Por Adriana Prestes
Bióloga, responsável técnica por áreas de soltura e monitoramento de fauna silvestre na Serra da Mantiqueira e Vale do Paraíba (SP) e secretária executiva do Grupo de Estudo de Fauna Silvestre do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Serra da Mantiqueira
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Sou proprietária de uma área de soltura, localizada no interior de São Paulo no alto da Serra da Mantiqueira. No meu quintal tem macacos sauá (Callicebus nigrifons) e juruvas (Baryphthengus ruficapillus) fazendo ninho, tudo isso porque a propriedade é coberta por – e gosto muito de mostrar para quem vem me visitar – uma linda floresta em estágio avançado de sucessão com árvores centenárias! São cerca de 10 hectares com nascentes e rios saindo de pequenos vales na mata, um verdadeiro paraíso, certo? Mas basta um zoom no Google Maps a coisa começa a mudar de figura.
A “praga” na minha cidade são os condomínios com parcelamento irregular de solo que vêm criando pequenos lotes, que, após vendidos, são implacavelmente “limpos” até que o subsolo fique exposto! Ou seja, continuamos seguindo o mote: “floresta boa é floresta morta” porque assim se ganha mais dinheiro. Afinal, o “terreno é meu, assim faço o que quiser!”
O que acontece é que as pessoas esquecem que vivem em um lugar complexo e que demorou milhões de anos evoluindo: a famosa Mata Atlântica! E que quando fazemos a tal da limpeza, na verdade estamos selecionando somente os seres vivos mais “faca na caveira”, como mosquitos, ervas daninhas, vírus e bactérias patogênicos… E já sabemos qual o desfecho disso: pandemias, deslizamentos de terra, enfim, todo tipo de problema ambiental que se possa imaginar.
Hoje, temos vários serviços de satélite que fornecem imagens gratuitas, e em tempo quase real, sobre a situação ambiental de qualquer lugar do mundo. Um destes sistemas é o Global Forest Watch. Nessa plataforma é possível utilizar vários filtros, assim pode-se, por exemplo, avaliar qual a importância da área em foco para a conservação da biodiversidade. No caso do município onde está localizada a minha área de soltura, a necessidade para conservação da biodiversidade é máxima.
Mas como capitalizar essa riqueza para o município e seus habitantes?
O turismo de observação de fauna é uma possibilidade real e concreta. Recentemente, a Fundação Florestal (FF) do Estado de São Paulo publicou uma Portaria Normativa, a nº 324, de 22 de outubro de 2020, regulamentando a observação de primatas em unidades de conservação administradas pelo órgão. Outra atração que vem ficando cada vez mais popular é a instalação de comedouros para aves, atraindo a avifauna especialmente no inverno, quando a quantidade de comida natural diminui muito. Tem comedouro que “serve” mais de 40 quilos de bananas por dia! Passarinho come com gosto!
Mas para outros animais é possível também fazer um comedouro? Já recebi até imagens de áreas de soltura que tem comedouro para anta (Tapirus terrestris)! Isso mesmo, elas adoram bananas também! Para essa outra fauna, as imagens normalmente são feitas com camera trap, pois, em função da ocupação humana, é mais seguro para eles se alimentarem a noite. E vejam que ainda nem abordei das solturas que efetivamente acontecem nas áreas de soltura.
Transformar uma propriedade em área de soltura é uma forma muito legal de aprender a interagir com a fauna silvestre, afinal só conservamos o que conhecemos.
Para finalizar, nessa semana em que nos lembramos do Meio Ambiente, pois a comemoração está ainda por vir, que tal fazermos aquela tal “boa ação”? Plantando uma árvore, montando um comedouro (e não esqueça de que as aves bebem água também) ou, simplesmente, passeando em alguma área conservada. Nosso cérebro agradece!
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