Por Dimas Marques
Editor-chefe
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O Tribunal de Justiça de Minas Gerais confirmou a condenação de um criador amador de pássaros, com registro no sistema do Ibama, pelos crimes de manter em cativeiro aves silvestres capturadas na natureza e por usar anilhas adulteradas nos animais. O julgamento aconteceu em 6 de julho. O condenado, flagrado em 2017 com 16 aves nativas sem qualquer identificação e outras oito com anilhas rompidas, terá de pagar um salário mínimo e prestar serviços comunitários. Para ambientalista, a pena é fraca e demonstra a ineficácia da legislação brasileira que trata do tráfico de fauna.
O criador de pássaros foi surpreendido em 23 de agosto de 2017, no sítio Barreiro, zona rural de Carmo do Rio Claro (MG), por uma ação policial que encontrou seis pássaros-pretos, sete canários-da-terra e três papa-capim sem anilhas ou qualquer documento de identificação e três canários-da-terra, dois patativas-do-campo, dois azulões e um pintassilgo com anilhas adulteradas e rompidas. Os animais foram apreendidos e iniciou-se uma apuração criminal.
Durante a investigação e no processo judicial, o criador alegou ter adquirido as aves anilhadas de um homem conhecido como Osvaldo Passarinheiro e não saber que os anéis de identificação estavam com problemas. Ele tem registro como criador amador de pássaros no Sistema de Controle e Monitoramento da Atividade de Criação Amadora de Pássaros (Sispass), modalidade de criação de aves Passeriformes que não admite comércio de animais (somente troca entre criadores registrados) e em que, obrigatoriamente, se maneja somente aves com anilhas.
Em agosto de 2019, o criador foi condenado em primeira instância por manter em cativeiro animais da fauna silvestre nativa sem autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a autorização obtida, com o agravante de ter havido “abuso de licença” (artigo 29, parágrafo 4º, inciso IV, da Lei 9.605/1998), e por falsificar, fabricando ou alterando, selo ou sinal atribuído por lei a entidade de direito público, ou a autoridade, ou sinal público de tabelião (artigo 296, inciso II do Código Penal). A pena total foi de dois anos e nove meses de detenção, em regime inicial aberto, e 23 dias-multa. As penas privativas de liberdade foram substituídas por prestação de serviços à comunidade e pagamento de dois salários mínimos.
O criador recorreu e a 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) decidiu manter a condenação pela manutenção dos animais silvestres em cativeiro, mas corrigiu a condenação motivada pelas anilhas adulteradas para o crime de uso de selo público destinado a autenticar atos oficiais da União, de Estado ou de Município ( artigo 296, parágrafo 1º, inciso I). A pena também foi alterada, sendo definida em um salário mínimo e prestação de serviços à comunidade.
Penas brandas
O biólogo e gerente de Campanhas de Vida Silvestre da Proteção Animal Mundial no Brasil, Maurício Forlani, afirmou que “está mais que claro que as penas aplicadas aos infratores de ações relacionadas ao tráfico são brandas demais”. Ao ser informado da história desse caso, ele concluiu que a sentença do TJ mineiro não se pode ser chamada de punição, pois estaria mais para uma pequena taxa para o condenado sair da ilegalidade.
“O crime compensa, não tenho dúvidas que os infratores têm essa sensação. Todos os especialistas no tráfico de fauna sabem e repetem isso. As punições não surtem efeito nenhum na repreensão de novos delitos. Nesse acaso, no mínimo, o infrator deveria perder o direito de ser cadastrado no sistema dos criadores amadores, o Sispass, ou em qualquer atividade legal que envolva animais silvestres e domésticos”, salienta o gerente da Proteção Animal Mundial.
Forlani ainda destaca que o tráfico não afeta somente os animais envolvidos, mas também todo o equilíbrio das áreas nativas, o que pode gerar grandes consequências para economia e saúde pública. “A Covid-19 está ai pra nos provar”, concluiu.
Mudanças na lei
Não são poucas nem recentes as propostas para endurecimento da punição aos crimes contra a fauna previstos na legislação brasileira. Em 2003 na Câmara dos Deputados, por exemplo, foi proposto no final da Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou o tráfico de animais e plantas no Brasil o Projeto de Lei nº 347, que cria tipifica o tráfico de fauna (apesar de não usar essa expressão) com pena prevista entre dois e cinco anos de reclusão e multa. O PL ainda inclui como tráfico o comércio ilegal de peixes ornamentais.
No PL 347/2003, estão apensados (juntados) outros 19 projetos. Boa parte deles propõe tipificar o crime de tráfico de fauna (o que não existe na atual legislação) e aumentar as penas. O projeto ganhou regime de urgência em sua tramitação em 6 de dezembro de 2016, dois dias depois de o programa Fantástico da Rede Globo veicular uma reportagem sobre os 10 traficantes de fauna presos mais vezes no Brasil pelos agentes do Ibama.
O PL já foi aprovado em todas as comissões e, desde 2017, aguarda o presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (DEM-RJ) colocá-lo em votação.
“A inércia do Estado brasileiro nas punições contra o tráfico é tão alarmante que desde 2015 existe o projeto de lei do senado 507, que pertente tipificar e elevar as punições sobre os crimes cometidos a fauna brasileira, tais como tráfico e caça. Ele está parado há mais de cinco anos. Não tenho dúvida que a aprovação desse PL seria uma grande vitória na luta contra as atividades ilegais no nosso país”, destaca Forlani.
No Senado, o PLS nº 507/2015 propõe tipificar o crime de tráfico de animais (sem usar o termo “tráfico”) com proposta de reclusão de dois a quatro anos e multa a quem for condenado. O projeto está para ser votado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania com decisão terminativa, ou seja, se aprovado na comissão é considerado aprovado pelo Senado para seguir para apreciação na Câmara dos Deputados.