplicativo Merlin, você pode obter a lista de aves prováveis para o seu município para a data exata de sua consulta.

O comportamento das aves também pode servir como indicador. Certas espécies vocalizam com mais frequência em períodos específicos do dia, como o amanhecer ou o fim da tarde. Muitos pássaros da família dos arapaçus, Dendrocolaptidae, têm esse hábito de cantar com maior frequência no início e finalzinho do dia. Um bom exemplo é o arapaçu-de-cerrado (Lepidocolaptes angustirostris). Levar isso em conta ao planejar uma saída de observação aumenta as chances de sucesso de encontrar as espécies desejadas.

Por fim, a experiência pessoal é insubstituível. Com o tempo, cada observador desenvolve um olhar mais apurado, reconhece padrões e passa a prever com maior facilidade quais espécies deve esperar encontrar em cada localidade que frequenta.

Caso queira mergulhar nessas questões e todas as outras que permeiam a observação de aves por conta própria, recomendo muito o mini curso imersivo de dois dias Detetive de Passarinho, que vai acontecer nos dias 24 e 25 de maio de forma on-line. Conhecer o que pode esperar para uma localidade é um dos artifícios mais poderosos para identificar aves com segurança, sem estragar as surpresas que a observação de aves podem nos proporcionar.

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