Boa notícia: pesca de arrasto no Rio Grande do Sul está proibida

Em 30 de junho, a maioria do Supremo Tribunal Federal (STF) votou pela proibição da volta da pesca industrial de arrasto no mar territorial do Rio Grande do Sul, faixa que corresponde a 12 milhas náuticas (ou 23 quilômetros) da costa gaúcha. Foi uma conquista da pesca artesanal que protege a vida marinha e todos e todas nós.

O que estava em jogo era a constitucionalidade da Lei estadual Nº 15.223, aprovada em setembro de 2018, e que instituiu a Política Estadual de Desenvolvimento Sustentável da Pesca no Rio Grande do Sul. A mobilização para a criação dessa lei contou com lideranças da pesca artesanal do Estado e foi aprovada por unanimidade na Assembleia Legislativa. Essa política tem o objetivo de

promover o desenvolvimento sustentável da atividade pesqueira como forma de promoção de programas de inclusão social, de qualidade de vida das comunidades pesqueiras, de geração de trabalho e renda e de conservação da biodiversidade aquática para o usufruto desta e das gerações futuras.”

Além dos princípios e diretrizes, a lei apresenta definições de conceitos relacionados à pesca, à classificação de embarcações e das atividades pesqueiras, às obrigações do poder público sobre implementação e fiscalização, às medidas de gestão dos recursos pesqueiros (como períodos de defeso e tamanhos de captura), às vedações estabelecidas, entre outros.

Entre as vedações, está a proibição “para toda e qualquer rede de arrasto tracionada por embarcações motorizadas, em todo território do estado do Rio Grande do Sul, incluindo as 12 milhas náuticas da faixa marítima da zona costeira do Estado”. Essa medida – assim como as demais medidas da lei – visa contribuir para a sustentabilidade da atividade pesqueira artesanal no longo prazo, contribuindo para a conservação da biodiversidade marinha e para o bem viver das comunidades tradicionalmente vinculadas ao mar.

A constitucionalidade da lei, entretanto, foi questionada por um deputado do Partido Liberal (PL) de Santa Catarina, que em 2019 ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 6.218), sustentando que a lei estadual teria “invadido a competência do Congresso Nacional para legislar sobre bem da União”. Entre 2019 e 2023, a liberação e a suspensão da pesca de arrasto no Rio Grande do Sul estiveram nas mãos do poder público e a sequência dos acontecimentos pode ser acompanhada na linha do tempo abaixo produzida pela Emater-RS.

Felizmente, no final de junho de 2023, os ministros do STF votaram pela plena validade jurídico constitucional da lei gaúcha, com um placar de 9 a 1. Eles reconheceram a competência do Estado para legislar sobre a pesca e a proteção do ambiente e que os artigos da lei que estavam sendo contestados eram importantes para o desenvolvimento sustentável da pesca. Também defenderam a compatibilidade da Lei estadual nº 15.223/2018 com as normas estabelecidas pela Lei federal nº 11.959/2009, que vedam qualquer modalidade de pesca predatória no mar brasileiro.

O que é a pesca industrial de arrasto

A pesca industrial de arrasto é, sem dúvida, uma modalidade predatória, pois escasseia abundâncias em desperdícios. Essa arte de pesca utiliza grandes redes puxadas por uma ou duas embarcações motorizadas, fazendo uma varredura no fundo do mar, arrastando todos os organismos no caminho das redes. Isso ocasiona um cenário equivalente ao desmatamento, mas no fundo do mar; além da captura incidental de diversos organismos que não são alvo da pesca e que acabam descartados sem vida.

Estima-se que a pesca de arrasto contribua com menos de 20% da produção pesqueira, enquanto corresponde a mais de 50% do desperdício mundial de pescados – comprometendo os ecossistemas marinhos, reduzindo sua produtividade, riqueza e diversidade.

Com o julgamento da ADI nº 6.218 no STF, a Lei estadual nº15.223/2018 está plenamente vigente, proibindo a pesca de arrasto no litoral gaúcho. Regular essa atividade contribui para a proteção dos recursos hidrobiológicos e do ecossistema marinho, além da manutenção da economia estadual e nacional vinculada ao setor pesqueiro e a segurança alimentar e nutricional de quem vive da pesca artesanal (no Rio Grande do Sul são cerca de 14 mil famílias).

Essas famílias sentiram os impactos negativos da pesca de arrasto no sul do Brasil, que se intensificou a partir da década de 1980. A escassez se deu em razão da diminuição da biomassa dos principais recursos pesqueiros, que também foi observada pela Ciência ao longo dos anos. Os esforços e os dados de anos de pesquisas científicas contribuíram para subsidiar a construção Lei estadual nº 15.223/2018, bem como o conhecimento ecológico tradicional de pescadores e pescadoras artesanais.

Aproveito para compartilhar o documentário “12 Milhas – Uma luta contra a pesca de arrasto“, produzido pela Oceana Brasil, com a participação de pesquisadores e pescadoras e lideranças da pesca artesanal no Rio Grande do Sul, em defesa do mar gaúcho: “proteger para pescar sempre”.

Essa vitória é um bonito exemplo de como a sociedade civil organizada tem poder para mudar as estruturas e contribuir para a proteção da biodiversidade através de estratégias de conservação efetivas.

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