Por Suzana Padua
Mestra em educação ambiental e doutora em desenvolvimento sustentável. Co-fundadora e presidente do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas e da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (Escas)
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A comunicação do ambientalismo tem se destacado pela maneira negativa com que dissemina notícias que assustam, como mudanças climáticas, contaminação e escassez de água, desequilíbrios diversos que causam tragédias e perdas de biodiversidade, e injustiças sociais de toda sorte. Mesmo que esse noticiário seja verdadeiro, o ser humano tem a tendência de bloquear tudo o que necessita de medidas variadas, por não saber exatamente o que precisa fazer. O campo da psicologia conhece bem esse processo que leva as pessoas a bloqueios mentais por não vislumbrarem soluções quando o problema é complexo. Por isso, temos que mudar e reaprender a nos comunicar; devemos desbravar caminhos inusitados para a educação.
O mundo científico também pode ser de grande valor para nos direcionar a soluções. Porém, nem sempre é acessível a todos e é comum que se concentre em especialidades que somente pares da Ciência compreendam. Mas os problemas socioambientais da atualidade são complexos e exigem visões multifacetadas e interligadas para que as soluções surtam efeitos.
Ao contrário de abordagens negativas, o estímulo ao envolvimento e à ação pode ser mais bem respondido pelo belo, pelo encantamento, pelo deslumbramento com a natureza. São infinitas as lições que o mundo natural tem a nos ofertar e essa abordagem vale ser testada.
Introduzir a noção do que é visão sistêmica, por exemplo, pode trazer uma maior compreensão da vida e de seus mecanismos interligados. A descoberta da complexidade no próprio corpo humano, como cada órgão complementa o funcionamento dos demais, por um depender do outro, alimentados pelo ar que respiramos, pelos alimentos que ingerimos, pelo batimento cardíaco que bombeia sangue para que tudo pulse, pode nos ajudar a compreender o funcionamento do todo. O mesmo ocorre com ecossistemas que conjuntamente trazem as condições para a existência de uma biodiversidade inimaginável, tendo ligação entre eles e todos os elementos que os compõem. No cosmos não é diferente, pois os corpos celestes contam com uma rede intrincada de interdependências, aliás, com organizações similares com o cerebelo humano, como pode ser visto neste vídeo:
https://www.youtube.com/watch?v=WzJfH_NUPF8
Essa talvez seja uma forma de trazer um senso de ‘maravilhamento’ pela vida. Outro vídeo mostra a relação do micro ao macro e como estamos conectados por sistemas que parecem análogos. Simples exames médicos que auscultam o coração ou visualizam o fluxo sanguíneo de um ser humano podem ajudar a valorizar o mecanismo que é necessário para que a vida ocorra.
A tônica predominante da humanidade tem sido de disputa e competição, o que distancia as pessoas ao invés de as unir. Essa foi uma postura importante no passado para evoluirmos até chegarmos aqui, com as tecnologias e conhecimentos disponíveis hoje. Mas agora, precisamos dar um salto do individualismo para o coletivismo. Precisamos despertar para outros valores que levem em conta a coletividade e a proteção de tantas maravilhas que herdamos e que nos permitem estar vivos.
Vertentes da educação ambiental que levam em conta a coletividade
Precisamos de “abordagens inclusivas” na educação ambiental, que compreendam uma nova ética que leve a mudanças de comportamentos. Mudar comportamentos humanos é sempre desafiador porque as pessoas tendem a se apegar a seus hábitos. Mas para protegermos a coletividade, precisamos de posturas éticas, solidárias e participativas. Daí a razão de valores serem indispensáveis para educação ambiental, sempre somados a conhecimentos que ajudem a compreensão das questões a serem trabalhadas (Padua, 2000).
É necessário transformar os princípios que orientam as decisões de cada um, de modo a favorecer a vida. O indivíduo precisa ser educado para questionar e ousar, o que difere da educação tradicional que espera que o aluno seja obediente e cordato. Segundo Glazer (1999), o ser humano tem um sentimento de quem é e do que é capaz, e isso pode ser estabelecido de fora para dentro ou de dentro para fora. O que vem de fora para dentro normalmente é rejeitado por ser percebido como imposição ou doutrinação. O que brota de dentro para fora, que é estimulado por reflexões, escolhas conscientes e experiências, é compreendido como expressão. Essa é uma vertente que precisa ser incorporada pelo educador para melhor incentivar o potencial de cada um, os talentos individuais que por vezes são óbvios, mas em muitos casos escondidos até do próprio aluno.
