Por Andreas Kindel
Biólogo, professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da mesma universidade (NERF-UFRGS)
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No artigo da semana passada, a pesquisadora do NERF-UFRGS Talita Menger Ribeiro demonstrou o potencial efeito que a redução do tráfego nas rodovias, decorrente da estratégia de distanciamento social para o combate da pandemia de Covid-19 , pode ter no atropelamento de fauna. Com base em simulações, ela evidenciou que, todo o resto sendo igual (comportamento dos animais e dos motoristas, por exemplo), uma redução de 50% no volume de tráfego pode levar a uma diminuição equivalente na probabilidade de colisão de algumas espécies. Também ficou evidente que essa redução varia entre as espécies em função da velocidade de travessia na estrada. Para uma mesma redução de tráfego, espécies mais lentas tem uma menor redução da probabilidade de morrer.
Isso significa que devemos adotar a redução de tráfego como uma medida de mitigação em rodovias brasileiras? Não ou talvez seriam as minhas respostas a essa pergunta.
Em rodovias muito movimentadas (milhares de carros por dia), a diminuição do tráfego é uma medida dificílima de implantar do ponto de vista político. Além disso, embora desconheça estudos que tenham explicitamente avaliado este aspecto, trata-se de uma medida provavelmente pouco eficiente, com uma relação custo-benefício desfavorável quando comparada com outras medidas alternativas como passagens de fauna associadas a cercas direcionadoras.
Parar ou limitar o trânsito tem custos sociais e econômicos que inexistem com as passagens e cercas. Estas últimas têm uma implantação mais cara, mas esses custos se diluem durante o período de operação da estrada. Portanto, em estradas muito movimentadas é razoável admitir que a redução de tráfego não seria uma alternativa razoável para diminuir as mortes dos animais.
Por outro lado, existem algumas situações em que essa medida deve ser avaliada como alternativa potencial. Durante eventos migratórios, restritos a poucos dias e/ou a alguns horários do dia e que não acontecem anualmente no mesmo segmento de uma estrada com tráfego moderado ou baixo (inferior a dois mil veículos por dia), pode ser que seja oportuna a limitação do tráfego. Embora aplicada em outras regiões do globo, sobretudo para reduzir as mortes de anfíbios, desconheço uma espécie para a qual esse padrão de interação com estradas tenha sido descrito no Brasil. Mas também não conhecemos tanto assim da nossa fauna e das nossas estradas para afirmarmos que isso não possa acontecer. Para situações como essa, a redução de tráfego talvez possa ser uma alternativa de mitigação.
Um caso particular de controle ou limitação de tráfego que já foi relatado aqui no Fauna News é a estrada que liga São Miguel Arcanjo a Sete Barras e que corta o Parque Estadual Carlos Botelho, no estado de São Paulo. O tráfego a noite é vedado. É possível prever que animais noturnos – sobretudo algumas espécies de mamíferos, mas também alguns anfíbios e talvez répteis – raramente sejam atropelados. Mas essa medida em nada beneficia a fauna diurna com a redução da mortalidade e também não limita uma série de outros impactos potenciais decorrentes da presença de uma estrada e do tráfego diurno, como a facilitação do extrativismo ilegal de plantas e animais, vários mecanismos de contaminação ambiental e espécies invasoras, só para citar alguns.
A medida de controle temporal do tráfego em hipótese alguma pode ser usada como argumento para abrir ou reabrir estradas em áreas protegidas. No contexto de áreas protegidas, a regulação do tráfego só traz benefícios ambientais parciais em contextos em que a estrada já existia e passa a ser utilizada com menor frequência, como acontece na regulação do trânsito de turistas, por exemplo, no Parque Nacional do Iguaçu (PR). Em unidades de conservação nada é mais importante do que evitar a laceração da paisagem por uma estrada!
A pandemia um dia vai passar. Dependendo do nosso comprometimento, vai passar mais ou menos rapidamente. O alívio trazido pela redução do tráfego para a nossa fauna silvestre será passageiro. Ninguém deseja ficar dependente de um vírus para minimizarmos os impactos sobre o ambiente e a fauna. Como na saúde, a Ciência, no nosso caso a Ecologia de Estradas, pode e deve indicar em quais situações cada uma das múltiplas opções de solução de um problema tem os melhores resultados. A experiência diz que raramente as alternativas de resposta sobre a validade de uma estratégia são apenas o não ou sim. Em geral, a resposta é depende. Mas isso precisa ser demonstrado com simulações, experimentações e/ou observações.
Quanto mais investirmos na Ciência, mais rápido teremos algumas respostas!
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