Por que precisamos ir além do “Silvestre não é pet”

Nos últimos dias, eu me deixei prolongar na questão de qual seria o tema do meu último artigo de 2024 para esta coluna. Qual é a mensagem que eu quero deixar para 2025? – me perguntei diversas vezes antes de chegar a uma ideia que, por sua probabilidade de ser ou se tornar impopular, me pareceu genial. Genial como tudo que gera um desconforto e uma conversa incapaz de passar despercebida, deixando assim um aprendizado, uma pulga atrás da orelha, um “triplex alugado”, um novo parafuso na cabeça…

Ainda que eu não goste (como quem não acha muito produtivo) de nada “preto no branco”, acredito piamente na validade do simples. Eu sei que, assim como para aprender trigonometria, precisamos primeiro aprender a somar e a dividir, certas conversas precisam começar do básico. Eu entendo. Eu entendo que categorizar um animal como silvestre e o outro como doméstico é o “abc” que se usa para escrever de onde vem, como e em que lugar cada grupo vive. É categórico e está nos livros.

Mas queria pedir licença para relembrar você da diferença entre informação e conhecimento a partir de um exemplo aleatório: informação é saber o que é um ovo e o que é farinha. Conhecimento é saber que misturando os dois eu posso fazer um bolo.

Uma coisa é saber o que é um animal silvestre e o que é um animal doméstico. Isso é uma informação.

“Silvestre não é pet” pode ser um argumento, uma campanha, um grito de guerra, um slogan, mas uma coisa não é: não é uma informação. É um discurso ético, um esclarecimento arrazoado, uma alegação em um debate, mas é, fatalmente, uma fala rasa – carece de aprofundamento efetivo, de um conhecimento prévio, de uma sequência interligada de informações. 

Na prática, a maioria das pessoas é capaz de aceitar que um animal silvestre vive na natureza e que gatinhos comem comidinhas de sachê, mas não entendem por que exatamente isso significa que animais silvestres não são ou podem ser pets também. E se você parar para pensar de “coração aberto”, você vai perceber que uma coisa realmente não explica exatamente a outra e a prova disso é que quando alguém diz que “silvestre não é pet”, a primeira reação incitada da outra pessoa é perguntar “por quê?”.

Você pode dizer “porque animal silvestre mora na natureza” e alguém pode perguntar: “então se eu tirar ele de lá e criá-lo na minha casa, ele vira pet?”.

Você pode explicar que “macacos-prego pet sofrem quando são afastados de suas mães precocemente” e que “vida não se vende”, mas alguém pode refutar com “sim, mas e com cachorro pode por quê?”.

Você pode argumentar “cachorro e gato foram domesticados e convivem conosco há milhares de anos, papagaio não” e isso não vai significar muita coisa quando a pessoa, que não tem base alguma no estudo de Biologia e Evolução, responder com “pois é, mais uma prova que um dia eles também foram ‘silvestres’” e ainda dar um exemplo de um avô ou vizinha que tem um papagaio de mais de 20 anos “apegado” à sua “família humana” e que vive “muito feliz” e saudável, obrigada.

Numa última cartada você pode falar: “a alimentação dos animais silvestres é muito específica”, mas, por fim, hoje em dia há uma grande variedade e especificidade de recintos e rações manipuladas e manipuláveis para a grande maioria das espécies animais, bem como veterinários especializados.

E agora?

A verdade é que ainda que para os ambientalistas e animalistas seja óbvio, a razoabilidade do argumento “silvestre não é pet” se baseia numa conexão entre dois (ou mais) pontos que não é assim tão simples de fazer ou justificar para quem quer muito um pet exótico ou para quem simplesmente defende a criação doméstica de animais silvestres como algo inofensivo. Principalmente quando essa prática é abarcada pela legislação brasileira.

Na Constituição Federal de 1988, o artigo 225 afirma que:

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Bonito, né? Mas peço para que todos atentem ao fato de que o meio ambiente, que aqui engloba os animais, é descrito como “bem de uso comum do povo”. E não muito antes à data em que a Constituição foi promulgada, a Lei nº 5.197/1967, “Lei Geral da Fauna”, em seu artigo 6º já dizia que: “o Poder Público estimulará: (…) b) a construção de criadouros destinados à criação de animais silvestres para fins econômicos e industriais”.