Esse estímulo ao potencial individual pode ser uma bela forma de contribuir para a transformação de realidades que resultem em benefícios para a coletividade. O desenvolvimento de habilidades individuais pode, assim, ser trabalhado para se obter ganhos coletivos, ajudando na compreensão e na experimentação de vivências compartilhadas. Grupos que se juntam para desenhar projetos e solucionar problemas comuns têm sido abordagens interessantes, que ajudam as pessoas a descobrirem suas próprias capacidades, as empoderando a ousarem inovar e buscar caminhos que considerem mais promissores.
Posturas transparentes e inclusivas condizem com a visão de um filósofo chamado Martin Buber (1974; 1987). Para ele, a razão da existência está na relação, melhor caminho para a pessoa evoluir e se manifestar plenamente. Defende que uma relação só se estabelece verdadeiramente quando um percebe o outro em sua dimensão integral. Buber classifica essa relação de ‘Eu-Tu’, possível quando a interação é com pessoas que se respeitam e reconhecem o valor do outro, concordando ou não com o que pensam. As relações em que inexiste essa celebração da diversidade, nas quais uns se sentem superiores aos outros, uns servem enquanto outros são servidos, ele classifica de Eu-Isso’. E é no “Eu-Tu” que se dá o crescimento profundo do indivíduo.
Buber ainda defende a metáfora de que o coração concentra o ser, o senso moral e o espírito. Por isso, abrir o coração permite experienciar com profundidade a existência plena do ser. É quando há a penetração silenciosa de saber. É quando a compreensão brilha antes da formulação e da interpretação mental. É a incorporação de valores existenciais. Na troca verdadeira, um ser se volta ao outro integralmente, porque o diálogo vem do coração.
O senso quase individual de celebração da vida precisa se voltar à coletividade, às comunidades, às instituições dentro de princípios dialógicos que permitam o crescimento de todos e a abertura para o novo. Minha contribuição ao pensamento de Buber é que a relação “Eu-Tu” precisa urgentemente passar a ser “Nós-Vocês”, com o diálogo se tornando um princípio de vida e o respeito a base para as relações. A evolução desse novo paradigma traz um reconhecimento das qualidades das diferenças, e não a oposição a elas. As diferenças passam a ser celebradas, o que pode ser comparado à riqueza de espécies na natureza, que só a enriquece.
Com essa compreensão, o educador pode ser ainda mais imprescindível, se concordar e adotar esse ferramental de empoderamento de seus alunos. Com isso, passa a propiciar a criação de redes de conversas, trocas e construções coletivas. Essa tem sido a abordagem de muitos educadores como Zé Pacheco, ou mesmo Bill Stapp, um dos formuladores da educação ambiental em seu nascedouro.
Essa linha de pensamento assemelha-se às ideias de Paulo Freire (1979), quando defende que educação é diálogo. A relação precisa ser horizontal entre pessoas que se nutrem “de amor, de humanidade, de esperança, de fé e de confiança” (1979: 68). A relação depende de diálogo e quando os dois polos do diálogo se ligam com base no amor e na fé no próximo, se “fazem critérios na procura de algo e se produz uma relação de ‘empatia’ entre ambos” (Freire, 1979: 68). A comunicação é, portanto, indispensável para a construção consciente da realidade, que depende de uma postura amorosa, humilde, crítica, esperançosa, confiante e criadora.
A inclusão das questões ambientais como fundamento de uma educação para a cidadania condiz com a noção de sua abrangência, o que seria suficiente para dispensar o adjetivo ‘ambiental’. A educação ambiental chama a atenção para o que precisa ser incluído e incorporado aos sistemas de aprendizado que utilizam reflexões críticas e decisões participativas, dando às pessoas e aos grupos sociais maiores chances de escolherem seus destinos conscientemente. A participação pode ser a chave para o real exercício da cidadania.
Referências
– BUBER, Martin. Eu e Tu. São Paulo: Centauro Editora. 1974.
_________. Sobre comunidade. São Paulo: Editora Perspectiva. 1987.
– FREIRE, Paulo. Educação e mudança. São Paulo: Editora Paz e Terra. 1979.
– GLAZER, Steven. The heart of learning: spirituality in education. New York: Penguin Putman Inc. 1999.
– PADUA, Suzana Machado. Educação Ambiental: um caminho possível para mudanças. In: MEC (org.). Reflexões sobre o panorama da educação ambiental no ensino formal. Brasília: COEA, MEC, 28 e 29 de fevereiro. 2000.
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