Possui graduação em Ciências Biológicas e mestrado em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente, é doutoranda pela mesma instituição, trabalhando junto ao Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF-UFRGS).
Seus interesses estão ligados à conservação da natureza, principalmente à Ecologia de Rodovias para a compreensão dos impactos dos empreendimentos viários sobre a fauna.
“Deixa o tatu-bola no lugar
Deixa a capivara atravessar
Deixa a anta cruzar o ribeirão”
Borzeguim – Tom Jobim
Algumas vezes já escrevemos aqui (9 de março e 3 de agosto) sobre os conflitos entre a fauna e o ser humano e como as estradas podem representar um facilitador dessa interação. Embora não seja uma novidade, esse encontro chama atenção e desperta a preocupação de pesquisadores e outros interessados na vida silvestre. Um caso bastante emblemático é o encontro com ursos nas margens de rodovias, muito relatado em parques da América do Norte. De tão comum, esse encontro gera um fenômeno de nome específico, em inglês “bear jams”, algo como “congestionamentos de urso”, em português.
Esse nome tem razão de ser. Quando visitantes ou moradores dos locais avistam ursos nas margens das rodovias, muitas vezes param rapidamente seus carros para vê-los mais de perto. Isso pode significar dezenas de carros enfileirados que, muitas vezes, interrompem o trânsito (vídeo abaixo), formando um congestionamento por conta dos ursos.
Inúmeras são as reportagens e relatos desse tipo de situação em áreas protegidas como o Parque Nacional de Banff, no Canadá, ou o Parque Nacional de Yellowstone, nos Estados Unidos. Nesse último, por exemplo, foram reportados 1.170 congestionamentos de ursos em 2019. Mas por que isso desperta preocupação de pesquisadores e gestores dos parques?
Esse encontro entre humanos e ursos impõe riscos para ambas espécies. Por um lado, a formação dos congestionamentos aumenta as chances de acidentes de trânsito, já que muitas vezes as pessoas saem correndo pelas rodovias para se aproximarem dos animais e abandonam os carros pelo caminho. Além disso, há aqueles que se aventuram a pé em busca de uma visão mais privilegiada dos ursos, se expondo ao risco de um ataque desses animais. Embora na maioria dos casos os ursos não pareçam interessados nos humanos, um urso-pardo pode correr a aproximadamente 60 km/h, rapidamente alcançando qualquer pessoa em curta distância.
Por outro lado, essa interação também impõe risco aos ursos. Além da possibilidade de serem atropelados nas rodovias, os animais estão expostos a níveis mais elevados de estresse devido a essa proximidade exagerada com carros e pessoas. No longo prazo, não se sabe as implicações disso para a saúde desses animais. Esse estresse contínuo também pode adicionar mais tensão aos encontros futuros.
Muitas vezes as pessoas tentam alimentar os ursos, o que, com o passar do tempo, pode fazer com que os animais busquem os humanos quando necessitem de comida. Além de interferir na dieta e no comportamento dos animais, isso pode ser um agravante para a segurança dos visitantes do parque, elevando as chances de ataques em outras situações.
Nos últimos anos, a visitação nos parques tem aumentado, tornando maiores os desafios na compatibilização dos encontros entre fauna e seres humanos. Além disso, os congestionamentos de ursos parecem ter ganhado um outro amplificador: as redes sociais. Aparentemente tudo vale por uma foto “perfeita”, a ser validada por alguns likes. Pessoas têm se exposto cada vez mais à um risco de um ataque sem se dar conta do perigo que correm ou do estresse que impõe aos animais.
Embora a visitação nos parques impacte a fauna e também possa contribuir para a degradação dessas áreas, como erosão de trilhas, descarte incorreto de resíduos, maiores emissões de carbono e conflitos com populações humanas locais, o contato das pessoas com os parques também representa ganhos para a conservação.
Visitantes podem desenvolver um maior apreço pela natureza e contribuir com iniciativas para sua conservação. Além disso, a visitação traz ganhos financeiros para os parques que podem ser investidos em projetos voltados para a manutenção de suas espécies e ecossistemas.
Diante dessa problemática, pesquisadores fizeram um estudo com frequentadores do Parque Provincial Peter Lougheed, em Alberta, no Canadá. O objetivo foi entender as percepções dos visitantes à respeito dos congestionamentos de ursos e de estratégias para manejar o problema.
