Cecília Barreto
Médica veterinária, analista ambiental do Ibama e chefe do Centro de Triagem de Animais Silvestres do órgão em Belo Horizonte (MG).
Os centros de triagem e reabilitação de animais silvestres (Cetras) fazem parte de um importante elo no combate ao tráfico de animais silvestres pois possibilitam o manejo adequado dos diversos espécimes que são apreendidos pelos órgãos de fiscalização, além de também atender os recolhidos em situação de risco ou entregues voluntariamente pela população.
Cetras são locais de passagem. Neles os animais são identificados de acordo com a espécie, passam por minuciosa avaliação clínica, física e comportamental e recebem os cuidados necessários para que possam se recuperar e iniciar o processo de reabilitação. Os animais permanecem nesses centros apenas pelo tempo necessário até que estejam aptos a serem encaminhados para destinação final que, para a grande maioria deles, é o retorno à natureza.
Com a publicação da Lei Complementar nº 140, em dezembro de 2011, a responsabilidade pela gestão da fauna silvestre em cativeiro foi repassada da União para os Estados. No entanto, não houve repasse das atribuições referentes à fauna de vida livre e do manejo de espécies ameaçadas de extinção, que continuaram sendo atribuição federal. Criou-se, assim, um cenário em que tanto os Estados quanto a União devem manter Cetras para atender os animais oriundos de ações sob suas responsabilidades.
Diante de tal contexto, considerando que o Ibama em Minas Gerais contava com uma equipe técnica altamente capacitada, experiente e três centros de triagem (chamados Cetas) em funcionamento, e que o Estado precisaria começar os trabalhos do zero, entendeu-se que a formalização de um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) entre os órgãos seria a melhor forma de lidar com a mudança sem que a fauna silvestre fosse afetada. Assim, em 5 de junho de 2013, foi firmado um ACT entre Ibama/MG e o Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais (IEF/MG) visando o compartilhamento e a gestão dos centros pertencentes ao órgão federal no Estado.
Um dos maiores entraves para o funcionamento dos centros de triagem e reabilitação é a formação de sua equipe técnica. O modelo de gestão compartilhada do Cetas de Belo Horizonte, um dos poucos em vigor no país, permite que as equipes de ambos os institutos trabalhem em conjunto, praticamente dobrando a força de trabalho que as instituições possuiriam se atuassem isoladamente. Além de otimizar as equipes, o ACT evita o desperdício de recursos públicos, tão escassos em ambas as esferas governamentais, acabando com a necessidade de duplicações de construções e estruturas que teriam as mesmas funções e objetivos.
Além da parceria com o IEF/MG em 2020 o Ibama/MG também assinou um ACT com a ONG Waita – Instituto de Pesquisa e Conservação, visando o desenvolvimento de atividades de conservação do meio ambiente. Através desse acordo são desenvolvidos diversos projetos em parceria entre as instituições, somando ainda mais esforços e aumentando substancialmente a equipe técnica atuante no Cetas. Os trabalhos em conjunto vão desde o manejo diário com animais, passando pela reabilitação, soltura monitorada, cadastramento de novas áreas de soltura, resgate de fauna silvestre em situações de risco na região metropolitana de Belo Horizonte entre tantos outros.
O projeto Bicho Solto, por exemplo, permite que profissionais do Waita atuem diretamente na rotina do Cetas de Belo Horizonte, o que inclui o manejo dos animais. O fortalecimento da equipe permite o desenvolvimento cuidadoso dos trabalhos com os espécimes, aumentando a eficiência, reduzindo o tempo de reabilitação e, consequentemente, o tempo que eles são mantidos no Cetas.
O maior número de profissionais possibilita a diversificação dos trabalhos e de atuação e cooperação em projetos de conservação que seriam impensáveis de serem realizados por equipes reduzidas.
Outro braço dessa parceria é o Projeto Voar, desenvolvido com papagaios-verdadeiro (Amazona aestiva) e papagaios-do-peito-roxo (Amazona vinacea) e que visa a reabilitação e soltura monitorada desses animais. Eles são recebidos e atendidos no Cetas de Belo Horizonte e soltos em duas Áreas de Soltura de Animais Silvestres (Asas) cadastrada pelo Ibama e pelo IEF após levantamento de fauna realizado pela equipe do Waita.
O longo e cuidadoso monitoramento pós soltura realizado pela equipe de campo do Waita vem demonstrando, de forma científica, que mesmo aqueles animais mantidos em cativeiro por longos anos são capazes de voltar à natureza depois de corretamente treinados, conseguindo se integrar em bandos de animais de vida livre e se reproduzindo. São dados importantíssimos para embasar um trabalho tão importante, mas ao mesmo tempo rotineiramente questionado.
A gestão e operação de um Cetras é um enorme desafio – independentemente de quem é o responsável, seja órgão público, empresa privada ou representantes do terceiro setor. Os custos de manutenção são extremamente elevados e a equipe técnica precisa ser especializada. A experiência mineira mostra que a união de diferentes esferas governamentais e do terceiro setor sob um mesmo objetivo permite que as dificuldades enfrentadas no dia a dia da gestão de estruturas complexas e que requerem alto investimento para sua manutenção sejam minimizadas. As parcerias trazem benefícios inestimáveis para o manejo dos animais, com o incremento de profissionais capacitados e redução de despesas com o compartilhamento de estruturas de alto custo de manutenção.
Todo esse esforço somado se reflete em um ganho substancial para os animais, que têm um acompanhamento mais próximo, uma reabilitação cuidadosa e eficiente e garantem a possibilidade de retorno à liberdade com monitoramento pós soltura em áreas cuidadosamente escolhidas e cadastradas.
Afinal, o objetivo de todos é que os animais recebidos nos Cetras tenham uma merecida segunda chance.