A filhote de macaco exibida em shopping: mentiras que viram verdades

Primeiramente, um feliz ano novo a você, leitora ou leitor da coluna Na Linha de Frente, Espero que tenha tido uma virada de ano feliz. Infelizmente, quem não teve uma virada de ano muito feliz foi a Anne, a filhotinha de macaco-prego que estava na posse de uma mulher de 24 anos, flagrada dentro de um shopping de Brasília, permitindo que o animal de origem ilegal ficasse passando pelas mãos de várias pessoas ignorantes para tirarem fotos com ela.

A macaquinha que todos estavam achando linda provavelmente teve sua mãe assassinada e foi retirada da natureza e de sua família para, supostamente, dar suporte a uma alegada infertilidade da “dona” do macaco.

Na minha visão pessoal é bem ridículo levar um macaco-prego ao shopping. Na verdade, considero um ato de maus-tratos contra o animal e mais ridículo ainda são as pessoas pedirem para tirar foto com o bichinho. Isso demonstra o nível em que estamos na questão de respeito aos animais. Talvez a “dona” do macaco e sua mãe estivessem indo a uma loja de cosméticos para comprar batom para a macaquinha… Nada mais natural, não é verdade?

Tenho acompanhado bem de perto todo esse caso absurdo de tráfico de animais. O que posso dizer, com certeza, é que não estamos tratando de um simples caso de crime ambiental, pois, por todo o contexto, é bem provável que tenha existido um crime de receptação, além de terem sido apresentados documentos públicos e particulares falsos aos fiscais do Ibama.

Antes de iniciar os questionamentos, vamos descrever resumidamente os fatos:

1. Fiscais do Ibama flagram uma mulher com a filhotinha de macaco tirando fotos com várias pessoas dentro do shopping.
2. Os fiscais a abordam e solicitam a documentação do animal, que não é apresentada no momento.
3. A responsável pelo animal alega ter os documentos e que vai apresentá-los. Ela informa aos fiscais do Ibama um endereço residencial.
4. Os fiscais vão até o endereço informado, mas ela não reside no local.
5. Os fiscais conseguem localizar a responsável pela macaca, que apresenta documentos falsos do Sisfauna, comprovando que o animal é oriundo do tráfico de animais.
6. O animal e os documentos são apreendidos.
7. A macaquinha é enviada ao Centro de Triagem de Animais Silvestres do Ibama no Distrito Federal e os servidores conseguem inseri-la em um bando com outros animais da espécies para que se readapte e seja devolvida para a natureza.
8. A mulher e sua mãe dão entrevistas alegando serem vítimas, dando a entender que estavam de boa-fé. A responsável pelo animal afirma tê-lo adquirido por ser infértil.

Analisando os fatos

Agora, vamos analisar a suposta boa-fé e os fatos. Quem age de boa-fé informa endereço errado de residência para tentar enganar os fiscais?  A responsável pelo animal já apresentou ao TRF-1 (Justiça Federal) os comprovantes de pagamento do animal? Ela apresentou algum laudo de sua suposta infertilidade ao TRF-1? Por que um laudo veterinário só foi buscado depois da fiscalização no shopping? As afirmações inseridas no laudo veterinário são baseadas cientificamente em quê?  Quem são os traficantes que, como diz a mãe da mulher, ofereceram macacos por um preço menor? Essas duas mulheres fizeram contatos com esses traficantes? Como? Por que não denunciaram esses supostos traficantes? O TRF-1 sabe que houve esses contatos? Isso foi colocado na petição? Se conseguiram conversar com traficantes de macacos, será que conseguiram ligar para o criadouro legalizado para se informar sobre a aquisição de um animal legalizado?

Essas são algumas perguntas que ambas devem responder. Onde estão os comprovantes de pagamento? Quem os fez? Para quem os fez?

Não basta afirmar ter agido de boa-fé, tem que comprovar e agir como tal. Até mesmo porque, mentiras em processos e inserção de documentação falsa pode vir a configurar fraude processual.

Em maio de 2023, escrevi um artigo aqui no Fauna News sobre esse assunto e meu último artigo aborda exatamente sobre a origem desses macacos ilegais, que têm suas mães mortas para satisfazer a vontade de ostentação inútil dessa gente ignorante e mimada. A macaquinha Anne, senhoras que alegam ter agido de boa fé, são fruto da morte, crueldade e covardia, e vocês duas são cúmplices da morte da mãe da Anne.