Os pesquisadores conduziram uma pesquisa on-line com 27 perguntas, no ano de 2021. O questionário foi composto de quatro sessões principais:
Um total de 380 pessoas completaram os questionários, em sua maioria canadenses da província de Alberta (96%). Embora o avistamento de ursos não tenha sido a motivação primária das visitas ao parque, mais de 70% dos respondentes relataram ter visto engarrafamentos de urso na área protegida e 65% deles disseram que essa situação afetou negativamente sua experiência. Questionados se os congestionamentos eram um problema no Parque Provincial Peter Lougheed, 51% responderam que sim. As frustrações relatadas com o problema foram a ansiedade decorrente de ver visitantes colocarem a si próprios e aos ursos em risco e o tempo parado no congestionamento.
O questionário revelou as causas dos congestionamentos de ursos de acordo com a percepção dos visitantes, sendo as principais:
Em contraste, a maioria dos pesquisados responderam que quando veem um urso nas margens da rodovia dirigem em uma velocidade segura ou diminuem a velocidade para ver o animal. Apenas 1% respondeu que sai do veículo para ver o urso.
Quanto aos riscos dos avistamentos de ursos nas rodovias, 66% concordaram que esse comportamento impõe risco aos ursos, contra apenas 29% aos humanos. Os visitantes preocupam-se principalmente com a habituação dos ursos à presença humana, mas também que os carros atropelem os animais ou que eles fiquem mais agressivos, aumentando as chances de os ursos serem retirados do local e levados para áreas mais distantes ou sacrificados por equipes do parque.
Além disso, mais da metade dos entrevistados reportou nunca ter recebido informações educacionais sobre os congestionamentos de ursos e de como se comportar de maneira segura e responsável nessas situações. A maioria também foi favorável a possíveis intervenções propostas pelos pesquisadores para reduzir o problema, como o aumento de multas para quem for pego fora do carro avistando os ursos, o aumento de sinalização, o aumento das equipes do parque, o aumento das ações educativas e o aumento de zonas de parada proibida. A medida menos popular foi a redução de velocidade.
Com esses resultados, os pesquisadores confirmaram a problemática dos congestionamentos de urso inclusive na percepção dos visitantes do parque e identificaram possíveis caminhos para ajudar na solução desse problema. A falta de ações educativas e de divulgação de boas práticas para os visitantes foi evidenciada, bem como uma tendência dos entrevistados de enxergar mais os perigos para os ursos do que para os humanos.
Investir na conscientização e educação dos visitantes é urgente, assim como encontrar práticas que equilibrem a vontade de contemplar os animais com a segurança de todos. Um resultado interessante foi o forte apoio dos entrevistados à possíveis medidas mitigadoras (como aumento das zonas de paragem proibida), demonstrando seu interesse em colaborar com a problemática. Por outro lado, foi possível notar uma tendência dos entrevistados em se colocarem em uma posição de “fora” do problema, relatando seu comportamento como “melhor” do que o dos outros visitantes. Isso pode se dar por algum viés no público amostrado ou devido ao comportamento humano de querer se apresentar da maneira mais favorável possível.
Sabemos que a natureza, além de nos encantar e nos despertar imensa curiosidade, é parte essencial do nosso bem-estar, tanto físico quanto mental. Conviver de maneira saudável com outras espécies é um desafio que vem ganhando cada vez mais força ao longo dos anos. Estudos como o descrito neste artigo podem ajudar a encontrar caminhos possíveis para superar alguns desses desafios.
Como vimos, o comportamento humano tem um grande potencial de mitigar certas situações de conflito com a fauna. Embora todos nós já tenhamos passado pela vontade de guardar em uma foto algo que nos encanta muito e de muitas vezes essa ser uma atividade divertida, em algumas situações mais vale o conselho da música: deixa a fauna existir.
Abaixo, vídeo sobre congestionamento de urso no Parque Nacional Yellowstone – Imagens: National Park Service USA
Possui graduação em Ciências Biológicas e mestrado em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente, é doutoranda pela mesma instituição, trabalhando junto ao Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF-UFRGS). Seus interesses estão ligados à conservação da natureza, principalmente à Ecologia de Rodovias para a compreensão dos impactos dos empreendimentos […]
