Por Carlos Eduardo Tavares da Costa
Biólogo, bacharel em Direito e agente de Polícia Federal
nalinhadefrente@faunanews.com.br
Minha intenção aqui é complementar o artigo sobre criadores de fauna publicado há dois meses. Vou partir de um termo que vi em uma matéria sobre concurso de projetos com soluções inovadoras para conter “comércio não sustentável” de vida silvestre. “Sustentável” tornou-se, muitas vezes, um termo politicamente correto, projetando um caráter técnico às coisas. Seria o comércio legal de espécies silvestres sustentável? Sustentável pra quem? Sustentável como aquele canudinho de papel que precisa ser impermeabilizado ou embalado com material plástico para não se transformar em uma verdadeira colônia de microrganismos e acariciar egos de alguns?
Justificando as colocações acima e complementando a matéria relativa aos criadores, vamos continuar. Com a implementação do pacto federativo, as responsabilidades dos entes (federal, estadual e municipal) foram redistribuídos. Infelizmente, vivemos em um país onde a federação e alguns poucos estados sustentam outros com aporte financeiro insuficiente, até para manter suas necessidades básicas. Se o responsável pela administração financeira federal for irresponsável, o castelo de cartas desaba e todos passam necessidades. Estados e municípios, na chamada “guerra fiscal”, onde reduzem impostos para atrair atividades de produção lucrativas a seus territórios, dificilmente se interessam pelas de baixo investimento, potencialmente poluidoras e que demandam recursos em infraestrutura e equipes de fiscalização com caráter técnico específico.
A Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011, determina que os entes federativos podem valer-se de alguns instrumentos de cooperação institucional, dentre eles a delegação de atribuições e de execuções. Na prática, os entes podem licenciar e fiscalizar, no âmbito de suas áreas, atribuições e recursos, as atividades que envolvam a proteção das paisagens naturais, o meio ambiente, as atividades potencialmente poluidoras e a preservação de fauna e flora. Quem tem capacidade para licenciar tem a obrigação de fiscalizar. Quem pretende arrecadar deve investir em quadro técnico para, também, fiscalizar. Mas, na prática, as coisas são um pouco diferentes.
Descobrimos o óbvio: “cachorro com muitos donos, morre de fome”. No afã de arrecadar, estados e municípios acabaram erguendo, às pressas, estruturas precárias com servidores, muitas vezes, despreparados. Para os entes com menos recursos financeiros ou menos interesse pelo assunto, a saída foi fiscalizar tudo on-line. Uma imensa trocação de pedidos, documentos e relatórios. No papel, ficam parecendo aqueles encartes religiosos de paraísos celestes em que pessoas abraçam leões e cordeiros em meio a um campo cheio de flores, arvores frutíferas e rios com águas azuis.
Um sistema de controle eletrônico, implementado sem levar em conta a desonestidade e a ganância, tenta garantir o envio dos mais diversos dados: transferências, vendas, fugas (estranhamente, fogem muito), furtos (estranhamente ocorrem muitos furtos), óbitos (estranhamente, morrem muito), nascimentos (estranhamente, se reproduzem demais para determinadas espécies. Parecem codornas). Não é comum os dados inseridos nos registros eletrônicos condizerem cem por cento com o que encontramos nos locais de criação. Os responsáveis pelos criadouros têm até a oportunidade de agendar a visita do fiscal. Podem ser gerados dados estatísticos que, em alguns casos, causam inveja na produtividade de muitas empresas.
Só não se sabe, com exatidão, para onde vão tantos espécimes de papagaios e araras, só como exemplo. Fico imaginando a quantidade de lares brasileiros com seus pets falantes, de estimação, todos anilhados e documentados. E os passeriformes? Bem, esses participam de campeonatos de beleza e de cantos (ou choros) e tem o porte ideal para irem e virem com certa facilidade. Em muitos casos, calçam anilhas de fabricação e tamanhos duvidosos (aliás, não foi à toa que juridicamente estão incluídas no tipo penal de falsificação de marca ou sinal empregado pelo poder público).
O SisFauna e SisPass (sistemas de controle) foram criados pelos legisladores federais para atender à demanda de conservação ex situ. Segundo dados de 2019, 523 empreendimentos comerciais de fauna estão em atividade no país, sendo que apenas, 66,35% registrados no sistema. Vários empreendimentos, apesar de não terem animais registrados em plantel, executaram operações no sistema. Em contrapartida, em várias operações policiais nas quais participamos, encontramos “criadores” ainda sem registro no órgão ambiental e no sistema, com inúmeros animais em seus recintos.
A maior parte dos criadouros comerciais do país (92,66%) se dedica à criação exclusiva de aves. Vários trabalhos de análise e cruzamento de dados apontam uma interessante coincidência: as espécies com maior interesse para criação são, justamente, as mais apreendidas nas operações de combate ao tráfico ilegal. A sobrevivência da maior parte do comercio ilegal, principalmente de passeriformes mais valorizados e de não passeriformes, se torna inviável sem a etapa de marcação e de documentação desses animais. Adivinhem onde isso é executado?
Volto à questão inicial: o comercio de animais silvestres é sustentável?
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