Por Elisa Ilha
Bióloga, mestra em Biologia Animal pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É pesquisadora colaboradora do Laboratório de Sistemática e Ecologia de Aves e Mamíferos Marinhos (Labsmar/UFRGS) e do Projeto Botos da Barra (Ceclimar/UFRGS)
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Estamos em plena temporada de baleias no Brasil! Desde os últimos dias do outono e durante todo o inverno, observamos chegar em nossa costa inúmeras baleias-franca (Eubalaena australis) e baleias-jubarte (Megaptera novaeangliae) que estão em seu período reprodutivo.
Ambas as espécies são conhecidas por realizarem grandes migrações latitudinais e sazonais todos os anos. Elas passam os meses de verão próximas aos polos (em latitudes maiores) onde se alimentam. Nas regiões polares, há uma alta produtividade primária, com grandes concentrações de zooplâncton, o principal alimento das baleias-franca e das baleias-jubarte (e, também, de todas as espécies de baleias-verdadeiras!).
Devido ao seu grande tamanho e a sua alta necessidade calórica, elas passam o verão se alimentando abundantemente de pequenos crustáceos (como copépodos e krill). Dessa forma, acumulam uma grande quantidade de gordura que atua como um importante depósito de energia. É esse depósito que permitirá que as baleias realizem sua longa migração até suas respectivas áreas reprodutivas e que permaneçam nessas áreas durante toda a temporada (que se estende principalmente pelo inverno e parte da primavera).
Assim, com chegada dos meses mais frios, baleias-franca e baleias-jubarte iniciam sua jornada em busca de águas mais quentes, migrando em direção a latitudes menores (ou seja, em direção aos trópicos). É na temporada reprodutiva que as fêmeas irão acasalar, dar à luz e criar seus filhotes.
As águas mais quentes beneficiam a sobrevivência dos filhotes pela otimização dos gastos energéticos, facilitando a termorregulação da temperatura corporal. Além disso, a migração para latitudes menores também ajuda a proteger os filhotes da pressão de predação que é exercida pelas orcas, mais abundantes próximo dos polos.
As principais áreas reprodutivas da baleia-franca e da baleia-jubarte no Brasil estão em águas costeiras, razão pela qual conseguimos avistá-las tão facilmente quando chegam por aqui. Nesse período, elas parecem buscar águas mais calmas, rasas e protegidas para cuidar dos filhotes.
No Brasil, a principal área reprodutiva da baleia-franca está localizada no Sul, principalmente nas baías e enseadas do litoral centro-sul de Santa Catarina (veja o mapa produzido pelo Instituto Australis). Há fidelidade das baleias às áreas de reprodução: as fêmeas grávidas tendem a retornar à mesma região a cada três anos (onde já foram previamente avistadas) para concepção de um novo filhote. A gestação dura em torno de 12 meses e corresponde à sazonalidade da migração e ao retorno às áreas de reprodução.
Já a principal área reprodutiva da baleia-jubarte em águas brasileiras se dá no banco de Abrolhos, uma extensão da plataforma continental coberta por recifes de coral entre o sul da Bahia e o norte do Espírito Santo (veja o mapa produzido pelo Projeto Baleia Jubarte). Nenhum outro local no mundo apresenta uma concentração de filhotes de baleias-jubarte tão grande como a existente nos arredores de Abrolhos. As fêmeas com filhotes são as últimas a migrarem para as áreas de alimentação para que os filhotes possam aumentar sua camada de gordura (ingerindo até 100 litros de leite por dia!) e desenvolver bem suas habilidades motoras para completar a extensa viagem de volta até os polos.
Durante os meses em que estão na costa brasileira, podemos observar baleias-franca e baleias-jubarte exibindo diversos comportamentos.
Um dos mais conhecidos é o borrifo, avistado quando as baleias vêm à superfície para respirar. O borrifo se dá quando elas exalam o ar quente que está dentro de seus pulmões, que, ao entrar em contato com o ar externo (mais frio), se condensa formando uma nuvem de pequenas gotas de água.
Também observamos essas baleias exibindo suas nadadeiras caudais e peitorais, navegando, repousando na superfície e – talvez o mais emocionante de todos os comportamentos – executando impressionantes saltos para fora d’água. Para isso, elas mergulham a profundidades suficientes e, com ajuda da velocidade do nado e da força de suas nadadeiras caudais, se impulsionam em direção à superfície.
