Por Barbara Zucatti
Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestranda no Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da mesma instituição (NERF-UFRGS)
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Em época de verão, é comum abordarmos aqui assuntos relacionados com o veraneio e as consequências disso para a fauna, como os atropelamentos dos caranguejos maria-farinha, o uso dos carros na beira da praia e sobre ela não ser uma estrada.
E, como de praxe, o artigo de hoje será sobre esse assunto. Esta semana uma notícia me chamou bastante atenção: o atropelamento de um ninho de tartaruga na beira da praia. Não por ser um feito inédito, muito pelo contrário, mas porque traduz uma sequência de erros: o uso dos carros na beira da praia, em meio a uma pandemia e em local que estava proibida a passagem por haver uma demarcação com estacas de um ninho de um animal silvestre. A falta de senso e respeito ultrapassou os limites, literalmente. E o pior é que essa notícia não é nova, ela se repete. Quase todo ano, em alguma praia, há relatos de veranistas utilizando a beira da praia como casa e esquecendo que, antes ,ela é casa de muitos outros seres vivos (reportagem de 2017).
Falando em casa, você já ouviu a expressão “a boa filha à casa torna”? Pois o processo de deposição dos ovos de uma tartaruga-marinha segue exatamente essa linha. As tartarugas-marinhas vivem boa parte de suas vidas no mar, retornando ao solo na época da postura dos ovos.
As tartarugas fêmeas, depois de acasalarem no mar, voltam à praia onde nasceram para fazer seu ninho e colocar seus ovos. Esse fato intriga muitos pesquisadores, mas o que se sabe é que alguns animais, incluindo as tartarugas-marinhas, utilizam o campo magnético da Terra para se localizar e então encontrar a praia de nascença. Após chegarem à praia natal, elas selecionam um local para fazer o ninho, cavando vários buracos de dois metros de diâmetro, os quais são chamados de ‘cama’, para então, depositarem seus ovos. Cerca de 60 dias depois, alguns desses ovos irão eclodir e as tartaruguinhas começarão o primeiro desafio de suas vidas: a jornada em direção ao mar. São muitos os predadores de uma tartaruga recém-nascida: aves marinhas, siris, cachorros domésticos, os próprios humanos, entre outros. A cada mil tartarugas recém-nascidas, apenas duas chegam à vida adulta.
O atropelamento do ninho que aconteceu esta semana ocorreu na praia do Bosque, no Balneário de Guriri, no Espírito Santo, onde é proibido o uso do carro na beira da praia nos períodos de reprodução das tartarugas, que vai de outubro a março. O ocorrido causou a compactação do solo, que pressionou os filhotes, fazendo com que muitas tartaruguinhas morressem antes de conseguirem sair do ninho. O Projeto Tamar de Guriri faz o monitoramento dos ninhos da praia, demarcando os ninhos com telas e estacas para que não haja aproximação humana e perturbação para os filhotes.
Com o atropelamento do ninho, foram perdidos 88 filhotes e os 27 que sobreviveram foram levados para a água com a ajuda da equipe de monitoramento. No entanto, o problema dos carros na beira da praia não se resume apenas à probabilidade de atropelar algum animal ou ninho. Um estudo mostrou que sulcos formados na areia por veículos off-roads, utilizados para turismo nas dunas, podem aumentar em até 18 vezes o tempo que uma tartaruga filhote leva para chegar ao mar, desde que saiu do ovo até à chegada no seu destino. Isso porque os pneus desses veículos compactam o solo arenoso formando sulcos, que podem variar de 5 centímetros a 15 centímetros de altura. O aumento no tempo de dispersão dos filhotes colabora para que eles fiquem mais expostos aos predadores, desidratem e gastem mais energia, diminuindo as chances de sobrevivência.
As leis deveriam ser mais rigorosamente fiscalizadas? Sim, DEVEM. Porém, nós também devemos fazer nossa parte. Não adianta lei se não tem quem a cumpra. Devemos ter consciência de que conservar a natureza é nossa obrigação e sensibilizar as pessoas disso é uma das tarefas que podemos fazer. Esses espaços também são nossos, mas não somos os únicos vivendo neles e respeitar os processos naturais é peça-chave para viver em harmonia com a natureza.
Neste verão, diferentemente dos humanos, esses filhotes de tartaruga não irão encontrar o mar.
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