Viagem para casa: repatriação de animais vítimas do tráfico

Sou policial rodoviário federal desde 2005 e instrutor de fiscalização ambiental da PRF desde 2009. Gostaria de aproveitar esse momento e espaço no Fauna News para contar algo mágico que consegui realizar neste mês de março.

Em 2023, tive a oportunidade de participar de um curso realizado pela Freeland Brasil e SIG Répteis e acabei visitando o Centro de Manejo e Conservação de Animais Silvestres (Cemacas) da prefeitura de São Paulo, no bairro de Perus. Lá, conheci a veterinária Alice Soares de Oliveira, que impressiona qualquer pessoa por sua simpatia e proatividade. O assunto de repatriação dos animais aos seus biomas de origem e finalmente o retorno à natureza dominou nossa conversa e ela relatou a enorme dificuldade de conseguir levar os animais recuperados à vida livre em biomas distantes.

Eu, prontamente, me coloquei, e também a PRF, à disposição para essa nobre missão.

Não me lembro de a Polícia Rodoviária Federal participar de um repatriamento de vítimas do tráfico de fauna. A instituição já realizou escoltas de diversos animais como elefantes, onças, araras e até um golfinho, como órgão de apoio ao ICMBio, ao Ibama e a ONGs. Porém, levando para solturas animais que a própria PRF apreendeu, após intenso processo de reabilitação, acredito que nunca foi feito.

O tempo passou, concluí o curso e, no início de 2024, recebi uma mensagem da Dra. Alice dizendo “lembra de mim?”. Não preciso nem dizer o que ela me pediria. Em poucos minutos, já estava tudo combinado. Levei a questão para a gestão da PRF em Brasília que, prontamente, abraçou a nova operação: levar a instituição para atuar na etapa final do ciclo de resgate, tratamento e soltura dos animais silvestres vítimas do tráfico. A superintendência da PRF de São Paulo também deu todo o apoio possível, liberando os policiais e disponibilizando uma viatura “posto-móvel” para o deslocamento de uma semana por 5.500 quilômetros.

Viagem com jabutis e jiboia

No dia três de março, eu, a Dra. Alice e a PRF Mayara Cheloni saímos do Cemacas com 212 jabutis e uma jiboia. Fizemos paradas no Centro de Reintrodução de Animais Selvagens (Cereias) em Aracruz (ES), no Zoológico de Salvador (BA) e, finalmente, no Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) Tangará, em Recife (PE), onde a maioria dos animais ficou.

A viagem foi longa e exaustiva. Demos preferência para rodar no período noturno e, assim, diminuir o estresse e dar melhor condição térmica aos animais. Eles eram desembarcados em todas nas paradas para alimentação e hidratação. Foram poucas horas de sono, mas a segurança deles e do deslocamento sempre esteve em primeiro lugar.

Foi extremamente gratificante ver os animais sendo recebidos nas instituições, que serão seus lares temporários até o retorno aos seus hábitats. Nosso retorno foi mais tranquilo e com um pouco menos de preocupação, pois todos os espécimes chegaram em perfeitas condições.

Eu disse que a viagem foi cansativa, mas também foi igualmente espetacular – com certeza, uma das melhores oportunidades que a PRF já me deu. Viajando com pessoas de boa conversa e assuntos diversos, nem pareceu que percorremos 5.500 quilômetros, mil a mais que a distância entre Nova Iorque e Los Angeles, costa a costa nos Estados Unidos.

Acredito que o sucesso da operação e o resultado para a sociedade e ao meio ambiente farão com que a Polícia Rodoviária Federal dê mais esse passo e atue constantemente na repatriação de animais silvestres. A PRF tem potencial para ser, além de referência no resgate de fauna silvestre, um grande ator no processo de devolução desses animais à natureza.

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