Por Elisângela de Albuquerque Sobreira
Pós-doutoranda em Epidemiologia Experimental Aplicada às Zoonoses na Universidade de São Paulo (USP). Mestra em Ecologia e Evolução e doutora em Animais Selvagens pela Universidade Estadual Paulista. Coordenadora de Fauna da Prefeitura de Anápolis (GO). presidente da Comissão de Animais Selvagens e Meio Ambiente do Conselho Regional de Medicina Veterinária de Goiás e docente na UniGoyazes.
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O vírus zika é um flavivírus transmitido por mosquitos que está intimamente relacionado ao vírus da dengue. Foi isolado pela primeira vez em 1947 na floresta de Zika (daí o nome), em Uganda, do soro de um macaco rhesus sentinela mantido lá para vigilância da febre amarela.
O vírus da zika foi subsequentemente isolado de mosquitos Aedes africanus em 1948 e de humanos em 1952 em Uganda e na Tanzânia. Casos humanos isolados e surtos da doença foram periodicamente identificados na África. Nas décadas de 1970 e 1980, o zika surgiu na Ásia. A infecção era considerada amplamente assintomática ou causava apenas uma doença febril leve caracterizada por febre, erupção cutânea, conjuntivite, dor de cabeça e dor nas articulações. Não foi historicamente associado a surtos ou epidemias generalizadas.
Então, em 2007, um grande surto de zika ocorreu na Ilha Yap, no Pacífico sul. Essa epidemia infectou aproximadamente 70% dos residentes e foi o maior surto da doença registrado na época. Posteriormente, o vírus causou surtos em todas as ilhas do Pacífico.
O surgimento do zika como uma emergência de saúde pública mundial em 2016 foi, portanto, surpreendente. O vírus se espalhou pelo norte do Brasil, provavelmente sem ser notado por quase dois anos, até que sua presença foi associada a um aumento nos relatos de erupção febril. A partir daí, o zika se alastrou rapidamente, com casos autóctones identificados em 48 países e territórios em março de 2017.
Nas Américas, o vírus da zika é transmitido principalmente entre pessoas pelos mosquitos Aedes aegypti. Essa espécie de mosquito se adaptou para viver em estreita proximidade com os homens e transmite uma série de patógenos humanos importantes, incluindo os vírus da dengue e vírus chikungunya.
O rápido crescimento da população humana e a expansão sem precedentes das áreas urbanas resultaram em infraestrutura inadequada de distribuição de água tratada e coleta e tratamento de esgoto, o que tornou o controle de populações de mosquitos extremamente difíceis. Além da transmissão vetorial (por um vetor, no caso, o mosquito) e vertical (da mãe gestante para o fiho), o zika também é transmitido sexualmente. A transmissão sexual foi relatada pela primeira vez em 2011, mas recebeu pouca atenção até que outros casos fossem identificados durante o surto em andamento nas Américas.
Até o momento, dois estudos investigaram o impacto da infecção pelo zika no desenvolvimento fetal de primatas não-humanos. Um desses estudos teve como objetivo simular a infecção pelo vírus transmitida por vetor durante a prenhez. Duas primatas foram infectadas no primeiro e duas no terceiro trimestres de gravidez. Dez dias antes da gestação completa, os neonatos nasceram por cesariana e foram analisados para lesão fetal, restrição de crescimento e infecção por zika.
Todos os quatro macacos fetais tinham anormalidades patológicas e ambas as infecções do primeiro trimestre exibiram lesões significativas no sistema visual. A patologia ocular se correlacionou com a presença de RNA viral no nervo óptico, entre outros tecidos. Notavelmente, a detecção de RNA viral em todos os quatro fetos fornece evidências de 100% de eficiência de transmissão vertical. Embora nenhum dos quatro neonatos tivesse microcefalia, os quatro tinham perímetro cefálico abaixo da média e velocidade de crescimento cefálico reduzida no último mês de prenhez. Isso sugere que a infecção de primatas por zika, particularmente no primeiro trimestre, causa lesão fetal.
No outro estudo com primatas não humanos, observou-se também que o período prolongado de detecção de viremia plasmática (presença do vírus no plasma sanguíneo) se assemelha às observações feitas em algumas mulheres, incluindo um caso assintomático. Em primatas humanas e não-humanas prenhes, a viremia plasmática do zika torna-se indetectável em aproximadamente duas semanas, mas em mulheres grávidas a detecção persistente de viremia sérica ou plasmática foi descrita por mais de 10 semanas após o início dos sintomas clínicos. Três de quatro primatas não-humanas tiveram viremia prolongada, incluindo uma animal que teve RNA de zika detectável em seu plasma por 10 semanas. O feto desenvolveu lesões periventriculares e assimetria occipital-parietal 10 dias após a infecção. No momento da necropsia fetal realizada com 162 dias de gestação, foram diagnosticados hipoplasia da substância branca cerebral, gliose da substância branca periventricular e lesão axonal.
A circulação do zika nas áreas verdes torna mais difícil de erradicá-lo completamente. Por isso, o Brasil ainda convive com surtos esporádicos de febre amarela, que afetam principalmente os animais. Lembrando que os macacos são sentinelas (ficando doentes como nós, seres humanos) e não os transmissores das doenças – que são transmitidas pelos mosquitos.
Referências
– ABBINK et al. Protective efficacy of multiple vaccine platforms against Zika virus challenge in rhesus monkeys. Science. 2016;353:1129–1132.
– WALDORF et al. Fetal brain lesions after subcutaneous inoculation of Zika virus in a pregnant nonhuman primate. Nat Med. 2016;22:1256–1259.
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