Porém, mais covarde e cruel é entrar com um pedido na Justiça pela devolução do animal. Mais covarde e cruel é saber que a Anne estava com outros da sua espécie, colocada em um grupo que estava sendo preparado para retornar a liberdade na natureza e, novamente, por interesse apenas pessoal, foi retirda do Cetas e retornou para uma vida de passeios em shopping para fotos e compras de batom.

Pessoalmente, tenho convicção absoluta, que a última coisa que existe neste caso é boa-fé. Pelo contrário, já existem provas suficientes de vários crimes, inclusive do artigo 69 da Lei nº 9.605 (“obstar ou dificultar a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais”) quando a mulher informou o endereço errado de sua residência para dificultar a ação fiscalizadora.

Prejuízos causados neste processo

Agora vamos aos prejuízos que tudo isso causa. Primeiro, o prejuízo à própria natureza, onde uma fêmea adulta de macaco-prego foi morta por caçadores e traficantes de fauna e Anne foi retirada de seu hábitat.

Segundo, com o pedido de devolução da filhotinha na Justiça. O que estaria resolvido com a apreensão do animal e seu envio ao Cetas, gerará multiplicação dos gastos públicos, pois agora existe uma re-demanda de servidores e órgãos, que custam mais recursos financeiros e humanos que o caso exigiria, gastando mais tempo do Ibama, das polícias e do Judiciário.

Terceiro, é a questão da própria imagem do poder público, envolvido na confusão judicial causada por quem adquiriu um animal traficado, que acha ter razão de seguir passeando com o macaco no shopping e que o importante é conseguir resolver seu problema pessoal de uma suposta infertilidade. O Ibama, a polícia e o Judiciário se desgastam. O Judiciário principalmente, pois foi “induzido” a erro por conta de um capricho pessoal de quem não está de boa-fé. O órgão ambiental deveria ter sido ouvido, pois toda a verdade dos fatos, com certeza, não é a que está na petição dirigida ao TRF-1.

Para a responsável pela macaquinha e sua mãe, o importante não é a Anne, não é a vida da filhotinha que teve a mãe assassinada. O importante é a Anne ser delas. Elas não se importam com a vida do animal, mas somente com suas vontades pessoais.

Reportagem do portal Metrópoles diz que ”(…) o marido havia comprado o animal, pois a esposa não podia ter filhos. (…)”. Mas qual a relação do problema pessoal de uma suposta infertilidade com a compra do animal traficado? Por que não adquiriu um cachorro ou um gato?

Documentos falsos e falta de provas

A reportagem diz ainda que a decisão do TRF-1 teria concluído que “os documentos apontados como falsos não passaram por perícia técnica”, o que demonstra até um certo desconhecimento, pois a maioria das falsidades documentais não precisa de perícia – os próprios dados já comprovam que o documento não é autêntico e, no caso de animais silvestres, a autenticidade é vista no mesmo ato da fiscalização pelo Sistema Sisfauna (primeiro consultando a Relação Direta das Vendas ao Consumidor, que é a lista em que o criador deve informar o sistema, com a espécie e a data da venda do animal).

Esse é um dado fático, e não existiu nenhuma venda de macaco-prego do criador para a mulher envolvida na data colocada no falso Certificado de Origem apresentado. Lembrando que o único criador autorizado de macacos-prego do Brasil fica em Santa Catarina e que, atualmente, encontra-se embargado – não existindo nenhuma maneira de adquirir macaco-prego legalmente.

A outra forma é a própria leitura do QR-Code do Certificado de Origem, que informa se a documentação é verdadeira ou não. Ou seja, perícia técnica para esse caso é desnecessária, bastando a confrontação dos dados com o documento apresentado.

Tenho convicção absoluta que o TRF-1 irá rever todos esses fatos, pois ninguém gosta de ser enganado, e a visão do processo será pela vida do animal e não pela suposta infertilidade da responsável pela macaca. Além disso, o Ibama e a polícia demonstrarão que existe uma teia criminosa por trás de toda essa situação, inclusive com a fabricação de documentos falsos.

Desejo um feliz ano novo a todos, com o pensamento de que Anne vai trazer muita reflexão ao poder público e consciência à população, pois a morte de sua mãe para atender caprichos humanos não será em vão. Parabéns aos fiscais do Ibama por fazerem a real educação ambiental e lutarem contra a ignorância dos homens.

Até a próxima.

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