Bióloga, mestra em Biodiversidade em Unidades de Conservação e guia de observação de aves da Brazil Birding Experts pelo Sudeste e Nordeste do Brasil
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Quando pensamos em uma viagem, logo imaginamos as pessoas no seu destino e se divertindo. Na verdade, uma viagem começa muito antes, lá nos sonhos de quem a contrata. O meu trabalho enquanto guia de observação de aves é ajudar a tornar esse sonho realidade e dar o meu melhor para que ele seja ainda mais prazeroso do que imaginado.
Logo no primeiro contato de um cliente já começo a viagem (mesmo que não seja eu a guia). Nas primeiras conversas entendo o perfil e os desejos dos clientes e, em muitos casos, recebo uma lista das aves que eles querem ver na viagem. É nesse momento, com a lista na mão, que uma empolgação vem e começo a sonhar junto. Analiso cada espécie e vou montando o melhor roteiro para otimizar e maximizar as chances de sucesso da viagem, ou seja, tentar garantir que veremos o maior número de espécies daquela lista. Essa parte é muito gostosa. Sinto como se já estivesse visitando cada um daqueles locais e observando as espécies.
Com o roteiro finalizado nas mãos e aceito pelo cliente, se inicia toda a logística para que ele aconteça da melhor forma possível. Nesse ponto que entra a parte mais burocrática, onde são preparados todos os documentos necessários (fichas de inscrição, contratos, seguros, entre outros) e são feitas todas as reservas com prestadores de serviços. No geral, esse trabalho é feito pela agência ou em alguns casos pelo próprio guia.
Uma coisa que eu gosto muito de fazer quando a viagem é baseada em uma lista de espécies é criar uma checklist por localidade visitada, com as espécies-alvo que ocorrem por lá organizadas através de um ranking de prioridades (as espécies que ocorrem em um menor número de localidades aparecem primeiro, ou seja, as espécies que ocorrem apenas naquele local aparecem no topo da lista). Esse checklist ajuda muito na organização ao longo da viagem e a tomar decisões baseadas em prioridades, maximizando as chances de sucesso.
E assim começa a viagem de observação de aves, com aquele friozinho na barriga pelo primeiro encontro e para que tudo dê certo. Afinal, as viagens que costumo fazer são longas (de 10 a 30 dias) e nunca se sabe quem será a pessoa com quem vou conviver quase que 24 horas por dia. Mas, respira fundo e vai passarinhar!
O que pouca gente se dá conta é que uma viagem de observação de aves para o guia não é só passeio, diversão e passarinhada…Vai muito além, muito além! Quando comecei a guiar, percebi que, além de estar de ouvidos e olhos atentos e ter a habilidade de explicar onde a ave está, tem muitas outras coisas que um guia tem que se preocupar. Como o tempo em cada local para chegar no melhor lugar para almoçar, os deslocamentos de cada viagem, se estará tudo certo no hotel, se os clientes terão um bom atendimento nos estabelecimentos, sem contar a responsabilidade e preocupação com a segurança e a saúde das pessoas. E, em alguns casos, até a mediação de discussões são necessárias. Com tudo isso, percebi que uma viagem de observação de aves, além das aves, envolve as relações humanas que, na minha opinião, tem um peso enorme para o sucesso da viagem.
Só sentindo na pele para saber o quanto é um trabalho exaustivo que demanda muita energia e controle emocional, mas tudo isso vale a pena pelos maravilhosos encontros que essa profissão proporciona. Encontros com a vida, com a natureza dentro de nós, com pessoas incríveis que jamais imaginamos conhecer, com as parcerias que fazemos pelo caminho e com as novas amizades.
Nessa pandemia, os sentimentos que existem são a saudade e a esperança. Aquele calorzinho no coração esperando para reencontrar os amigos que estão espelhados por aí, os sorrisos calorosos, as brincadeiras, a comida gostosa, enfim, cada lugar tem algo especial e uma pessoa que contamos os dias para ver (guias locais, donos de pousadas, garçons e muitos outros). Não vejo a hora de rever os clientes queridos que se vão e retornam com aquele abraço carinhoso não mais de clientes e sim de amigos.
Mal posso esperar para conhecer um daqueles grupos que serão a minha família por alguns dias e que ficarão no coração e na memória. Cada vez que eu for em algum lugar, ver uma espécie ou reviver uma situação lembrarei deles. Ser guia é isso, além de toda a parte profissional, também é cheio de sentimentos e emoções.
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