Ora. Se a própria lei nos dá o direito de usar os animais – “bem de uso comum do povo” – para ganhos financeiros pessoais e fins comerciais (como com a reprodução em cativeiro e a venda), é óbvio que para algumas pessoas o “silvestre não é pet” soa mais como uma “opinião” do que como verdade absoluta.

Claro que existem argumentos e artigos científicos que elucidam (o meu incluso) que o tema não é apenas uma questão de preferência pessoal, mas o que eu estou querendo dizer é: “silvestre não é pet” não é capaz de resumir um artigo ou argumento científico. Uma imagem talvez, mas quatro palavras não são capazes de dizer mais do que mil outras.

É por isso que nos últimos tempos eu venho refletindo e me desconstruindo e me questionando sobre se essa fala (a de que “silvestre não é pet”) não só não é tão útil ou construtiva quanto eu (e muita gente) gostaria, como acaba “incomodando” por não abrir espaço para perguntas honestas e “incita o ódio” ao gerar discussões acaloradas e ultra polarizadas que mais parecem briga de torcida de time de futebol.

Qual a saída?

Mas calma, chegamos. É aqui que eu vou responder a pergunta que está pairando na sua cabeça: “mas então qual é a saída? Aceitarmos calados?” Não, silenciar jamais. E é justamente sobre isso. Em vez de bater o martelo com uma frase pronta que visa vencer a discussão e não uma resolução, precisamos enfrentar a situação com a coragem do diálogo – mesmo não convencendo todos os envolvidos.

A maioria das discussões (e relações) entre duas ou mais pessoas funcionariam melhor se a gente as iniciasse pelo alinhamento de definições e conceitos. Por exemplo: “O que é um pet pra você?”. O comportamento de um gato é completamente diferente do de um cachorro e quem vai criar um ou outro precisa ter isso em mente quando decide trazer para casa. Um cachorro de grande porte precisa de espaço e passeios, tem mais energia e, por isso, demanda mais atenção. Um gato da raça Sphynx precisa de banhos regulares, passar protetor solar e até colírio. Será que a pessoa tem uma casa e uma rotina que seja capaz de abarcar as necessidades desses pets e ademais, tempo e condições financeiras para cria-los? E reparem que eu nem sequer precisei sair do âmbito dos “animais domésticos” para vocês entenderem que, às vezes, o que falta é as pessoas pensarem sobre suas escolhas antes de fazê-las, independentemente de se elas envolvem um animal silvestre, doméstico ou até mesmo um filho.

Sabe algo que é capaz de reduzir em até 40% a demanda de compra de um pet exótico/silvestre? Conhecimento. A pessoa que quer pet exótico sabe do gasto energético e financeiro que ele vai demandar? Essa pessoa já pensou sobre suas expectativas e sobre qual é a realidade? Além disso, ainda que a pessoa acredite que tem tudo que precisa para criar o tal pet exótico: e daqui a 20 anos? Considerando que um macaco-prego vive 40 anos em cativeiro, como e onde será que essa pessoa se vê daqui há 20, 30 anos?

Tem gente que diz que o que falta é interpretação de texto, mas a verdade é que, hoje em dia, nesta sociedade contemporânea usuária de redes sociais (onde tudo é disponível e imediato), o que falta é, basicamente, o uso do cérebro, do raciocínio, da reflexão, do pensar, do interpretar de tudo e qualquer coisa – não só do texto. Precisamos sim do básico: apresentar conceitos, mudar a letra da lei, criar conhecimento de base… Mas, sobretudo, as pessoas precisam voltar a pensar.

Nós já dividimos a sociedade em pessoas que afirmam que “silvestre não é pet” e pessoas que respondem que “silvestre é pet sim” e continuamos no raso (que nos sai muito caro).

Pra 2025 e anos seguintes, precisamos praticar ir além e aprofundar. Talvez seja a hora de deixar quem tem “pets exóticos” falar. Talvez seja a hora de exigir e cobrar que eles falem, principalmente aqueles com mais de um milhão de seguidores nas redes sociais.

A educação ambiental é um dever obrigatório daqueles que escolheram ter em casa um ser que é parte integrante e importante de uma cadeia ambiental que é direito nosso.

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