Mas você já imaginou o tamanho do esforço que é necessário fazer para que corpos que pesam entre 40 e 60 toneladas pulem para fora d’água? Ou, por que as baleias saltam mesmo sendo uma atividade tão energeticamente custosa? Existem algumas hipóteses que buscam explicar o porquê…
Dentre as baleias-verdadeiras, os saltos parecem atuar como uma forma de controlar e remover ectoparasitas. Ou seja, a ação busca eliminar cracas e/ou piolhos-de-baleia que possam estar aderidos aos corpos das baleias. Esses ectoparasitas não prejudicam as baleias-verdadeiras por tratar-se de uma relação de comensalismo, uma vez que os parasitas se alimentam de algas aderidas ou da descamação da própria pele das baleias. Mas eles podem causar desconforto ou irritação e, a limpeza, poderia ser uma boa explicação.
Entretanto, as demais hipóteses estão vinculadas à sociabilidade. O som provocado pelo impacto do corpo da baleia na superfície da água poderia ser entendido como uma estratégia de comunicação (especialmente entre grupos de baleias distantes). O som deste splash (ou seja, do corpo irrompendo contra a água) parece poder dispersar melhor a comunicação, fazendo com que o som seja percebido longe e em diversas direções.
Esse som poderia atuar como uma forma de chamar a atenção de outros indivíduos ou grupos. Pode ser, também, uma forma de cortejo dos machos se exibindo para as fêmeas. Ainda, os saltos podem ser entendidos como um alerta (um estado de vigilância às ameaças de predação) ou como um aborrecimento (talvez com a presença de um navio próximo). Além disso, podem ser uma demonstração de agressão ou até mesmo de desafio ou de força por parte dos machos.
Entre as baleias-jubarte, por exemplo, machos foram observados saltando quando paravam de cantar. Na população de baleias-jubarte do oceano Atlântico Norte (no Brasil encontramos a população A do oceano Atlântico Sul), foi observado que elas saltam sete vezes mais em suas áreas reprodutivas do que em suas áreas de alimentação.
Baleias migratórias de outras espécies de (como as baleias-franca e as baleias-cinzentas) são registradas, também, saltando com maior frequência em suas áreas reprodutivas – mesmo que isso signifique um importante gasto energético em um período em que dependem quase exclusivamente de suas calorias em estoque. Os saltos podem ser interpretados, assim, como uma demonstração de boa forma, de aptidão – o que é, com certeza, avaliado pelas fêmeas na hora de escolher um parceiro.
Filhotes de diversas espécies de baleias saltam mais que os adultos. A brincadeira também é uma função comumente atribuída aos saltos (e outras atividades aéreas) enquanto atividade lúdica. Mas esse é, de fato, um comportamento difícil de definir. É provável, ainda, que algumas das atividades aéreas realizadas por filhotes não forneçam nenhum benefício imediato, mas ajudam a prepará-los para habilidades que serão benéficas ao longo da vida.
Além disso, as frequências de saltos também já foram observadas aumentando com a velocidade do vento. Quando há muito ruído no oceano (seja por tempestades, ventos ou até mesmo pela presença de embarcações) pode ser necessário provocar sons mais altos para garantir a comunicação (através do splash) – além das vocalizações normalmente emitidas.
Batidas de nadadeiras caudais e peitorais também podem ter um papel de comunicação (principalmente em pequenas distâncias) em interações entre grupos de baleias As batidas das nadadeiras caudais são, ainda, atribuídas ao desenvolvimento da musculatura e da habilidade motora, a comportamentos mais agressivos e até mesmo processos de aprendizado através da brincadeira. Enquanto isso, a exposição e as batidas de nadadeiras peitorais podem representar um comportamento convidativo ou de interações com o filhote.
No litoral de Santa Catarina, por exemplo, é comum ver fêmeas de baleias-franca acompanhadas de filhotes com as duas nadadeiras peitorais para cima. Acredita-se que isso possa proporcionar momentos de descanso aos filhotes (carregados sobre o ventre) ou que ajude a controlar a alimentação do filhote (evitando o acesso às fendas mamárias).
Os saltos – assim como demais comportamentos ativos aéreos – parecem, portanto, ser multifuncionais. Isso quer dizer que, dependendo do contexto social, podem possuir funções diferentes e ajudam as baleias-franca e as baleias-jubarte em sua sobrevivência nos oceanos.
E se um dia você tiver a oportunidade, busque locais no litoral brasileiro para observar essas baleias! É dessas bonitezas que enchem nosso coração de alegria e que nos lembram da riqueza que é a diversidade da vida.
Se você optar por fazê-lo embarcado (há lugares em que você pode vê-las desde a areia!), lembre-se de optar por embarcações que respeitem as normas de observação de cetáceos e mantenham as distâncias permitidas – para a sua segurança e a delas também!
Ah, e se puder, não deixe de conhecer o trabalho e as estações dos institutos e projetos – como o Instituto Australis/Projeto Baleia Franca e o Projeto Baleia Jubarte – que atuam para gerar conhecimento sobre esses animais e divulgá-lo, além de amplamente contribuir para a sua conservação!
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